Uruguai fica a um passo de legalizar maconha após aprovação dos deputados
Projeto de Mujica aguarda apenas um sinal verde do Senado
Internacional|Do R7
O inovador projeto antidrogas impulsionado pelo presidente do Uruguai, José Mujica, que pretende legalizar a maconha e entregar o controle de sua circulação ao Estado, foi aprovado nesta quarta-feira (31) pela Câmara dos Deputados e ficou a um passo de ser transformado em lei, faltando apenas um sinal verde do Senado.
Assim como ocorreu nos últimos meses com o aborto e o casamento homossexual, o bloco governista Frente Ampla (FA) conseguiu impor sua maioria parlamentar, embora tenha tido um pequeno susto de última hora por causa de um legislador, que confessou rejeitar a iniciativa, mas acabou votando a favor por lealdade a seu partido.
O projeto foi aprovado com 50 votos a favor — dos 96 totais — após uma sessão de 14 horas, iniciada às 10h locais e só encerrada por volta da meia-noite.
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Apesar de ter finalmente apoiado o projeto governista, o deputado do FA que tinha ameaçado boicotar a votação, Darío Pérez, fez questão de exaltar sua inconformidade em torno do assunto: "A maconha é uma mer... É inimiga do estudante, do trabalhador e da vida. E o importante é que é uma mer... com ou sem lei", indicou.
No entanto, o deputado reconheceu que a proposta é um dos "projetos mais impactantes da legislatura" de Mujica (2010-2015) e implica uma grande "mudança de paradigma no tema das drogas".
Seu correligionário Jorge Orrico lembrou que "se o negócio da droga não for clandestino, não funciona" e criticou a dupla moral de países como os Estados Unidos nesse campo: "São os líderes no mundo na repressão contra este tipo de coisas, mas, dentro dos Estados Unidos, há 18 Estados que liberaram a maconha — como o Colorado — para usos recreativos".
Orrico ressaltou que "a guerra contra as drogas não teve resultado algum e o consumo de drogas aumentou em todas as partes do mundo", até se transformar em um "problema de saúde e de segurança pública".
O deputado do Partido Nacional Gerardo Amarela opinou que, "no melhor dos casos", a norma terá consequências sobre 12% do negócio do tráfico e lamentou que o país esteja "passando uma mensagem confusa à sociedade".
Sua correligionária Verónica Alonso opinou que "viver com as drogas é um slogan pessimista e condenatório", enquanto o legislador do Partido Colorado Richard Sander defendeu que a lei "vai contra o fim que persegue".
Sander também questionou se essa aprovação "não terminará sendo um argumento contra do país" no contencioso litígio internacional com a tabacaria Philip Morris, iniciado por causa de sua dura legislação contra o tabagismo.
Gustavo Borsari, também do Colorado, anunciou uma campanha de recolhimento de assinaturas para tentar convocar um referendo contra a lei, como o próprio Sander havia antecipado há dois dias.
Como prova da complexidade da questão, além do governista Darío Pérez, também houve deputados opositores que votaram contra a lei por obediência, mas eram a favor, como o colorado Aníbal Gloodtdofsky.
"Já é hora do Uruguai voltar a ser o país considerado como a Suíça da América, como era nos tempos do governo Batlle", afirmou o deputado em alusão ao ex-presidente José Batlle Ordóñez (1903-1907 e 1911-1915), tido como o pai do Uruguai moderno por suas iniciativas progressistas.
No Partido Independiente, o deputado Daniel Radío se uniu a essa tendência ao ressaltar que "falar de drogas não é necessariamente falar de um problema", já que "alguns consumos são problemáticos e outros não". "Não podemos deixar de experimentar novas formas para mudar esta situação", concluiu.
O debate foi acompanhado com expectativa pelas associações de consumidores de cannabis e partidários nos arredores e no interior do Parlamento, de onde foram expulsos após iniciarem uma explosiva comemoração com a confirmação da aprovação.
O envolvimento desses grupos contrastou com a passividade do resto da população nas ruas, apesar de uma pesquisa (da consultoria Número) ter revelado na última segunda-feira que 63% dos uruguaios estão contra o plano governamental e só 26% a favor.
De acordo com os dados da Junta Nacional de Drogas, 20% dos uruguaios com idades entre 15 e 65 anos já consumiram maconha alguma vez em sua vida.
A iniciativa, que não tem precedentes na América Latina e é vista com grande receio pela maioria dos países, também recebeu o apoio de personalidades, como o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, de vários ex-presidentes da região e, inclusive, do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, que a considera como algo que "vale a pena testar".
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