Integrar viciados em crack à sociedade ajuda na recuperação, dizem especialistas
Segundo especialista, é preciso uma mudança na concepção sobre maneira de combater o vício
Saúde|Da Agência Brasil
“Conheço usuários de crack com mais de 50 internações e que não melhoraram em nada, isso se não estiverem um pouquinho pior”. O depoimento é de Raul Garcia Júnior, de 47 anos, que foi viciado durante 35 anos e conseguiu, sozinho, superar o vício. Para ele e para profissionais que estudam o assunto, o tratamento mais eficaz para combater o vício precisa envolver as famílias e a sociedade e depende de uma integração entre os serviços de saúde.
O tema foi discutido nesta quinta-feira (10) durante o Simpósio: Crack — Estigma e Preconceito: desafios da intersetorialidade, realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Isaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Unifesp, estuda o assunto há 50 anos. Segundo ele, é preciso uma mudança na concepção sobre a melhor maneira de combater o vício.
— Sempre estamos batendo nas mesmas teclas, não tem havido progresso na evolução do tratamento ou da compreensão do problema de usar drogas. Estamos fracassando nesse assunto.
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Carlini defende ouvir, primeiramente, o que o usuário tem a dizer e depois decidir sobre as melhores estratégias para o tratamento de usuários de crack. No caso de Raul, a compreensão dos parentes foi o que mais ajudou.
— A falta de informação faz achar que a melhor forma de lidar com o viciado é internando. Mas carinho, afeto e até uma conversa funcionam bem mais. Se internar [o viciado], é um monte de 'nóia' junto. É difícil, acho que a pessoa sai até um pouco pior.
Marta Ana Jezierski, médica psiquiatra e pesquisadora do Cebrid, lembra que a sociedade passou ao menos 200 anos acreditando que a melhor forma de tratamento era isolando o usuário.
— Esses hospitais, desde que fossem longe, passavam a ser um mundo alternativo onde as pessoas ficavam internadas.
O ex-usuário de crack José Francisco da Silva, de 50 anos, hoje trabalha com reciclagem e participa da Associação Brasileira dos Consultórios de/na Rua (Abracoru) em Guarulhos, uma iniciativa que leva atendimento de saúde em vans à população em situação de vulnerabilidade nas ruas. José foi viciado por 15 anos, tendo vivido na cracolândia em São Paulo. Ele também perdeu o contato com a família depois de vendar pertences de seus parentes para conseguir comprar a droga.
José cita a dificuldade de acesso aos recursos do poder público, como atendimento médico e psiquiátrico.
— O pessoal da abordagem vinha só para agredir a gente. Alguns já chegavam espancando, mas nós também somos cidadãos. O pessoal de rua também tem o direito de ir e vir, mas nossos direitos são violados.
A questão de melhorar o acesso aos recursos públicos é importante para a recuperação dos usuários, defende Marta Ana Jezierski.
— Os recursos de saúde são vistos como castelos fortificados, com grande dificuldade de acesso. Em razão do estigma e preconceito, muitos pacientes que são viciados acabam sendo abandonados pelo sistema de saúde. É uma dura realidade que a gente vive ainda.
Na opinião da médica, um dos pontos mais importante a ser discutido é a integração entre saúde mental e o restante dos serviços de saúde pública.