Quando a terapia dá errado: como lidar com especialistas antiéticos e abusivos
O objetivo do terapeuta deve ser a saúde e o progresso do paciente: ‘Se não for assim, alguma coisa está errada’
Internacional| Christina Caron, do The New York Times

Logo de cara, na primeira sessão com a nova terapeuta em San Diego, Elise, de 37 anos, desanimou. Não por causa de qualquer coisa que ela tivesse dito, mas pelo fato de ter ficado a consulta toda pedalando na bicicleta ergométrica. Já no caso de Maria Danna, de 35, foi um baita susto. “Ele sacudiu uma maraca na minha cara, com toda a força. Disse que era para captar a energia que eu estava emanando.” E Carson, que procurou a ajuda de um psiquiatra em Ohio por causa de ansiedade e de uma grave depressão pós-parto, se sentiu incomodada quando o médico passou a lhe enviar milhares de torpedos e acabou revelando que se sentia atraído sexualmente por ela.
Para muitos, a terapia é transformadora, independentemente de sofrerem de alguma doença mental – mas o que fazer quando o especialista não age com profissionalismo, é inepto ou mesmo abusivo?
Em 2024, o The New York Times perguntou aos leitores se eles já tinham tido alguma experiência ruim nesse sentido e recebeu mais de 2.700 respostas, entre elas exemplos de violações éticas, comportamento pouco profissional e interações simplesmente bizarras (alguns compartilharam sua história, mas pediram a divulgação apenas do primeiro nome para proteção da privacidade).
É difícil saber a frequência com que esses incidentes ocorrem, porque nenhuma agência federal regulamenta a psicoterapia – e embora os conselhos regionais estaduais devam fiscalizar e punir os terapeutas, o processo pode ser falho e é preciso muito para caber uma ação disciplinar. “A gente brinca, dizendo que em cada leva de formandos tem pelo menos um ou dois que são motivo de ceticismo ou preocupação. É nossa obrigação ética impedir que os muito ruins consigam a certificação, mas o sistema não é perfeito. Eu mesmo demiti e/ou denunciei vários por conduta problemática”, conta Eric Jones, terapeuta de Santa Ana, na Califórnia.
De acordo com sua experiência, o número de bons profissionais é infinitamente superior ao dos ruins, mas, mesmo assim, ele e outros especialistas aconselham o paciente a confiar no instinto se sentir que algo não cheira bem. Segundo Jonathan E. Alpert, diretor do departamento de psiquiatria do Montefiore Einstein de Nova York, o objetivo do terapeuta deve ser a saúde e o progresso do paciente. “Se não for assim, alguma coisa está errada.”
Quando o terapeuta se aproxima demais
O terapeuta tem de manter distância física e emocional do paciente. Entre as possíveis extrapolações desse limite estão a revelação de fatos pessoais íntimos; o toque inapropriado; o flerte; ou a tentativa de estabelecimento de uma relação social fora do escritório.
Se este é seu caso e você não sabe bem o que fazer, uma opção é buscar apoio na Linha de Ligação de Exploração de Terapia (Tell em inglês), rede de acolhimento entre pares que ajuda quem se sente prejudicado ou está preocupado com o comportamento do profissional. Uma de suas voluntárias é Deborah A. Lott, que oferece os conselhos que gostaria de ter recebido nos anos 80, quando tinha 28 anos e manteve relações sexuais com seu terapeuta na época, que, segundo ela, lhe ofereceu vinho e maconha. Ele lhe implorou que retomasse o tratamento – o que ela acabou fazendo temporariamente, mas logo rompeu de vez. “Se você se vê emocionalmente dependente, é muito difícil sair, mesmo sabendo que ali tem coisa errada. Aquela é a pessoa que tem todos os seus segredos. Você investe tempo, dinheiro, energia e ela lhe diz que o problema é você. O gaslighting é muito comum.”
Hoje, Lott sabe que um terapeuta ético jamais teria um caso ou se envolveria emocionalmente com um paciente. “Ele(a) pode estar sem roupa, implorando, mas é sempre responsabilidade do profissional estabelecer e manter limites seguros para ambos”, confirma Jan Wohlberg, um dos fundadores da entidade.
Quando o terapeuta abandona o profissionalismo
Vários leitores escreveram para descrever terapeutas eternamente atrasados, que comem durante a sessão, não informam o preço, cancelam ou simplesmente desaparecem. Mais de 130 disseram que o profissional chegou a dormir durante a consulta – às vezes a ponto de chegar a babar ou roncar. “Eu estava explicando que me sentia invisível aos meus familiares e quando levantei o olhar vi que estava dormindo! Saí procurando outro praticamente na mesma hora”, relata Melissa Petty, de 71 anos, descrevendo um episódio ocorrido há mais de dez em Dallas.
Há relatos também dos que oferecem serviços desnecessários ou tratamentos da moda sem que tenham qualificação para isso. É o caso de Erin, de 30 anos, que vive em Nova York e se disse surpresa quando foi instada a observar os raios de luzes disparados em um tubo estreito – tipo de estímulo usado na dessensibilização e no reprocessamento por movimentos oculares (EMDR, em inglês), tratamento que ajuda a aliviar o sofrimento das lembranças traumáticas. O único problema é que Erin estava fazendo terapia por causa da ansiedade gerada pela pandemia, e não por trauma. “O tempo todo ele ficava perguntando se estava funcionando. Sem contar que as sessões, que eram por Zoom, cortavam toda hora. Foi uma experiência muito, muito estranha.”
Quando o terapeuta nem se dá ao trabalho
Leah Odette, de 44 anos, vive em Long Beach, na Califórnia, e, quando foi ver o novo terapeuta, que procurou em busca de ajuda para a ansiedade, levou um susto ao ser recebida por um cachorro – o que para muita gente é uma grata surpresa, mas não é seu caso. “Expliquei que morria de medo de cães, mas ele me ignorou totalmente. Só me restou fingir calma, mas quando tentei passar a mão no bicho, ele meio que avançou. E ainda tive de ouvir que foi reação à minha ansiedade.”
Outros leitores reclamaram do que lhes pareceu falta de atenção aos seus relatos e/ou de não receber algo que os ajudasse a enfrentar as experiências que compartilharam. “Na última sessão, ele praticamente ficou olhando pela janela o tempo todo, sem nem fazer contato visual. Encerrei nossa relação naquela noite mesmo, por e-mail”, revela Emily, de 34 anos, que vive em Pittsburgh.
Quando o paciente se decepciona
Jessica M. Smedley, psicóloga clínica de Washington, aconselha: “Se acontecer alguma coisa desagradável ou o terapeuta não lhe parecer adequado, procure outro. Você não ganha nada permanecendo em uma situação que não é saudável nem produtiva. E, se achar que os limites da ética foram desrespeitados, você sempre pode denunciá-lo para o conselho regional.”
Há situações, entretanto, que não são tão bem definidas. Digamos que você se sinta seguro e bem-atendido, mas o que o incomoda é que uma vez o(a) terapeuta pegou no sono. Nesse caso, o melhor é abrir o jogo – e prestar atenção na reação. “Se ele(a) reagir de forma defensiva ou não for capaz de assimilar o toque e mudar, não é um profissional com quem vale a pena continuar trabalhando”, resume Alpert.
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