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Duelo mortal: juiz Sérgio Moro contra Marcola, do PCC

Não se trata aqui de medir a dimensão dos bíceps, e sim o que as duas forças antagônicas representam

Arquivo Vivo|Percival de Souza e Percival de Souza

O duelo já está marcado. A arena do combate terá dois expoentes: o novo responsável pela segurança pública e o poderoso chefe do crime organizado, que consegue comandar mesmo estando enclausurado. Em torno dos dois, gira a queda de braço: Moro versus Marcola. Quem será mais rápido no gatilho?

Não se trata aqui de medir a dimensão dos bíceps, e sim o que as duas forças antagônicas representam. Marcola domina a força do crime organizado, com habilidade empresarial, detendo exclusividade no tráfico de cocaína e o contrabando de armas e munições. Moro vai comandar a estratégia de segurança, que inclui um ministério próprio, fundido ao de Justiça, e o Departamento Penitenciário Federal.

O clima que procura antever o que Jair Bolsonaro será capaz de fazer como presidente chegou aos presídios. O eco das preocupações com endurecimento do regime, alusões fantasmagóricas a tortura contemporâneas e perseguição implacável aos mal-aventurados, chegou aos estabelecimentos prisionais. Fala-se em investidas virulentas contra prisioneiros, especialmente os de grosso calibre.

A preocupação chegou a tal ponto que se montou um plano arrojado para resgatar Marcola e alguns outros presos considerados perigosos, num ataque que seria feito por uma verdadeira brigada do crime à penitenciária de segurança máxima em Presidente Wenceslau, na região de Presidente Prudente.


O audacioso plano foi descoberto pela Polícia Federal e diante das informações recebidas o juiz da Comarca mandou fechar o aeroporto local, avisou no Comando Militar do Sudeste e acionou a Polícia Militar, que mandou para lá tropas do Comando de Choque, em especial a Rota, que é seu 1º Batalhão. O Exército treinou PMs para manuseio de potentes armas antiaéreas. Clima de guerra: Estado versus PCC, a poderosa facção criminosa.

Num regime democrático civilizado, após os embates eleitorais repletos de lances dos mais vis, já passa da hora de constatar que temos uma só bandeira, um só hino, uma só língua e mais importante do que tudo: formamos um só povo. Sendo assim, e é, um só povo quer ver respeitados os direitos de todos, não apenas em guetos sociais, sexuais, étnicos, mas rigorosamente para todos os seres humanos. Todos. Não se trata de cavar trincheiras à esquerda e à direita, seja lá o que isso possa significar hoje, mas abrir espaços para o bem comum, na busca (utópica?) da felicidade sem restrições.


Exatamente aqui entram o juiz que vai deixar a magistratura, Sérgio Moro, e o chefão do crime, Marcos William Herbas Camacho, o Marcola. De um lado, o ministro duplo, Justiça e Segurança. Do outro, o chefão. Ministro da Justiça, observe-se, não é ministério de um dos três Poderes. A pasta fica em mãos, na essência, para um articulador político e conselheiro do presidente de República.

O prédio do Ministério, em Brasília, obra de Niemayer, exibe uma admirável simbologia: à entrada, uma cascata jorra água permanentemente, dizendo que ali está a fonte da Justiça. O da Segurança é uma criação nova, bem recente, sucessor de uma Secretaria Especial, sempre ocupada por gente que nunca fez o que dizia ser necessário fazer diante desse tipo de problema, de cruciais dimensões nacionais.


Do outro lado, Marcola demonstra do que é capaz como gerente principal do crime. Do cárcere, articula relações interestaduais e dá os primeiros passos nos contatos internacionais. Já mandou matar um juiz, Antônio Machado Dias, responsável pelo cumprimento das penas, metralhado quando saia do Fórum em Presidente Prudente. O Estado capitulou: após o assassinato do juiz, com o medo dos jurados e temor de promotores e juízes, transferiu julgamentos pelo Tribunal do Júri, principalmente os do PCC, para a Capital.

Nas audiências, os prisioneiros do PCC com portavam-se de maneira inacreditavelmente arrogante. Antes disso, Marcola tinha canal direto de comunicação com a Administração Penitenciária, que até a sangrenta rebelião na Casa de Detenção, em 1992, era ligada à Secretaria da Justiça. O Governo de São Paulo chegou a negociar diretamente com ele para evitar ataques a policiais e repartições públicas em São Paulo. Para evitar desgastes políticos, minimizou o poder da organização do crime, embora ele fosse comprovadamente devastador.

A ribalta do crime personifica, agora, os protagonismos. Polarizados. Há muito receio diante do crime em todo o país. Uma matança sem fim é a marca registrada com mais de 60 mil assassinatos anuais. Violência de tudo quanto é tipo — assassinatos, roubos, latrocínios, furtos, golpes, agressões, tráfico de drogas, ameaças, impunidade. Alguém ainda não sabe que é assim? O super-ministro Moro já disse quer há “leniência” no sistema penitenciário. A palavra é suave, considerando-se que ele é considerado escola do crime, que piora quem entrou e a altíssima reincidência indica a sua inutilidade.

Diante do cenário, que não deixa ninguém viver em paz, até a arquitetura nas cidades foi mudada: em vez de beleza, segurança — grades, alarmes, cercas elétricas, câmeras de vigilância, cacos de vidro nos muros. Para enfrentar essa situação, repleta de causas e fatores, temos curiosos demais dando palpites infelizes, muitos deles apresentando-se como “especialistas em segurança”, juristas” e “professores”.

Recentemente, uma professora de Universidade no Rio de Janeiro disse que bandido anda armado de fuzil porque é “obrigado” a fazer isso para enfrentar a Polícia. Dá para entender? Ela já viu um bandido frente a frente? Não. Já foi a um presídio barra pesada? Não. Vai a uma delegacia? Não. Entrou num quartel? Não. Foi a um Fórum Criminal? Não. Especialista em que, então? Pela lógica da mestra, o grande especialista em crime seria o criminoso, que por sinal toma todas as iniciativas inovadoras para passear pelas páginas do Código Penal.

Moro versus Marcola. Cartas na mesa. A sorte está lançada.

Para Moro, ouso dizer que como o conselheiro do presidente ele vai orientá-lo em questões jurídicas. Moro tem pós-graduação em Harvard e poderá ser um bom conselheiro. Sabe que muito se interpreta sobre o que está escrito. Refiro-me às normas jurídicas. A minha ousadia é recomendar-lhe a leitura de Umberto Eco, escritor, filósofo, semiólogo e linguista. Ensina ele (“Os limites da interpretação”): “Frequentemente os textos dizem mais do que os seus autores pretendiam dizer, mas menos do que muitos leitores incontinentes gostariam que eles dissessem”.

A observação é pertinente para a Constituição e o Código Penal, já que para ambos não existe monopólio de leitura. Mas que tem gente que lê o que não está escrito, tem. Bandido armado de fuzil, por exemplo: é mero ato preparatório? Não existe nada consumado nessa atitude? Reprimi-la significa exclusão de ilicitude? É defesa própria ou de terceiros?

Marcola não precisa ler Umberto Eco nem Michel Foucault, até porque despreza totalmente Nelson Hungria, pois ele é o legislador da Lei do Cão, que vigora implacavelmente no mundo do crime.

Quando meu amigo Tim Lopes foi trucidado no Complexo do Alemão, subi ao morro para ver como são as coisas para escrever o livro “Narcoditadura”. Numa escola, percebi que balas estavam zunindo por todos os lados. O risco de não serem perdidas era iminente. Percebi também que a professora da classe estão acostumada com aquilo. As crianças, também. Ela mandou, aos gritos, e os alunos obedeceram: “Joguem-se no chão! Fiquem que nem cobra! Cobra não levanta a cabeça!”.

Vivi assim meus minutos de cobra. Deitado no chão para me proteger, pensava nas teorias insepultas nos repletos cemitérios de poesias bizantinas. O sapo não pula por boniteza, mas por precisão. Foi o que Guimarães Rosa certa vez escreveu. Deixo o convite: vamos pensar juntos sobre esses problemas que são de todos nós, civilizadamente? O Brasil está precisando e agradece.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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