Remédios que ex-chefe de UTI acusada de matar pacientes aplicava são comuns, diz médico
Acusação é baseada no fato de a médica não justificar a aplicação dos medicamentos
Cidades|Fernando Mellis, do R7
Os medicamentos aplicados pela médica Virgínia Helena Soares de Souza, de 56 anos, e pela equipe dela, no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, em pacientes que morreram algum tempo depois de receber as doses, são comuns em UTIs, mas precisam ter uma justificativa terapêutica, segundo o médico intensivista e secretário-geral da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), Ricardo Lima. Virgínia, três médicos, três enfermeiros e uma fisioterapeuta são acusados de antecipar a morte de doentes internados na unidade entre 2006 e fevereiro deste ano.
Na denúncia oferecida à Justiça, o MP-PR (Ministério Público do Paraná) sustenta as acusações no fato de uma combinação de medicamentos ter sido aplicada sem que houvesse explicações e que teria provocado a morte dos pacientes. Ricardo Lima disse ao R7 que os bloqueadores musculares pancurônio e dibesilato de atacurium; os anestésicos propofol, cloridrato de cetamina e tiopental sódico; o sedativo midazolam e o analgésico citrato de fentanila podem ser usados, inclusive, de forma combinada, dependendo de cada caso.
— Os medicamentos podem ser administrados dessa forma. São medicações normais dentro da UTI, em casos, indicações e doentes específicos. Mas que precisam de justificativa. Se você não justifica, pode-se dizer qualquer coisa. Ainda mais quando se lida com a vida humana.
Ainda segundo Lima, o objetivo na aplicação desses medicamentos é dar condições de o paciente melhorar.
— A gente usa essas drogas comumente. Usa-se para deixar o doente mais confortável no respirador, tratar a doença e depois tira [a droga] para ele sair do respirador. Às vezes não dá para tirar porque ele morre por complicações da doença. Ou às vezes não dá para tirar porque o doente chegou em um quadro terminal e eu acordo com a família que ele está morrendo e tem que dar um conforto para ele.
O MP-PR ainda acusa Virgínia e os outros médicos de reduzirem o respirador dos pacientes em níveis mais baixos, de 60% a 20%, por exemplo. Para Lima, isso também seria aceitável, já que 20% é o equivalente à taxa de oxigênio do ar ambiente. Segundo ele, há casos em que o paciente não se adapta bem ao respirador no primeiro momento. Mas até essa redução precisa ser escrita no prontuário médico.
O advogado que defende Virgínia, Elias Mattar Assad, disse que a médica afirma que todas as ações tomadas enquanto chefiava a UTI têm justificativas.
— O fato de não estar no prontuário não significa que ela cometeu algum crime. Isso caberia, talvez, uma punição administrativa.
Mortes
Um relatório entregue na segunda-feira (8) pela Polícia Científica do Paraná ao MP-PR analisou os prontuários médicos de 1.872 pacientes que passaram pela UTI chefiada por Virgínia entre 2006 e 2013. De acordo com o levantamento, que não tem valor científico, dos 346 casos em que a médica prescreveu os medicamentos, em 317 os pacientes morreram no mesmo dia.
Avaliando o período de sete anos, a taxa de mortes mensal seria de 3,7 no setor. Para o médico Ricardo Lima, esse número pode ser considerado baixo, se levado em conta que a UTI recebia pacientes com quadros graves.
Entenda o caso
São acusados pelas mortes na UTI geral do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba: ex-chefe do setor, Virgínia Helena Soares de Souza, de 56 anos; os médicos Edison Anselmo da Silva Júnior, de 33 anos; Maria Israelita Cortez Boccato, de 37 anos; Anderson de Freitas, de 32 anos; os enfermeiros Claudinei Machado Nunes, de 45 anos; Laís da Rosa Groff, de 24 anos; e Patrícia Cristina de Goveia Ribeiro, de 37 anos; além da fisioterapeuta Carmencita Emília Minozzo, de 44 anos.
Virgínia responde por sete homicídios duplamente qualificados. Os demais funcionários são acusados por participações em não mais do que dois casos. Eles também respondem por formação de quadrilha. Todos afirmam ser inocentes.
Os crimes, segundo a promotoria, aconteceram entre janeiro de 2006 e fevereiro deste ano. A denúncia, oferecida à Justiça no dia 11 de março, diz que os oito se associaram “para o fim de cometer homicídios de pacientes internados na UTI geral daquela casa de saúde, mediante uso insidioso e sorrateiro de instrumentos, medicamentos e equipamentos daquela casa hospitalar, na qual trabalhavam no exercício de suas profissões de saúde”.
A ex-chefe da UTI passou 29 dias na cadeia. Ela foi solta no dia 20 de março, após o juiz Daniel Surdi de Avelar determinar a revogação da prisão. Os três médicos e a enfermeira Laís Groff, que também estavam presos desde fevereiro, foram libertados cinco dias antes, por decisão do mesmo magistrado.
A denúncia que baseou a investigação policial, que durou cerca de um ano, foi feita à ouvidoria do governo do Paraná. Gravações telefônicas e depoimentos de ex-funcionários de Virgínia sustentam a acusação. A defesa de Virgínia afirma que ela foi vítima de ex-empregados do hospital, muitos deles demitidos após recomendação da médica.
Ainda de acordo com o advogado dela, Virgínia não tinha motivos para matar pacientes para liberar leitos na UTI, como foi dito pela polícia, já que ela recebia por leito ocupado. A médica trabalhava no Hospital Evangélico desde 1988, mas passou a chefiar o setor em 2006, quando o marido dela, o médico Nelson Mozachi, morreu. Ele era o responsável até então.
Em liberdade, Virgínia permanece em casa. Segundo Assad, ela ainda não decidiu o que vai fazer profissionalmente. Todos os meses a médica tem que se apresentar ao tribunal. O processo corre em segredo de Justiça.