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Demora na aprovação de novos remédios prejudica tratamento contra o câncer no Brasil

No Dia Mundial de Luta contra o Câncer, burocracia e atrasos são preocupação de especialistas

Saúde|Eugenio Goussinsky, do R7

País tem profissionais engajados, mas ainda falta infraestrutura
País tem profissionais engajados, mas ainda falta infraestrutura

Filas, burocracia e dor. O Brasil ainda não consegue respirar aliviado quando o assunto é câncer, doença que tem crescido nos últimos anos no Brasil e que em 2050 deverá ser a maior causa de mortes no mundo.

Entre os especialistas consultados pelo R7, no Dia Mundial de Luta contra o Câncer, lembrado nesta quarta-feira (4), a demora na liberação de medicamentos e na aprovação de pesquisas clínicas no País estão entre os principais entraves para o avanço dos tratamentos contra o câncer no Brasil, e tem prejudicado muito o combate à doença no País. Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), em 2014, 576 mil casos surgiram no País.

Enquanto o Brasil leva em média 14 meses para aprovar um pedido de estudo sobre um novo medicamento, alguns países da América do Sul, os Estados Unidos e nações da Europa aprovam os mesmos produtos em menos de seis meses.

Críticas ao SUS vão de lentidão do diagnóstico de câncer a demora nos exames


O presidente da Sboc (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), Evanius Wiermann, ressalta que esse cenário está trazendo prejuízos ao tratamento no Brasil.

— O governo centraliza muito a incorporação de novos tratamentos e medicamentos. Por questões burocráticas, isso demora muito para entrar no mercado.


Além disso, o presidente da Sboc afirma que os tratamentos acabam ficando mais distantes da população pela demora e pela falta de recursos em muitos casos.

— Temos duas situações distintas na sociedade brasileira: da população, 75% só tem o SUS [Sistema Único de Saúde], que não cobre alguns tratamentos por questões financeiras. Outros 25% têm acesso à medicina suplementar [convênios]. Para este segmento, algumas situações estão disponíveis, outras nem para os planos de saúde. 


Atualmente no Brasil, 11 medicamentos de alta complexidade e importância ainda não foram aprovados, deixando angustiados médicos e pacientes, à espera de liberação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Em mais de 70 países eles já estão liberados. Em desespero, muitos pacientes têm recorrido à Justiça para ter acesso ao medicamento, mesmo sem a regulamentação da agência brasileira.

Essa lentidão, segundo grande parte dos médicos, acaba sendo um obstáculo a mais nessa difícil caminhada que o paciente de câncer tem de encarar. As críticas maiores recaem sobre os procedimentos da Anvisa nesse sentido, garantindo que o País perde competitividade no mercado.

Pesquisas comprometidas

O diretor médico da Amgen no Brasil, Marcelo Lima, afirma que a demora da agência não tem justificativa se a preocupação for a questão ética, já que os medicamentos foram aprovados em países com a medicina estruturada e com níveis éticos confiáveis, como no caso dos Estados Unidos, cuja regulamentação é feita pela agência FDA (Food and Drug Administration). Segundo ele, não há motivo para que o tempo seja maior no Brasil.

— Em se tratando de tumor, o tempo urge.

Em nota ao R7, a Anvisa informou que está buscando melhorias no processo de análise dos 11 medicamentos. Também ressaltou diferenças entre os processos nos países, comparando seus procedimentos com os da agência americana. "No FDA, eles começam a acompanhar o desenvolvimento da molécula desde o início da pesquisa, com a facilidade de que boa parte das pesquisas são desenvolvidas no país deles. Assim o registro do FDA é realmente mais rápido, porque antes disso já houve um trabalho de anos de acompanhamento da pesquisa". 

A comunidade médica tem criticado também a demora da Anvisa na aprovação de pesquisas clínicas, que, segundo especialistas, é fundamental para a descoberta de novos métodos de tratamento, comparando-os com procedimentos já existentes. Wiermann também vê problemas com essa situação.

— Em vários países do mundo, inclusive na América Latina, o tempo médio para a autorização de uma pesquisa clínica é de 3 a 4 meses. No Brasil a demora é de mais de um ano. Cada pesquisa feita por um laboratório tem um caráter competitivo: é aberta em 45 países ao mesmo tempo. Há casos em que a demora é tanta que, quando o Brasil começa a recrutar pacientes para a pesquisa, ela já terminou.

O presidente ainda observa que, com poucas pesquisas, o Brasil acaba não desenvolvendo centros de análises e forma menos pesquisadores, deixando também de se inserir no cenário internacional, além de perder a oportunidade de testar métodos novos em sua própria população.

— Uma pesquisa clínica oferece a chance de um tratamento inédito que está restrito a apenas alguns países.

Lima ressalta que essa demora excessiva afasta laboratórios interessados em fazer pesquisas, levando os projetos para outras nações em que a aprovação é mais rápida. Desta maneira, o Brasil é descartado naturalmente pelos laboratórios, já que são incluídos, dentro de um prazo, aqueles que apresentam o número suficiente de pacientes para o processo. Quando o número total é atingido, o trabalho está iniciado.

Os prejuízos acabam também afetando o orçamento da Saúde, de acordo com estudos da Sboc. Segundo a entidade, o Brasil está incluído em menos de 1% dos investimentos direcionados a todos os países para o desenvolvimento de novos remédios, deixando de receber cerca de R$ 1,3 bilhão por ano. 

Segundo a Abraco, associação que reúne organizações representativas de pesquisas clínicas, enquanto o Brasil é o 6º mercado farmacêutico do mundo, ocupa o 64º no Índice de Inovação Global (que mede a quantidade de inovação de um país).

Potencial desperdiçado

Lima diz que esses resultados não refletem o potencial brasileiro.

— Felizmente, ou infelizmente, temos pacientes, médicos qualificados, muitos PHDs. Só que quando olhamos quantas novas patentes estes Phd´s descobriram, vem a decepção. O Brasil está atrás de países que têm infraestrutura e economia menores.

Para a psicóloga e presidente da ONG Oncoguia, Luciana Holtz, o Brasil não está preparado para encarar a epidemia de câncer que o Brasil sofrerá nos próximos anos. 

— Vários fatores, como envelhecimento da população, aumento da obesidade, dificuldades estruturais, problemas para acesso rápido a tratamento, demora no diagnóstico, além de burocracia de instituições vão fazer o câncer chegar pertinho de todos os brasileiros em pouco tempo. 

Acompanhando o dia a dia de pacientes, Luciana conta que, com o progresso da ciência, muitos casos têm sido cada vez mais esmiuçados, o que desmembra vários tipos de câncer em outros mais específicos. Porém, o Brasil tem caminhado na contramão dos países desenvolvidos, que têm conseguido reduzir a incidência da doença nas suas populações. 

Cada vez mais surgem no mercado mundial medicamentos específicos para dar sobrevida e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Mas com a lentidão na aprovação de alguns tipos no Brasil, como o Crisotinibe, citado por ela, e já incluído na lista que está à espera de aprovação da Anvisa, a possibilidade de alívio de muitos pacientes não se concretiza.

Tal medicamento, para um tipo de câncer de pulmão, trabalha diretamente no tumor, aliviando o paciente da dependência de tratamentos invasivos, que atingem todo o organismo, como a radioterapia e a quimioterapia.

Luciana reconhece que a agência tem buscado, no discurso, uma aproximação com a comunidade médica, comprometendo-se a dar mais rapidez à aprovação de novos remédios. 

— Mas não vejo ainda os resultados acontecendo na prática.

Duas medicinas

Outro problema, citado pelo diretor clínico da Oncoguia, Rafael Kaliks, é a demora na incorporação do produto ao SUS, após a aprovação da Anvisa. Alguns medicamentos nem são aprovados pelo sistema por causa dos custos altos, segundo o médico, deixando a população sem acesso a esse tipo de tratamento.

Kaliks conta como exemplo o caso de mulheres com câncer de mama, das quais 20% têm metástase. Elas deveriam receber uma medicação chamada Herceptin, já aprovada há mais de dez anos. Segundo o médico, porém, o SUS ainda não a incorporou, enquanto na saúde suplementar (planos de saúde) já está havendo a combinação deste medicamento, agora nem tão avançado, com outras drogas mais sofisticadas.

— Uma pessoa com câncer desse tipo tem sobrevida de 56 meses com tratamento na saúde suplementar. No SUS a melhor hipótese de sobrevida é entre 20 e 22 meses. São três anos de diferença na continuidade da vida de uma pessoa. É muita diferença. 

Em nota ao R7, o Ministério da Saúde rebate a acusação de demora na incorporação de tratamentos e medicamentos ao SUS, argumentando que seis novos medicamentos passaram a ser oferecidos pelo governo desde 2011, como Imatinibe, Trastuzumabe e L-asparaginase. 

Kaliks também diz acreditar que a lentidão, tanto da Anvisa, quanto do Conitec, tem como pano de fundo questões que, após a aprovação do medicamento, interferirão no equilíbrio entre a medicina suplementar e a pública, além de acarretarem custos muito altos para o orçamento da Saúde. 

— O pensamento no SUS até tem lógica. Por que iria permitir a aprovação de um medicamento caro para 1% de pacientes com um câncer específico enquanto não se consegue resolver o problema da fila para cirurgia? 

Então ele completa com uma questão política, realçando uma dura realidade de que duas medicinas podem estar existindo paralelamente dentro de um mesmo país.

— A não aprovação de um medicamento nem sempre é feita devido a questões médicas. É para evitar um desconforto de ter de aprovar um medicamento caro, a ser utilizado apenas pela medicina suplementar e não pelo SUS. Assim se evita o constrangimento de evidenciar um Brasil com duas medicinas.

Luciana completa ainda afirmando que, inclusive pela demora na aprovação de pesquisas e medicamentos, não há uma estratégia de combate à doença no Brasil, baseada em eficientes campanhas educativas de mudança de hábitos, que busquem uma alimentação saudável e a diminuição do sedentarismo.

Segundo a psicóloga são coisas simples, de baixo custo, que poderiam resolver um problema gravíssimo.

— O câncer é um problema a ser encarado por todos: governo, sociedade, laboratórios. É preciso olhar junto para esse tema, senão não vamos ter dinheiro para pagar esta conta.

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