Itália é condenada por expor população a lixão tóxico da máfia que provoca câncer
Esta não é a primeira vez que um tribunal europeu condena a Itália por mal gerenciamento de resíduos tóxicos
Internacional|Do R7

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Itália por falhar na proteção de quase três milhões de pessoas que vivem em uma região contaminada por resíduos tóxicos despejados ilegalmente pela máfia. A decisão, anunciada na quinta-feira (30), dá ao governo italiano um prazo de dois anos para implementar medidas efetivas de recuperação ambiental.
O tribunal, com sede em Estrasburgo, concluiu que as autoridades italianas tinham conhecimento do descarte, enterro e queima clandestina de resíduos perigosos na região da Campânia, mas não tomaram medidas adequadas para impedir a prática. A área, conhecida como “Terra dos Fogos”, registra taxas de câncer muito acima da média italiana.
A decisão do tribunal exige que Roma elabore uma estratégia abrangente, incluindo um mecanismo de monitoramento independente e uma plataforma pública de informações sobre o caso.
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Esta não é a primeira vez que um tribunal europeu condena a Itália por mal gerenciamento de resíduos tóxicos. Em 2010, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que a Itália violou a lei da UE ao não garantir o descarte adequado de resíduos na região da Campânia.
Após o julgamento, em dezembro de 2014, o tribunal multou a Itália em € 40 milhões por não abordar a questão — a maior multa já aplicada a um país membro da UE naquela época. Em 2015, o tribunal multou novamente a Itália em mais € 20 milhões e impôs uma multa diária de € 120.000 até que os problemas fossem resolvidos.
O que aconteceu?
Por décadas, resíduos industriais provenientes do norte da Itália foram descartados ilegalmente na Campânia, região sul do país. Empresas pagavam à Camorra, a máfia local, para evitar os altos custos do descarte legal, resultando em um cenário de degradação ambiental severo. Entre os materiais despejados estão amianto, pneus e produtos químicos altamente tóxicos.
Mesmo após anos de denúncias, montanhas de lixo ainda podem ser vistas às margens de rios, estradas e campos onde animais são criados.
O parlamento italiano foi alertado sobre os crimes ambientais em 1997, após uma delação premiada de membros da máfia, mas o governo só reconheceu oficialmente a gravidade da situação em 2013. Desde então, investigações revelaram não apenas negligência, mas também conivência de autoridades locais, enquanto a população enfrenta um aumento alarmante nos casos de câncer.
Em 2021, o Instituto Nacional de Saúde da Itália confirmou a relação entre a poluição e os índices elevados de câncer na região.
O que dizem os afetados?
Moradores da “Terra dos Fogos” convivem há décadas com os impactos da contaminação. Um dos casos mais expressivos é de Antonietta Moccia, uma das 41 pessoas que registraram queixa junto aos juízes europeus.
Moccia viu a filha, Miriam, ser diagnosticada com um tumor cerebral raro aos cinco anos de idade. “No hospital havia outros três casos da nossa cidade”, disse à agência AFP.
Alessandro Cannavacciuolo percebeu pela primeira vez que algo estava errado quando suas ovelhas deram à luz “cordeiros deformados, com duas cabeças, duas línguas e rabos nas laterais” no início dos anos 2000.
“Não tínhamos mais cordeiros, mas verdadeiros monstros”, disse o ex-fazendeiro à AFP. Como os amigos e parentes também adoeceram, Cannavacciuolo assumiu a responsabilidade de encontrar e denunciar locais de despejo ilegais.
“Estamos em guerra. Qualquer um que levante a voz, qualquer um que aponte essas atividades criminosas, está ameaçado. Nossos carros foram alvejados, nossos animais foram mortos, recebemos cartas ameaçadoras”, acrescentou.