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Por dia, 15 pedestres morrem no trânsito; número equivale à queda de um avião lotado ao mês

Dados levantados pelo R7 apontam a importância de ações para diminuir o número de vidas perdidas no trânsito

Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília

Por mês é como se um avião boeing caísse no Brasil Renato Araújo/Agência Brasília/Renato Araújo/Agência Brasília

O Brasil registra uma média de 15 mortes de pedestres no trânsito por dia, número que em um mês equivale à queda de um avião Boeing 747 com a perda de todos os passageiros: 450 pessoas. Os dados são de levantamento exclusivo feito pelo R7 com o Ministério da Saúde.

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Entre 2014 e 2023 (números ainda preliminares), foram 60,8 mil mortes de pedestres no trânsito. As maiores vítimas foram pessoas entre 50 a 59 anos, com pouco mais de 10 mil mortes.

Nesse intervalo, contudo, a quantidade de ocorrências fatais com pedestres no país caiu 30%. Até o fim da década, a ONU (Organização das Nações Unidas) espera que as mortes no trânsito em todo o mundo diminuam 50% em relação à década passada (2011 a 2020).

Mortes de Pedestres no Trânsito entre 2014 e 2023 Luce Costa/Arte R

O Ministério da Saúde reconhece as lesões de trânsito como “um grave problema de saúde pública global, gerando elevada demanda por atendimentos e internações, especialmente em UTIs”.


Segundo especialistas, é necessário atuar em diversas frentes para conseguir reduzir o número de acidentes fatais.

Para o professor de medicina legal da UnB (Universidade de Brasília) e ex-diretor do IML (Instituto Médico Legal), Malthus Galvão, é necessário um olhar duplo voltado para os motoristas e para os pedestres.


A gente não tem, por exemplo, uma estatística para dizer quem são os culpados efetivos de serem atropelados. E é necessário entender que existe uma parcela de culpa que é de alguns pedestres. Muitas vezes, nem faixa de pedestre nem a passarela são próximas, mas outras vezes há uma atitude imprudente, em que o pedestre se arrisca no meio dos carros. E pelo lado dos motoristas, falta atenção, há o uso de celular e também o abuso de álcool e outras drogas

(Malthus Galvão, professor de medicina legal da UnB)

Para Galvão, seria necessário um diagnóstico dos principais motivos que levam aos acidentes fatais. Isso é fundamental na construção de ações concretas voltadas diretamente para esses problemas.

“Por isso, precisamos pensar também no aspecto da engenharia de trânsito, pensar em soluções que não expõem o pedestre a risco. Devemos lembrar que o pedestre é o mais vulnerável em relação a qualquer outro veículo. E mesmo quando o acidente não é fatal, ele pode deixar lesões graves e incapacitantes”, diz.


Mortes de Pedestres por faixa etária Luce Costa/Arete

O professor defende, no entanto, que a imprudência deve ser combatida. Por exemplo, basta ao pedestre andar 20 metros para chegar a um semáforo ou a uma faixa, em vez de se arriscar em uma travessia sem segurança.

“Por isso, a engenharia de trânsito precisa pensar em soluções melhores, eficazes e com abordagens educativas. E claro, sempre deixar o alerta: o pedestre é quem mais sofre dano em atropelamento, ou seja, ele precisa ter consciência disso para não se arriscar”, pontua.

Redução de velocidade

Para o secretário executivo do MDT (Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos), Wesley Ferro Nogueira, o Brasil pode ter dificuldade de alcançar as metas da ONU (de redução pela metade dos mortos e feridos) porque é preciso investir em vários aspectos. Um deles é a redução da velocidade.

“A vida é incompatível com a velocidade praticada principalmente em áreas urbanas e centrais das cidades”, observa.

A chamada curva de Ashton, por exemplo, avalia a relação do aumento da velocidade com a mortalidade dos sinistros de trânsito. Ela aponta que quando um carro está a 30 km/h, quase todos os atropelados sobrevivem. Mas quando o veículo ultrapassa 60 km/h, quase todos morrem.

Nogueira analisa que reduzir a velocidade nem sempre tem um impacto significativo no tempo de viagem do motorista, mas pode aumentar consideravelmente a chance de sobrevivência de uma vítima de sinistro de trânsito.

“É preciso investir em medidas que chamamos de acalmamento de tráfego, principalmente nos locais com maior incidência e risco de colisões. Também é necessário estabelecer processos de travessia segura, com respeito às faixas, e reforço do processo de fiscalização”, afirma.

O especialista defende também o incentivo a outros meios de transporte.

Se você fortalece o transporte público e os modais ativos, você contribui para a redução de sinistros, melhora a qualidade do ar, com menos emissão de gás carbônico, e gera menos veículos nas vias e menos riscos de colisão. No país como um todo, precisamos ter o pensamento de visão zero: em que nenhuma morte é aceitável no trânsito

(secretário executivo do MDT, Wesley Ferro Nogueira)

O secretário executivo do MDT reforça, ainda, que as fábricas de veículos também podem contribuir. Isso porque há uma tendência da indústria do setor de investir cada vez mais em veículos pesados, com frotas de carros cada vez maiores. Assim, haveria um risco maior para pedestres e motociclistas.

“Essa tendência é um perigo para a segurança viária, porque veículos de grande proporção, com altura excessiva, podem causar mais danos às vítimas. Estamos investindo cada vez mais em veículos com alta tecnologia, com preocupações para quem está na direção, mas esquecendo que também precisamos pensar em quem está fora do veículo”, defende.

Educar os pedestres

Na avaliação do especialista em trânsito Wellington Matos, é preciso mudar as perspectivas da educação de trânsito. Um exemplo: o brasileiro só tem contato com o trânsito quando vai tirar habilitação, ou seja, com pelo menos 18 anos.

“O certo seria ele ter contato pelo menos com algumas áreas desde cedo, porque o pedestre faz parte do trânsito: quando ele está caminhando, quando está de passageiro, ciclista, no patinete ou no skate, ele sempre está lidando com questões do trânsito”, afirma.

Mortes por estado Luce Costa/ Arte

Matos pondera que o pedestre tem direito e deveres, mas normalmente eles conhecem alguns direitos e quase nenhum dever. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, o pedestre que estiver a até 50 metros de uma passarela, passagem subterrânea ou faixa de pedestre, deve usar o recurso.

“É importante que o pedestre tenha esse tipo de conhecimento e entenda também sobre sinalização, como se atravessa uma rua e vários aspectos da mobilidade. Tem pedestre que atravessa a rua em diagonal, sendo que quanto mais tempo ele fica na faixa de rolamento, maior o risco de ser atropelado”, exemplifica.

“Se o condutor [habilitado] que recebeu o treinamento teórico e foi testado por examinadores cometem tantos erros, imagina o pedestre que nunca recebeu nenhuma orientação”, completa.

O especialista acrescenta, por exemplo, que o pedestre muitas vezes desconhece o lado que o ciclista anda ou, quando está com bicicleta, não usa os equipamentos adequados de segurança.

O pedestre precisa conhecer essas regras. Ele precisava ter aulas na escola, na base, desde o início, sobre questões de trânsito, focado nos direitos e deveres do pedestre, que é a posição em que ele sempre está antes de fazer 18 anos. Não adianta o governo criar áreas para ciclista, ciclovia e ciclofaixa, se a pessoa não saber como usar

(especialista em trânsito, Wellington Matos)

Além da velocidade

Matos também diz que o próprio condutor precisa ter essas noções.

“O condutor conduz o veículo, que ele foi teoricamente treinado para isso, mas quando ele desce, vira pedestre. A questão é que se esquece das regras de trânsito. Se você é pedestre, por exemplo, você quer dar o sinal de vida e quer que todos os carros parem para você atravessar. Mas quando você está como condutor, você odeia quando tem um pedestre fazendo sinal, porque vai te atrasar”, explica.

Por isso, para o especialista a solução ultrapassa quesitos apenas de velocidade.

“Se você tem uma via de 80 km/h, o pedestre pensa duas vezes antes de atravessar, mas quando a via é de 60 km/h, a coragem dele é maior. E se for uma via de 40 km/h, a coragem é maior ainda. Ou seja, ele pode se arriscar mais em vias com velocidade reduzida. E o problema é que a 65 km/h, em média, 85% dos pedestres atropelados vão a óbito. Ou seja, para a grande maioria essa é uma velocidade baixíssima, mas mesmo assim resulta em morte”, alerta.

O que está sendo feito?

Questionado sobre o tema, o Ministério dos Transportes disse que realiza diversas ações de forma integrada. As principais condutas são:

  • Adequação da infraestrutura viária, como aprimoramento e ampliação das faixas de pedestres e das travessias elevadas para transposição de vias (conhecidas como passarelas), melhoria da iluminação pública nas áreas urbanas e nas proximidades das vias, entre outras medidas;
  • Gestão da velocidade em locais críticos de alta sinistralidade e circulação de pedestres, com implementação de lombadas físicas e eletrônicas e instauração de zonas cuja velocidade máxima é reduzida à 20 ou 30 km/h (medidas conhecidas para acalmamento do trânsito);
  • Campanhas educativas para fomentar a educação para o trânsito, a adoção de comportamentos mais seguros e a conscientização dos usuários das vias;
  • Operações de fiscalização, que contam com a utilização de tecnologia e inovação para monitoramento e controle de tráfego, bem como sistemas inteligentes de fiscalização eletrônica para autuação efetivas das infrações;
  • Atuação coordenada e sinérgica de órgãos e entidades das esferas federal, estadual e municipal, e de instituições privadas, visando a realização de uma gestão integrada e mais robusta da segurança viária”.

A pasta reforça que todas as atividades citadas estão alinhadas com o Pnatrans (Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito), que prevê a redução de 50% da mortes até 2030, além do desenvolvimento de diretrizes estratégicas pelos órgãos de trânsito.

O ministério disse também que a redução de mortes entre 2014 e 2023 foi fruto da série de ações do governo. E que o intuito é intensificar o que já está sendo realizado, “com enfoque na preservação da vida e na segurança viária”.

“Sabemos que o desafio ainda é grande, mas acreditamos que utilizando o Pnatrans como a principal política pública balizadora em prol da segurança no trânsito, o objetivo de reduzir o número de mortes e lesões no trânsito se torna factível”, destaca o Ministério dos Transportes.

Em nota, a pasta acrescentou não poder admitir “que vidas continuem sendo perdidas nos sinistros”.

“Portanto, é essencial que este trabalho seja mantido de forma séria, contínua e eficaz, pois nenhuma morte no trânsito é aceitável. Assumimos que a principal prioridade é a vida humana, sempre, e reduzir as mortes no trânsito exige compromisso político, recursos financeiros adequados, aplicação de tecnologia, fiscalização eficaz e, acima de tudo, a participação ativa de todos os responsáveis, incluindo a sociedade, pois cada ação conta e a responsabilidade é compartilhada entre todos.”

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