Instalação de CPI para investigar saúde pública do DF não será imediata
Outros três pedidos de CPI estão na fila; comissão sobre a saúde passaria na frente se tivesse assinatura da maioria dos distritais
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília
O requerimento de deputados distritais para instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o serviço público de saúde do Distrito Federal alcançou nesta quarta-feira (29) as oito assinaturas necessárias para ser protocolado, mas o regimento da Câmara Legislativa do DF não permite a instauração imediata do colegiado para apurar as ações da Secretaria de Saúde e do Iges (instituto de Gestão Estratégica), que é responsável pela administração de três hospitais públicos e 13 UPAs (unidades de pronto atendimento) no DF.
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O requerimento entra em uma fila que já tem outros três pedidos de CPIs aguardando para ser implementadas: uma para investigar fraudes na arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no Distrito Federal, outra para investigar a poluição do Rio Melchior e uma terceira para abordar a violência contra a mulher.
O presidente da CLDF, Wellington Luiz (MDB), explicou ao R7 que, conforme o regimento, nenhuma pedido de CPI pode passar na frente de outro. “Essas três já foram protocoladas. Uma não pode passar na frente da outra, a não ser que alguma delas alcancem 13 assinaturas [o que representa a maioria dos parlamentares da Câmara, que tem 24 deputados]”, explica.
A Casa também pode ter em andamento apenas duas CPIs por vez. “Então, é necessário que as duas primeiras CPIs sejam instaladas ou que os seus proponentes desistam para que a fila ande. Nesse momento, as duas primeiras CPIs [do ICMS e do Rio Melchior] é que estão em condições de serem instaladas”, explica o presidente da CLDF.
O requerimento pedindo a CPI da Saúde foi assinado pelos deputados Fábio Felix (PSOL), Gabriel Magno (PT), Max Maciel (PSOL), Dayse Amarilio (PSB), Chico Vigilante (PT), Ricardo Vale (PT), Jorge Vianna (PSD) e Paula Belmonte (Cidadania).
‘Instalação urgente’
Autor do pedido, Fábio Felix destacou que mais casos e denúncias estão surgindo nas últimas semanas sobre supostas negligências nas UPAs e hospitais da rede pública. “Falta de atendimento, violência obstétrica e mais denúncias, o que mostra cada vez mais urgente a instalação da CPI. A gente espera que na semana que vem, depois da leitura, o presidente da Câmara e a Mesa Diretora possam tomar todas as providências para instalação imediata da CPI”, disse o distrital.
A reportagem questionou a Secretaria de Saúde sobre a CPI, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno. Em notas anteriores e em coletiva de imprensa sobre as mortes de crianças no DF, a secretária de Saúde, Lucilene Florêncio, e o diretor-presidente do Iges, Juracy Cavalcante, lamentaram os fatos, mas negaram a existência de uma crise na saúde pública.
Lucilene informou na ocasião que o DF tem um déficit de 158 pediatras, sendo os hospitais com maior dificuldade os de Ceilândia, Planaltina, Sobradinho e Taguatinga. Segundo a titular da pasta, há pouco interesse dos profissionais a assumirem determinados cargos na rede pública.
A secretária afirmou que há a expectativa de o governo contratar mais pediatras, mas pontuou que o desinteresse da categoria é um empecilho. “Foram feitos dois concursos, mas temos em todo o Brasil uma dificuldade de provimento. O pediatra geral, que atende na porta de pronto-socorro, é um profissional de difícil provimento. Fizemos um chamamento de 73 profissionais, mas apenas 13 tomaram posse”, relatou.
A secretária destacou as ações já realizadas. Segundo ela, desde 2022 foram abertos 103 leitos de UTI (unidade de terapia intensiva). Atualmente, de acordo com Lucilene, a rede conta com 117 leitos pediátricos, 98 leitos de UTI neonatal e quase 300 leitos de UTI adulto.
Morte de crianças
Os casos são investigados por suposta negligência pela Polícia Civil. Em um dos casos, Enzo Gabriel, de 1 ano, esperou por quase 12 horas pela chegada de uma ambulância que o levaria para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Relembre os casos:
• 14 de abril: os pais de Jasminy Cristina de Paula Santos, 1 ano, tentaram atendimento pelo Samu após ela passar mal, mas não havia ambulância para atender a bebê. Em mais uma tentativa, os pais levaram a criança até a UPA do Recanto das Emas no mesmo dia. A menina recebeu classificação laranja, mas a unidade só atendia pacientes com classificação vermelha. A bebê passou o dia na UPA, mas à noite teve piora no quadro, com febre e baixa saturação. Uma médica chegou a pedir a internação da criança na ala pediátrica, mas Jasminy não resistiu e morreu na unidade. O caso é investigado Polícia Civil.
• 15 de abril: os pais de Anna Julia Galvão, 8 anos, procuraram atendimento médico para a criança após ela apresentar tosse, dor nas costas, febre e dificuldade para respirar. A menina chegou por volta das 18h na UBS 7 da Ceilândia, mas foi atendida apenas às 3h da manhã do dia seguinte. Os médicos pediram exames para a menina, mas Anna Julia teve piora no quadro e os pais a levaram para a UBS 1 de Ceilândia. Ela foi atendida às 2h da manhã do dia 17, com pedido de outros exames. No entanto, o quadro de Anna Julia piorou uma segunda vez, e ela foi encaminhada ao HMIB (Hospital Materno Infantil de Brasília). Ela chegou ao hospital em estado gravíssimo. A equipe médica tentou entubá-la, mas ela morreu. O caso é investigado Polícia Civil.
• 27 de abril: um bebê morreu após a mãe ter que esperar 14h para realizar o parto no Hospital Regional de Sobradinho. Segundo a mãe, Margarete dos Santos, ela teria chegado ao hospital por volta de 1h30 da manhã, e a equipe médica disse que não havia dilatação suficiente. Ela afirma que os médicos tentaram induzir o parto, que só aconteceu às 15h. A mãe diz que durante a espera solicitou um parto cesárea, mas o pedido foi negado. Os pais foram informados de que o bebê nasceu com o cordão umbilical enrolado em duas voltas no pescoço e que ele teria defecado dentro da barriga da mãe, dando início ao processo de sofrimento fetal. O caso é investigado Polícia Civil.
• 14 de maio: a família de Enzo Gabriel, 1 ano, o levou à UBS de Taguatinga após o menino apresentar dificuldade para respirar. Com estado grave de saúde, Enzo Gabriel foi transferido para a UPA do Recanto das Emas. De lá, o menino seria levado para uma UTI no HMIB. Contudo, o bebê morreu enquanto aguardava o transporte, que demorou mais de 12 horas para chegar à UPA. Enzo Gabriel havia sido diagnosticado com dengue aguda, pneumonia com derrame pleural (acúmulo de líquido entre os tecidos que revestem os pulmões e o tórax) e estava entubado enquanto aguardava a transferência. O caso é investigado Polícia Civil.
• 14/15 de maio: Uma mulher de 27 anos buscou atendimento no Hospital Regional de Santa Maria sentindo fortes contrações no dia 14 deste mês, relatando rompimento do tampão, mas foi orientada a retornar para casa. Ela voltou ao hospital no dia seguinte e uma enfermeira constatou que não havia batimentos cardíacos no feto.
• 21 de maio: a bebê Aurora, de 3 dias de vida, morreu devido a complicações no parto. A mãe, Isadora Cristina de Souza Saeta, depois de tentativas dos médicos de induzir o parto por mais de 24h, passou por uma cirurgia cesárea de emergência e a bebê nasceu sem batimentos cardíacos. Aurora passou por reanimação e chegou a ser internada por três dias, mas não resistiu às complicações. O caso é investigado Polícia Civil.