CPI do Rio Melchior vai apurar instalação de usina termelétrica no Distrito Federal
Usina é motivo de embate entre ONGs, sociedade e empresa responsável por projeto; entenda

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Rio Melchior na CLDF (Câmara Legislativa do DF) vai apurar, além das causas de poluição do corpo d’água, a proposta de instalação de uma usina termelétrica em Brasília entre as regiões de Samambaia e Recanto das Emas. A informação foi adiantada pela presidente da CPI, Paula Belmonte (Cidadania), que destacou que os trabalhos da Comissão começaram em um bom momento. Na primeira reunião da CPI, a distrital disse que pretende ouvir o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para entender as questões técnicas.
“Queremos estar ouvindo toda a análise técnica do Ibama e ouvir a comunidade em relação a essa termelétrica. Ela é algo que pode ser muito importante para a sociedade, devido a geração de empregos e crescimento da economia, mas só temos que tomar cuidado porque o rio [Melchior] já é classificado como grau 4, ou seja, não é propício nem para beber nem para tomar banho, e não podemos deixar que a usina transforme o rio em um rio morto”, defendeu.
Veja Mais
O projeto da Usina Termelétrica Brasília pretende captar água do Rio Melchior para resfriar a temperatura da usina. Para a parlamentar, no entanto, isso pode causar impactos ambientais. “Quando ela [usina] devolve para o rio uma água em temperatura mais alta do que a natural, isso é sujeito a flora e fauna morrer e a termos uma proliferação muito maior de bactérias, pois sabemos que em um ambiente quente e abafado existe essa proliferação maior”, observou.
Nesta quinta-feira (10), a Comissão realiza uma nova reunião entre os deputados. A expectativa é que na próxima semana os parlamentares comecem a fase de visitas in loco, para ouvir a população que mora próxima do Rio Melchior e quem está sendo afetado pela poluição do corpo d’água.
Entenda a proposta da usina
A UTE (Usina Termelétrica Brasília) será uma usina a gás natural, com potência de 1470MW para a geração de energia elétrica. Para o seu funcionamento, o empreendimento inclui: a planta da usina termelétrica; linha de transmissão; subestação interna; canteiros de obras; gasoduto terrestre; duto para captação de água do Rio Melchior e duto para descarte de efluentes tratados.
A usina, caso aprovada, seria construída a cerca de 35 km da praça dos Três Poderes, região Central de Brasília. Segundo a empresa responsável, serão captados aproximadamente 110 m³ por hora de água do Rio Melchior, e devolvidos 104 m³/h através de uma tubulação que terá 500 metros.
Questionado sobre os possíveis impactos ao meio ambiente, a empresa responsável pelo projeto da usina, a Termonorte, disse que a obra “contribuirá para a garantia da segurança energética ao Sistema Interligado Nacional, especialmente diante do crescimento das fontes solar e eólica na matriz elétrica — que, apesar de limpas, são intermitentes e dependem das condições climáticas”.
“A UTE Brasília usará gás natural, uma fonte firme, confiável e de menor emissão de carbono, contribuindo para manter o equilíbrio no fornecimento de energia. Além disso, o projeto trará benefícios diretos para o Distrito Federal, como a geração de empregos, movimentação da economia local e novas oportunidades de renda para a comunidade da região”, defende.
A empresa contou que a documentação exigida está sendo elaborada com “responsabilidade e transparência, em diálogo com os órgãos reguladores”. “Por utilizar gás natural — uma fonte com menor impacto ambiental e ideal para a transição energética — o projeto tem grandes chances de avançar. O cronograma de início das obras depende da realização do Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Energia, ainda sem data definida. Caso seja viabilizado por meio desse processo, a previsão é que a UTE Brasília entre em operação em janeiro de 2031″, informa.
Impactos no meio ambiente
Diretora-executiva da ONG Arayara, Nicole Figueiredo alerta, contudo, que a obra traz impactos na qualidade do ar, no meio ambiente e para a sociedade. Ela diz também que o projeto vai na contramão da transição energética necessária para o país. “O mais importante para dizer é que a termelétrica vai usar um gás fóssil que contamina a atmosfera. E a ideia não é apenas uma, mas três unidades de Goiânia até Brasília, ao longo do gasoduto que começa em São Carlos (SP). Mas esse gasoduto ainda não tem licença de operação”, explica ela.

Nicole defende que a UTE é uma medida para justificar a construção do gasoduto. “É uma lógica totalmente invertida do ponto de vista do planejamento energético: construir um empreendimento poluidor, que consome água, contamina a atmosfera, para justificar a construção de um gasoduto”, observa.
Ela lista alguns impactos que a obra pode trazer para o DF. “Brasília tem um dos melhores índices de qualidade do ar das capitais brasileiras principalmente por não ter tanta indústria. A obra, a 35 km da Praça dos Três Poderes, vai gerar contaminação que vai afetar todo o DF e não apenas as regiões próximas da usina”, defende.
Para a construção da usina, segundo a ONG, seriam necessários destruir 31 hectares de vegetação nativa do Cerrado, além do desperdício de 144 mil litros por dia do Rio Melchior.
“É uma proposta que vai desperdiçar 144 mil litros de água por dia e ainda depositar esses efluentes da termelétrica de volta para o rio. E a outorga dada pela Adasa (Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal) foi dada com base em estudos de 2013. A Adasa não renovou os estudos e utilizou esses dados muito antigos, sem ter o conhecimento total do que existe de disponibilidade hídrica na região”, alertou.
Impactos na sociedade
Outro ponto levantado pela diretora-executiva da Arayara é que a obra demandaria a mudança da Escola Classe Guariroba, de Samambaia, que atende 500 alunos e que teria que ser realocada. “Essa escola já foi realocada uma vez e os estudantes ficaram dois anos estudando em um barracão improvisado da administração regional. Isso teve impacto nas notas. E agora que a escola está conseguindo retomar aos níveis de rendimento anteriores a essa mudança, essas crianças podem ser transferidas de novo? Os pais estão muito preocupados”, disse.
A ativista ambiental rebate o argumento econômico de geração de empregos. “Ela vai gerar 80 empregos, mas a maior parte deles são de engenheiro, então sequer vai beneficiar a região de Samambaia que já sofre racismo ambiental. Para a comunidade, inclusive, só vai piorar a poluição do Rio Melchior. A população já se manifestou contrária a instalação desse projeto”, declarou.
Outorga de uso de água
Questionada sobre a liberação do uso de água do Rio Melchior, a Adasa disse que a instalação da usina é uma iniciativa do Governo Federal e que os órgãos distritais, incluindo a Adasa, atuam exclusivamente dentro do escopo de suas atribuições técnicas e legais, sem adentrar na competência federal para decidir sobre a viabilidade ou conveniência do projeto da usina em si”.
“A atuação da Adasa se restringe à análise técnica da disponibilidade hídrica para fins de concessão de outorga de direito de uso da água, conforme previsto em sua competência legal e regulatória. E todo o processo de avaliação encontra-se devidamente fundamentado”, disse.
Sobre o estudo ser de 2013, a Agência alegou que “a informação de que a Adasa teria se baseado unicamente em estudos de 2012 para fundamentar a concessão da outorga é incorreta”.
“O documento base utilizado foi um plano de longo prazo realizado em 2012, que foi ratificado por outro estudo de 2019. Este plano encontra-se, inclusive, em processo de atualização, com previsão de conclusão e publicação até o final de 2025. Portanto, as vazões de referência para concessão de outorga são atualizadas a cada 6 anos e meio, em média, pela Adasa”, afirmou.
Audiência pública para avaliar proposta
O tema ia passar por uma audiência pública no fim de março deste ano, mas foi adiado pelo Ibama. Agora, por enquanto, o órgão não tem uma previsão de uma nova data para a audiência. Sobre o licenciamento em si, o órgão destacou que não foi expedido nenhum tipo de autorização.
“O projeto submetido a licenciamento ambiental junto ao Ibama descreve que a Usina Termelétrica Brasília terá capacidade instalada de 1.470 MW e utilizará gás natural como fonte de combustível. O projeto é composto por três turbinas a gás, três caldeiras de recuperação, uma turbina a vapor e um condensador resfriado a ar. A usina será instalada na Região Administrativa de Samambaia, com parte da linha de transmissão atravessando a Região Administrativa do Recanto das Emas. A transmissão da energia será feita por uma linha de 500 kV, com 6,29 km de extensão, conectando-se ao Sistema Interligado Nacional na Subestação Samambaia (Furnas)”, explica.
O Ibama reforça que o fornecimento de gás natural será realizado por um gasoduto de 200 metros que será conectado ao Gasoduto Brasil Central, que ainda está em fase de licenciamento ambiental.
“Projetos termelétricos podem causar impactos ambientais significativos, como emissões atmosféricas de gases poluentes e de efeito estufa, consumo intensivo de água, geração de resíduos e alterações na biodiversidade local. Além disso, os impactos socioeconômicos podem afetar as comunidades vizinhas, pela alteração na demanda por infraestrutura, pelo uso de recursos naturais ou pelos possíveis efeitos na saúde pública devido à qualidade do ar”, disse.
O órgão defendeu uma avaliação criteriosa do conteúdo do Estudo de Impacto Ambiental, “de maneira a verificar se o projeto tem viabilidade ambiental ou não”.
“Caso seja considerado viável e receba a Licença Ambiental Prévia (LP), o projeto deve ainda passar pelas etapas de Licença Ambiental de Instalação (LI), que autoriza a implantação do empreendimento, e de Licença Ambiental de Operação (LO), nos termos da Resolução Conama 237/97″, observa.
O Ibama explica que durante essas etapas, são exigidos rigorosas medidas de mitigação, por intermédio de planos e programas ambientais, além de possíveis condicionantes ambientais, incluindo o monitoramento contínuo das emissões atmosféricas, a gestão eficiente dos recursos hídricos, a implantação de tecnologias menos poluentes e programas de compensação ambiental.
“Atualmente, o projeto da Usina Termelétrica Brasília não possui nenhuma licença ambiental emitida pelo Ibama que estabeleça sua viabilidade ambiental ou permita sua instalação. O processo segue em avaliação pela equipe técnica multidisciplinar da Diretoria de Licenciamento Ambiental, composta por engenheiros, arquitetos, biólogos, geógrafos, especialistas em recursos hídricos, entre outros profissionais. A decisão sobre a concessão da Licença Prévia caberá à presidência do Ibama, após a conclusão da análise técnica”, finalizou.
Fique por dentro das principais notícias do dia no Brasil e no mundo. Siga o canal do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp
