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Comissão da Verdade: É 'provável e possível' que JK tenha sido morto

Relatório será divulgado hoje e reacende debate sobre suposto assassinato

Minas Gerais|Daniel Camargos, Do R7

O motivo da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 22 de agosto de 1976, tem uma nova versão, dessa vez da Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg). O relatório final não descarta um atentado dos militares que comandavam a ditadura que governava o Brasil contra o político nascido em Diamantina.

“Quanto mais se conhece sobre a ditadura militar e se desvenda violações de direitos humanos, maiores são as dúvidas sobre as circunstâncias das mortes e desaparecimentos de resistentes durante esse período”, afirma o relatório - no primeiro dos cinco volumes, que totalizam 1.781 páginas - ao concluir a investigação sobre a morte de JK. 

A morte do ex-presidente entrou para a história como um acidente automobilístico. O Chevrolet Opala dirigido pelo motorista de JK, Geraldo Ribeiro, teria sido fechado por um ônibus da Viação Cometa, perdido o controle, atravessado a pista - no KM165 da Rodovia Presidente Dutra, próxima a Resende (RJ) - e sido atingido por uma carreta Scania.

De acordo com o relatório da Covemg, com as pesquisas e investigações realizadas até hoje “permanecem controversas e pouco claras” as circunstâncias da morte de JK e de seu motorista. 


“Considerando o contexto da época, as distintas contradições das avaliações periciais, os depoimentos e pareceres jurídicos pode-se afirmar que é plausível, provável e possível que as mortes tenham ocorrido devido a atentado político”, conclui o relatório da Covemg.

O relatório final elaborado pela Covemg será apresentado nesta quarta-feira (13) primeiro em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, às 9h30 e depois, às 16h30, em cerimônia no Palácio da Liberdade.


Membro da Covemg, Carlos Antônio Melgaço, explica que a comissão levou em conta todas as investigações realizadas pelas diferentes comissões da verdade (a nacional e do estado e capital de São Paulo). Porém, Melgaço, entende que para chegar a conclusão definitiva os arquivos das Forças Armadas precisam ser totalmente liberados.

—Os primeiros a chegarem ao local do acidente foram militares da Academia Militar de Agulhas Negras.


Acidente ocorreu no quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ)
Acidente ocorreu no quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ)

Outras comissões

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluiu, em abril de 2014, que a morte de JK foi realmente provocada por um acidente automobilístico. A principal suspeita era um fragmento metálico encontrado na cabeça do motorista Geraldo Ribeiro, em exumação feita em 1996. O objeto levantou suspeita que o motorista poderia ter levado um tiro enquanto dirigia. Porém, perícia no fragmento concluiu que era um cravo metálico usado para fixar o revestimento do caixão.

Cinco meses antes, em dezembro de 2013, a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo concluiu, com base em depoimentos, que a morte foi provocada por conspiração, complô e atentado político.

Em novembro de 2014, outra comissão da verdade, dessa vez a Comissão Estadual da Verdade de São Paulo (CEV-SP), cravou que a morte de JK foi um atentado, contradizendo a CNV. A CEV-SP levou em conta ameaças de morte sofridas pelo ex-presidente, alteração do veículo e não preservação do local do acidente para perícia.

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O relatório preparado por 20 professores e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Mackenzie critica a CNV: “A investigação da Comissão Nacional da Verdade sobre o caso JK é de baixa qualidade técnica, em razão do que ignora, em razão do que escolhe arbitrariamente analisar e em razão do que escolhe arbitrariamente concluir”.

A Covemg aponta no relatório oito questões que podem levar a acreditar que foi um atentado. São elas:

(1) não foi feita a interdição da pista na Dutra após o acidente;

(2) foi realizado exame toxicológico do corpo de Juscelino, mas não do condutor do opala dirigido por Geraldo Ribeiro;

(3) os laudos inicial e complementar possuem fotos traseiras do opala sem avarias no dia do acidente e diferentes no dia seguinte

(4) o laudo de vistoria e de identidade de tinta do ônibus e do opala e o parecer técnico do Centro de Tecnologia e Transporte são contraditórios: um afirma que a composição das tintas era a mesma, enquanto o outro mostra que as afirmações do laudo anterior necessitariam de outras técnicas de investigação e que seria impossível comprovar a identidade entre as duas amostras de tinta;

(5) o certificado de análise de tinta juntado ao laudo só contém a assinatura da engenheira-chefe e não é assinado pelos peritos, o que poderia ser rejeitado de acordo com o Código de Processo Penal;

(6) a perícia do opala, realizada em 1996 para avaliação de explosão e/ ou sabotagem, foi feita em veículo com chassi diferente do opala de 1976;

(7) em processo judicial, o motorista Josias foi absolvido na sentença, sendo “presumida sua inocência devido a provas deficientes, incompletas ou contraditórias que deixaram margem à dúvida, já que não houve como afirmar de forma irrefutável falha do motorista do ônibus diante dos depoimentos e documentos apresentados”. Foi negado o recurso de apelação contra a sentença e mantida a absolvição;

(8) parecer técnico do Instituto Mineiro de Perícias que analisou os distintos laudos e documentos indicados em trabalhos das três comissões da verdade. A Comissão da Verdade em Minas Gerais conclui que a perícia não apontou “elementos de provas insofismáveis”.

JK formou junto com João Goulart e Carlos Lacerda a Frente Ampla
JK formou junto com João Goulart e Carlos Lacerda a Frente Ampla

Contexto histórico

Carlos Antônio Melgaço, membro da Covemg, destaca que o episódio deve ser analisado dentro do contexto histórico. Além de JK, que morreu em agosto de 1976, outras mortes de opositores à ditadura ocorrem em datas próximas. João Goulart morreu em dezembro do mesmo ano e Carlos Lacerda em maio de 1977, os três que propuseram a Frente Ampla, que pedia o retorno da democracia e das eleições.

JK presidiu o Brasil entre 1956 e 1961 e, na sequência, foi eleito senador de Goiás, mas com golpe militar, em 1964, teve seu mandato de senador cassado e os direitos políticos suspensos por 10 anos. Exilou-se na Europa e nos Estados Unidos e, em 1966, formou com seu antigo rival Carlos Lacerda e com o ex-presidente João Goulart a Frente Ampla. Voltou ao país em abril de 1967, mas com a decretação do AI-5, em 1968, chegou a ser preso por 10 dias e depois em prisão domiciliar por um mês.

Outra morte no mesmo período foi de Zuzu Angel, mãe do militante Stuart Angel, que foi assassinado pelos militares. A estilista morreu em abril de 1976, também em um suspeito acidente automobilístico. Na América Latina, destaca-se ainda a morte do o ex-ministro de Salvador Allende, no Chile, Orlando Letelier (1976). 

“Qual seria a probabilidade real de tantas mortes de lideranças no Brasil e outros países acontecerem em tão curto espaço de tempo? Obra do acaso?”, questiona o relatório da Covemg.

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