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Argentina quer a resposta: onde está Santiago Maldonado?

Milhares vão às ruas protestar contra desaparecimento de militante

Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7

Artesão se tornou o primeiro desaparecido forçado no governo de Mauricio Macri
Artesão se tornou o primeiro desaparecido forçado no governo de Mauricio Macri Artesão se tornou o primeiro desaparecido forçado no governo de Mauricio Macri

Desde o último 1º de agosto, a Argentina busca por respostas a respeito de Santiago Maldonado — artesão de 28 anos que se tornou o primeiro desaparecido forçado no governo de Mauricio Macri. Quando sumiu, o jovem participava de uma manifestação dos mapuches — povo indígena da região centro-sul do Chile e da Argentina —, que reivindicam 500 hectares de terras na região de Esquel, na província de Chubut, ao sul argentino. O protesto foi alvo de repressão policial e, da última vez que Maldonado foi visto por testemunhas locais, estava sendo preso por agentes da Gendarmería — principal Força de Segurança do país.

Nas semanas que se seguiram, a família de Maldonado pediu esclarecimentos sobre a detenção às autoridades — que chegaram a afirmar que não havia provas suficientes de que o artesão fora abordado pelos agentes de segurança —; o caso se tornou assunto de urgência global para a Anistia Internacional; e a Argentina viu renascer calorosos debates sobre a disputa de terras por povos indígenas e sobre desaparecimentos forçados.

Em entrevista ao R7, a diretora executiva da Anistia Internacional Argentina, Mariela Belski, afirma que são três as maiores preocupações da organização em relação ao episódio envolvendo Santiago Maldonado: “Nos preocupam a reação do governo no momento do desaparecimento, a demora em se oferecer uma resposta e uma solução e, por fim, o quão politizado este caso se tornou na Argentina”. Por conta destas questões, a entidade lançou uma ação global urgente pelo aparecimento com vida do artesão no dia 9 de agosto.

— Quando existe a notícia de um episódio como esse, a Anistia Internacional lança uma ação global urgente para exigir um posicionamento do governo e que se reconheça o caso como um desaparecimento forçado. Nós pedimos que o governo investigue a ocorrência de forma imparcial e independente.

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Para Aldo Fornazieri, doutor em ciência política e professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), o episódio pode se tornar um ponto de desgaste no mandato de Macri.

— Ainda é difícil dimensionar os efeitos do caso para a imagem do governo, porque embora haja uma clara contestação do ponto de vista social, a Argentina passa agora por uma fase de recuperação econômica (o PIB do país deverá ter crescido 2,8% até o final de 2017, segundo projeções do Banco Mundial).

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Desaparecimento suscitou movimentos internos e internacionais; milhares foram às ruas desde 11 de agosto
Desaparecimento suscitou movimentos internos e internacionais; milhares foram às ruas desde 11 de agosto Desaparecimento suscitou movimentos internos e internacionais; milhares foram às ruas desde 11 de agosto

De acordo com a Declaração Universal de Direitos Humanos adotada pela Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), o desaparecimento forçado ocorre quando uma pessoa é secretamente presa ou sequestrada por uma organização política ou estatal. O que pode ser decisivo para o desgaste do governo por conta do caso Maldonado, na opinião de Fornazieri, é o fato de os argentinos terem um engajamento muito forte com a questão dos direitos humanos.

— Existe uma cultura muito forte disseminada em todos os setores da sociedade em torno da questão dos desaparecidos. O país tem uma luta histórica em relação aos desaparecidos por conta das vítimas do crime de desaparecimento forçado durante a ditadura militar nas décadas de 70 e 80. Por conta disso, o sumiço de Maldonado — que é o primeiro desaparecido depois da ditadura — suscitou movimentos internos e internacionais. Inicialmente, houve uma mobilização muito forte na internet, e depois isso transbordou para as ruas.

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Mobilização generalizada

Não foram poucos, de fato, os movimentos que clamaram pelo reaparecimento de Santiago Maldonado com vida desde agosto. Na famosa Plaza de Mayo, principal praça da cidade de Buenos Aires, milhares de argentinos se reuniram nos dias 11 de agosto, 1º de setembro e 1º de outubro pedindo por respostas do governo em relação ao paradeiro do artesão. Os protestos tiveram o envolvimento, inclusive, das Mães da Plaza de Mayo — que ainda se reúnem regularmente no centro da capital argentina exigindo notícias de seus filhos desaparecidos entre 1976 e 1983, durante a ditadura.

Em outras cidades do país, as manifestações também têm sido frequentes — em Merlo, na província de San Luis, a ex-presidente Cristina Kirchner participou, no mês de setembro, de uma missa em favor da aparição de Maldonado. E o líder da banda U2, Bono Vox, conversou com o presidente Mauricio Macri sobre o caso em visita à Argentina no último dia 10 de outubro.

O histórico

O grupo conhecido como RAM (Resistência Ancestral Mapuche), que faz parte comunidade mapuche argentina, reivindica 500 hectares de terras na Patagônia da Compañía de Tierras del Sud Argentino, cujo proprietário legal é o grupo italiano Benetton — fabricante de lãs que possui uma fazenda de ovelhas no local. O conflito já se arrasta desde 2002.

Em 1º de agosto de 2017, membros do RAM protestavam contra a prisão de seu líder, Facundo Jones Huala, detido em 27 de junho. Em diversas entrevistas às redes de notícias argentinas, o irmão de Santiago Maldonado, Sergio, afirmou que o jovem não era membro do grupo mapuche — mas participava do protesto por simpatia à causa. A diretora executiva da Anistia Internacional Argentina aponta que o RAM vinha sendo criminalizado pelas forças de segurança esde o início de 2017.

— Em janeiro deste ano, já havíamos lançado uma ação urgente contra a repressão e violência policial sofrida pelo povo mapuche na Argentina. Essa comunidade, que é dividida em vários grupos, estava sendo vítima de criminalização no contexto de protesto social pela reivindicação de terras. É verdade que o grupo RAM é conhecido por se utilizar da violência em suas manifestações — mas isso não justifica que nenhum governo detenha seus membros e militantes sem justificativa correspondente. 

Comoção em torno do desaparecimento de Santiago Maldonado representa a maior crise política enfrentada pelo governo de Mauricio Macri, diz diretora-executiva da Anistia Internacional Argentina
Comoção em torno do desaparecimento de Santiago Maldonado representa a maior crise política enfrentada pelo governo de Mauricio Macri, diz diretora-executiva da Anistia Internacional Argentina Comoção em torno do desaparecimento de Santiago Maldonado representa a maior crise política enfrentada pelo governo de Mauricio Macri, diz diretora-executiva da Anistia Internacional Argentina

Na opinião de Mariela Belski, a comoção em torno do desaparecimento de Santiago Maldonado representa a maior crise política enfrentada pelo governo de Mauricio Macri até agora. O Portal R7 tentou contato com o Ministério da Segurança e a Secretaria de Direitos Humanos e Pluralismo Cultural da Argentina, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

A cronologia

Janeiro de 2017: em protesto pela reivindicação de terras, a comunidade mapuche bloqueia uma via férrea na província de Chubut, da Argentina. A manifestação é alvo de repressão por parte da Gendarmería — principal Força de Segurança no país — e dez pessoas são detidas. A Anistia Internacional Argentina lança uma ação global internacional contra a violência sofrida pelo grupo

2 de junho de 2017: a comunidade mapuche na província de Chubut denuncia, mais uma vez, ter sido alvo de violência policial em protestos pela reivindicação de terras

28 de junho de 2017: o líder mapuche Facundo Jones Huala é preso pela Gendarmería

31 de julho de 2017: a comunidade mapuche bloqueia uma rua em frente à Corte Federal de Bariloche em protesto pela prisão de Facundo Jones Huala

1 de agosto de 2017: a comunidade mapuche protesta contra a prisão de Facundo Jones Huala na região de Esquel, na província de Chubut. A manifestação é alvo de repressão policial. De acordo com testemunhas, Santiago Maldonado, que participava do protesto, é detido nas proximidades do rio Chubut pela Gendarmería — que teria atirado contra a comunidade e queimado objetos das famílias

4 de agosto de 2017: o irmão de Santiago Maldonado, Sergio, participa em uma conferência do Juizado de Esquel em que a Gendarmería divulga um informe a respeito da operação realizada no início do mês. A força de segurança afirma que não prendeu Santiago

7 de agosto de 2017: um rastreamento chefiado pela força naval argentina, do Ministério da Segurança, procura por indícios da presença de Santiago Maldonado nas proximidades do rio Chubut. O defensor público oficial, Fernando Machado, afirma que há indícios claros de que o artesão esteve ali — os agentes encontram uma boina e cães farejadores confirmam os rastros deixados pelo jovem

9 de agosto de 2017: o governo oferece uma recompensa de 500 mil pesos chilenos (aproximadamente R$ 2.500,00) para quem oferecer informações a respeito de Santiago; a Anistia Internacional lança uma ação global urgente pedindo por respostas das autoridades

11 de agosto de 2017: milhares vão às ruas de Buenos Aires e de outras cidades do país pedindo pelo aparecimento com vida de Santiago Maldonado

16 de agosto de 2017: em declaração no Senado, a ministra de Segurança argentina, Patricia Bullrich, afirma que não havia provas suficientes de que o artesão fora abordado pelos agentes de segurança

17 de agosto de 2017: a Interpol inclui o nome de Santiago Maldonado em sua lista de pessoas desaparecidas

Mães da Plaza de Mayo, cujos filhos desapareceram durante a ditadura, também pedem por respostas a respeito de Maldonado
Mães da Plaza de Mayo, cujos filhos desapareceram durante a ditadura, também pedem por respostas a respeito de Maldonado Mães da Plaza de Mayo, cujos filhos desapareceram durante a ditadura, também pedem por respostas a respeito de Maldonado

22 de agosto de 2017: a equipe do Ministério da Segurança aceita se encontrar com organizações de direitos humanos para esclarecer as investigações a respeito do desaparecimento de Santiago Maldonado. Entre os grupos participantes, estão as Mães da Plaza de Mayo, que lutam por notícias de seus filhos desaparecidos na ditadura militar

24 de agosto de 2017: autoridades da vara federal de Chubut classificam o caso oficialmente como “crime de desaparecimento forçado” e apontam que a investigação, a partir de então, se direcionará para as forças de segurança

28 de agosto de 2017: a família de Santiago apresenta novas provas de que o artesão esteve na manifestação de 1º de agosto

1 de setembro de 2017: milhares de argentinos retornam às ruas pedindo o aparecimento de Santiago Maldonado com vida. O caso ganha repercussão internacional. A ex-presidente argentina, Cristina Kirshner, participa de uma missa em favor da aparição de Maldonado e afirma publicamente que ele deve reaparecer com vida

4 de setembro de 2017: pela primeira vez, o presidente Mauricio Macri se pronuncia sobre o caso Maldonado, ao ser questionado por um repórter da rede argentina América TV. “Estamos trabalhando e colaborando com a Justiça de todas as formas possíveis”, diz o líder

5 de setembro de 2017: a delegação regional para a América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos expressa sua preocupação com a falta de progressos nas investigações a respeito do paradeiro de Santiago Maldonado

6 de setembro de 2017: o Secretário de Direitos Humanos e Pluralismo Cultural da Argentina, Claudio Avruj, diz que a linha principal de investigação a respeito do desaparecimento de Santiago aponta para a responsabilidade da Gendarmería

Em encontro com Macri, Bono Vox manifestou sua preocupação em relação ao caso de Santiago Maldonado
Em encontro com Macri, Bono Vox manifestou sua preocupação em relação ao caso de Santiago Maldonado Em encontro com Macri, Bono Vox manifestou sua preocupação em relação ao caso de Santiago Maldonado

7 de setembro de 2017: o governo aumenta o valor da recompensa oferecida para quem der informações a respeito de Santiago para 2 milhões de pesos chilenos (aproximadamente R$ 10.000,00)

1 de outubro de 2017: mais uma vez, argentinos vão às ruas das principais cidades do país pedindo pelo reaparecimento de Santiago

10 de outubro de 2017: Bono Vox, líder da banda U2, se reúne com Mauricio Macri e diz ter manifestado sua preocupação ao presidente em relação ao caso de Santiago Maldonado

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