'Foi negligência da Backer', diz filha de homem que ficou 27 dias na UTI
Humberto Fernandes Melo foi internado às pressas no dia 8 de janeiro e passou mais de um mês no hospital; Polícia Civil apresenta inquérito hoje
Minas Gerais|Lucas Pavanelli, do R7
Quatro meses depois de deixar o hospital, Humberto Fernandes Melo ainda convive com os efeitos de uma série de problemas nos rins e paralisação facial. O microempresário de 64 anos é uma das 42 vítimas de intoxicação por mono e dietilenoglicol, substâncias tóxicas presentes na cerveja Belorizontina, da Backer. Nove pessoas morreram devido à contaminação.
Nesta terça-feira (9), cinco meses após a abertura do inqúerito, a Polícia Civil de Minas Gerais apresenta a conclusão das investigações que já apontou, de antemão, que não houve sabotagem, uma das hipóteses levantadas pela cervejaria no curso da apuração do caso.
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Uma das hipóteses é que a cervejaria responda por negligência, o que é a opinião da advogada Carolina Melo, de 31 anos, filha de Humberto.
— Foi negligência da Backer. Quando saiu que não era sabotagem a gente [familiares das vítimas] já sabia. Até mesmo pela forma como a empresa conduziu tudo. Nossa opinião é que foi culpa da Backer e é isso que acho que vai ser concluído amanhã [hoje]. Independentemente do que ocorreu naquela fábrica, a maneira como ela nos tratou, conduziu o caso e bombardeou a imprensa com falsas verdades, é cruel
Desrespeito
Segundo Carolina, a empresa não deu nem "meia ligação" às vítimas e foi omissa com relação ao tratamento dos pacientes. Apenas uma das mais de 40 vítimas conseguiu, na Justiça, que a empresa arcasse com o custo do tratamento. No entanto, a Backer suspendeu o pagamento, alegando que não tinha mais condições financeiras para arcar com o compromisso.
Em determinado momento, relata, chegou a ouvir de um advogado da empresa que ela "não sabia o que a empresa estava passando" e que estava "cheio de oportunistas por aí". Ao todo, o pai de Carolina ficou 39 dias no hospital.
— Durante essas reuniões eu fui altamente desrespeitada. A empresa pretendia coletar informações por meio de um questionário que envolviam perguntas sem nenhuma relação com as necessidades e custeios de tratamento. Era uma investigação própria para até mesmo embasar teses de defesa em face das vítimas. Ficou claro que a Backer não queria arcar com os gastos referentes aos tratamentos.
Um mês na UTI
Humberto Fernandes Melo está, hoje, em casa. Com alimentação restrita, ele ainda passa por tratamentos de fonoaudiologia, fisioterapia e acupuntura, que foram suspensos nos últimos meses devido à pandemia de covid-19. Os rins melhoraram a ponto de ele não ter que fazer diálise.
No entanto, o microempresário passou por momentos delicados, incluindo uma internação às pressas. No dia 8 de janeiro ele resolveu procurar um médico depois de passar um dia inteiro sem urinar. O médico que o atendeu pediu exames de urgência e determinou que ele fosse ao Hospital Felício Rocho no mesmo dia, porque um equipe já estaria esperando por ele.
Sua filha, Carolina Melo, conta que a piora foi muito rápida.
— Os rins dele tinham parado e ele estava a ponto de ter uma parada cardíaca.
Humberto foi levado direto para a UTI, onde ficou internado por 27 dias. A princípio, além do problema nos rins, ele não apresentava sintomas comuns às outras vítimas da "síndrome nefro-neural", como ficou chamada a contaminação por dietilenoglicol.
— Os médicos estavam cogitando sua alta para o quarto quando ele começou a ter paralisia facial. Ele perdeu todos os movimentos da face e da deglutição. Perdeu o paladar. Teve a fala e alimentação prejudicadas e não piscava. Ele sentiu paralisia no corpo todo, mas não a ponto de impedir os movimentos dos membros.
Ainda segundo a filha de Humberto, três semanas após o prazo da ingestão da cerveja da Backer, ele teve um "choque" e perdeu muito sangue em uma troca de cateter e durante a diálise.
— Foi horrível, porque nosso maior medo era que o diafragma tivesse parado e ele tivesse que ser entubado, como aconteceu com muitas outras vítimas. Passsaram mais alguns dias, ele teve alta do CTI e ficou mais 12 dias no quarto.
Relembre o caso
Os primeiros casos de uma "doença misteriosa" que atingiu moradores do bairro Buritis, na região Oeste de Belo Horizonte, começaram a circular entre o fim de dezembro e o início de janeiro. As primeiras relações da doença com a Backer começaram a surgir nos primeiros dias de janeiro, já que o consumo da cerveja Belorizontina era fator comum entre os pacientes.
A Polícia Civil abriu inquérito para investigar os casos e coletou amostras da cerveja na casa das vítimas.
No dia 9 de janeiro, agentes da Polícia Civil foram até a fábrica da Backer para coletar amostras da cerveja nos tanques de fabricação e, no mesmo dia, o delegado Flávio Grossi revelou que análises feitas no líquido encontraram traços de dietilenoglicolem dois lotes da cerveja.
A substância tóxica é usada no processo de refrigeração da bebida por meio de um sistema de serpentinas. Segundo a Backer, a cervejaria nunca utilizou a substância química e se limitava ao uso de monoetilenoglicol, que é um pouco menos tóxico, e que também foi identificado nas análises periciais.
A fábrica da Backer foi interditada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastacimento no dia 10 de janeiro e, três dias mais tarde, a pasta determinou que rótulos da bebida fossem recolhidas do mercado.
Investigação
No início, a investigação da Polícia Civil começou com relatos de pessoas que teriam consumido cervejas da Backer a partir de outubro de 2019 e que apresentaram sintomas como febre, diarréia, mau funcionamento dos rins e paralisia a partir de então.
No entanto, com o aprofundamento das apurações, a investigação foi estendida, já que algumas vítimas com sintomas semelhantes tinham sido internadas um ano antes dos primeiros casos relatados.
Outro lado
A Backer diz que só irá se manifestar após a conclusão apresentada pela Polícia Civil. Segundo a empresa, ela é a "maior interessada em descobrir como se deu a contaminação do produto".
"A empresa está certa de que seguiu todos os procedimentos exigidos pelas normas vigentes. Prova disso é que frequentes fiscalizações não apontaram qualquer irregularidade no processo de produção, diz a Backer em nota.
A cervejaria disse, ainda, que dos 70 tanques da fábrica, 66 foram liberados pelo Ministério da Agricultura pois apresentaram resultado negativo para a presença das substâncias tóxicas. Um tanque está sob investigação e os outros três tiveram contato com o líquido do tanque que está sob análise.
Ainda de acordo com a Backer, o tanque em questão é novo e está na garantia do fabricante e foi utilizado para a produção das cervejas Belorizontina e Capixaba.