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R7 Entrevista

‘Vivemos a era de ouro das escritoras policiais’, diz britânica que explodiu com crimes sobre ‘incels’ e a sordidez das redes

Cara Hunter participa de mesa-redonda na Bienal do Livro do Rio nesta quinta-feira (19) ao lado do escritor Raphael Montes

Entrevista|Vivian Masutti*

A escritora britânica Cara Hunter, publicada em mais de 20 países Divulgação

Para a escritora britânica Cara Hunter, não existe crime perfeito. Ou melhor: até pode haver, mas ela ainda não conseguiu extrair essa informação do “brilhante” perito forense que a ajuda a escrever seus romances policiais.

Afinal, a fórmula é perigosa, diz. E foi tentando decifrá-la que Cara se tornou um fenômeno de vendas no Reino Unido - e sucesso também no Brasil.

“Acho que vou ter que embebedá-lo”, brincou ela, em uma chamada de vídeo com o R7, alguns dias antes de embarcar para o Rio, onde participa nesta quinta-feira (19) de uma mesa-redonda com o escritor Raphael Montes. Este, por sua vez, o principal nome da literatura de suspense nacional.

Autora do best-seller Onde Está Daisy Mason?, publicado no Brasil pela editora Trama, Cara já foi traduzida para mais de 20 países, mas gosta mesmo é de quando seu romance agrada a detetives e policiais.


“Quero acertar todos os detalhes”, conta ela. Fiel ao leitor acima de tudo, a britânica falou ainda sobre o que seu público jamais encontrará em seus livros: “Colocar o assassino pela primeira vez na história na página 400 é uma trapaça! O leitor deve sempre ter a chance de resolver o mistério. Você não quer que ele faça isso rápido demais, mas ele não deve se sentir enganado no final”.

Confira a entrevista:

R7 Entrevista - Na Bienal, você vai participar [nesta quinta-feira, dia 19] de uma mesa-redonda com o Raphael Montes, né? Gostaria de saber o que você sabe sobre literatura brasileira.


Cara Hunter - Ele é um escritor muito popular no Brasil, né? Estou impressionada, ele tem milhares e milhares de seguidores no Instagram. Então, estou lendo Dias Felizes [de 2014] agora, que é o único livro dele traduzido para o inglês. Já ​​estive na Argentina e no Chile, mas não no Brasil. Será uma grande aventura e estou realmente ansiosa.

R7 - Você tem muito sucesso no gênero policial, mas sabemos que esse é um filão da literatura considerado por muitos como menor ou menos sérios. Como você avalia isso?


Cara - Não concordo. Acho que esse gênero é uma ótima maneira de abordar questões sociais. É divertido porque as pessoas gostam do processo de ler e tentar descobrir o que aconteceu. Todo mundo adora um mistério. Mas você também pode explorar questões sociais bastante difíceis nesse tipo de livro, como eu tentei fazer no meu primeiro romance, Onde Está Daisy Mason?.

As redes sociais são obviamente fantásticas, porque as pessoas podem se conectar com o mundo como nunca antes puderam, mas também são potencialmente perigosas. Então, esse é o exemplo. Em livros posteriores eu também abordei outras questões sociais, como o movimento incel [junção das palavras celibatário involuntário em inglês].

Não sei se vocês estão familiarizados com isso. São grupos de ódio online, particularmente envolvendo homens agressivos com mulheres. Então, eu abordo isso em um livro posterior porque acho que esse é o tipo de questão que as pessoas deveriam conhecer.

R7 - Sim, aqui no Brasil nós tivemos um debate recente sobre esse assunto, por conta do sucesso da série inglesa Adolescência.

Cara - Quando escrevi sobre isso, não era muito conhecido, mas se tornou ainda mais depois. As pessoas não conseguem resolver problemas que não conhecem. Então, é sobre conscientização. Acho que um bom livro de suspense pode fazer muitas coisas e pode ser muito sério, além de divertido.

Acho que um bom livro de suspense pode fazer muitas coisas e pode ser muito sério, além de divertido

(Cara Hunter)

R7 - Você estudou em Oxford. De que forma suas referências acadêmicas impactaram você como escritora?

Cara - É uma boa pergunta. Algumas pessoas que estudam literatura escrita por grandes escritores têm medo de tentar, porque acham que nunca serão tão boas. E eu entendo isso. Mas estudar literatura ajuda a entender a mecânica de um livro. Como você monta um enredo? Como você cria suspense? Como você mantém o ritmo para que o leitor queira continuar lendo? Como você cria o personagem? Como você cria o cenário? Como um local se torna um personagem também?

Pense em um escritor inglês famoso, como Charles Dickens [1812-1870], de quem a maioria das pessoas já ouviu falar. Londres se torna uma personagem nos livros dele. Então, acho que você pode aprender muito com o trabalho de escritores do passado. E aí você absorve isso e aplica na sua própria escrita. Nem sempre é algo consciente, às vezes é algo mental. Mas acho que aprendi muito sobre a arte da escrita estudando.

R7 - Ele é sua principal referência? E Agatha Christie [1890-1976]? Ou James Joyce [1882-1941]?

Cara - Bem, quando eu era pequena, meu livro favorito era O Senhor dos Anéis [escrito entre 1947 e 1949]. Então, eu era uma grande fã [do escritor africano/britânico J. R. R. Tolkien, 1892-1973] quando tinha 12 anos.

Esse ainda é meu livro favorito, embora eu não leia fantasia agora. Adoro Dickens, como eu disse, os clássicos. Quanto a crimes, sim, aprendi muito lendo Agatha Christie.

Li os livros dela quando era adolescente. E ela também é uma professora maravilhosa. Você aprende muito sobre crimes. Principalmente como esconder o assassino. Ela é muito boa em escondê-los até a última página. Mas também adoro muitos escritores contemporâneos. Shari Lapena, que é uma canadense. Adoro os livros dela. São livros de suspense mais domésticos.

Estou particularmente animada por haver tantas escritoras agora, escrevendo livros policiais. Uma era de ouro para as escritoras no gênero policial. É sempre bom ver que as mulheres estão assumindo o controle.

R7 - Li uma entrevista sua na qual você dizia que era muito importante que o assassino estivesse sempre na trama, para que o leitor não se sentisse traído por um recurso ao estilo Deus ex-machina, quando um personagem surge do nada assumindo a autoria do crime.

Cara - Como você diz, no antigo teatro romano, eles resolviam seus enredos literalmente trazendo um deus. Um deus chegava e decidia como a trama terminaria. Então era uma espécie de mágica. E algumas pessoas ainda fazem isso nos livros. Você vê o assassino chegando na página 400. Acho que isso é uma trapaça. O leitor deve sempre ter a chance de resolver o mistério. Você não quer que ele faça isso rápido demais, mas ele não deve se sentir enganado no final. Ele deve ficar realmente surpreso com a sua reviravolta, mas não enganado por ela. Assim, não vai achar que você pregou uma peça nele. Isso é muito importante para mim, porque é o contrato que você tem com o leitor.

O leitor deve sempre ter a chance de resolver o mistério. Você não quer que ele faça isso rápido demais, mas ele não deve se sentir enganado no final

R7 - Como foi sua trajetória após estudar literatura?

Cara - Entrei para finanças [risos]. Fiz isso por um bom tempo e então tive a oportunidade de ir para as relações públicas. Foi aí que comecei a trabalhar com palavras novamente e adorei. Eu me diverti muito. Trabalhei para a Diageo, que é uma grande empresa de bebidas, depois fui para o Yahoo e aí me tornei freelancer. Então, estava trabalhando para mim mesma e escrevendo para as empresas, que eram minhas clientes.

Foi um ótimo treinamento porque, se você escreve para clientes, precisa cumprir suas promessas. Você não pode perder muito tempo se torturando com o que está fazendo porque tem um prazo. Então, adquire a disciplina de ser um escritor profissional. Quando comecei a pensar em escrever criativamente, usei a mesma disciplina. Meus editores gostam de mim porque entrego meu trabalho no prazo.

R7 - Tem um livro do escritor japonês [Haruki] Murakami que se chama Do que Eu Falo Quando Falo de Corrida [2007]. E ele, que é maratonista, fala sobre isso, sobre como usou a disciplina dele para correr para escrever seus livros. Ele costumava correr no início do dia, chegar em casa e escrever, sempre na mesma hora. Você é assim também?

Cara - Eu preciso da minha energia, então, escrevo de manhã. Mas não tenho uma meta de palavras. Só na época da pandemia eu fiz isso. Normalmente, faço o que posso. Vou até umas 14h, no máximo. Depois disso, eu canso e fica uma porcaria.

R7 - Quando foi o momento em que você percebeu que poderia viver disso?

Cara - Acho que depois que meu primeiro livro foi publicado no Reino Unido. Daisy Mason fez muito sucesso. Foi escolhido por um clube do livro muito famoso e, para alguém que estava começando, vendeu muito.

Depois, quando já tinha dois livros e comecei a escrever o terceiro, percebi que poderia me sustentar com isso. Antes, eu ainda estava com meu trabalho de redatora, fazendo malabarismos. É um verdadeiro privilégio poder ganhar a vida fazendo isso como trabalho. Nunca me esqueço da sorte que tive...

R7 - E quando você percebeu que era famosa? Alguém já a reconheceu no supermercado?

Cara - [Risos] Só aconteceu uma vez. Foi legal, mas foi uma surpresa. Não acho que sou tão famosa. Mas os leitores brasileiros são muito gentis quando falo com eles no Instagram. São afetuosos, apaixonados e realmente se envolvem com os livros.

Estou muito ansiosa para conhecer as pessoas e a Bienal, que me parece um evento incrível. Vi todas as fotos no Instagram, de como tudo está sendo construído e como é por dentro. Esse escape room [uma das apostas desta edição] me parece incrível.

R7 - O Hercule Poirot [detetiva famoso criado por Agatha Christie] foi sua inspiração para criar o Alan Fawley?

Cara - Não exatamente. O Adam é sexy, né? [Poirot está longe disso]. Tem um detetive de TV famoso na Inglaterra chamado Inspetor Morse. E as histórias dele são todas ambientadas em Oxford, assim como os livros da série Fawley. Ele é a pessoa em quem eu me inspiro até certo ponto, mas não totalmente. O Adam é bem diferente dele na medida em que é um homem de família.

E outra coisa sobre detetives de TV: eles sempre têm vidas pessoais muito infelizes. Não sei por que, mas têm. Com o Adam, eu não queria isso. Ele teve uma tragédia no passado, mas eu queria que ele tivesse um casamento feliz, porque é tão raro.

R7 - Li uma entrevista sua em que você afirma ficar feliz quando os policiais gostam dos seus romances ou algo assim.

Cara - Sim, definitivamente. Quero que eles sejam o mais precisos possível. Mas você só pode fazer isso até certo ponto, porque o problema de uma investigação policial é que boa parte dela é muito chata. Prolonga-se por muito tempo e há muitos detalhes. Você não quer isso em um livro. Mas quero que os detalhes sejam corretos. Então, a maneira como a investigação é conduzida, como os suspeitos interrogados, como as testemunhas são trazidas. Todos esses detalhes eu quero acertar.

Tenho um amigo policial que me ajuda a fazer isso. Ele garante que esteja tudo certo. E tenho um perito forense que faz o mesmo, e ele é fantástico. É bem assustador, mas é fantástico [risos]. Receber um feedback da polícia de que meus livros são verdadeiros me deixa muito feliz.

R7 - Então, esses caras são seus CSIs?

Cara - Sim! Mas você tem que ter cuidado com as perguntas que faz a eles, porque algumas das respostas podem ser bem assustadoras. Eu continuo perguntando como cometer o assassinato perfeito e ele [o perito forense] não me diz. Deve ser perigoso. Vou ter que embebedá-lo [risos].

R7 - Quais seus próximos projetos?

Cara - No Brasil, teremos mais uma história do Adam Fawley, porque ainda não chegamos ao fim. E também tem uma continuação [spin-off] de Daisy Mason. Também estou escrevendo outro independente. Tipo um assassinato em família. Acho que vai ser divertido. E estou muito animada com a reação dos leitores brasileiros a esse livro, porque é muito diferente.

*A jornalista viaja à convite da Bienal do Rio

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