Mauro Cid e família viajaram para os EUA com dados de vacinação supostamente falsos
Coronel, esposa e filhas viajaram em dezembro; EUA vão deixar de exigir comprovação da vacina contra a Covid no próximo dia 11
Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília
Preso em operação da Polícia Federal nesta quarta-feira (3), o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, viajou para os Estados Unidos com a família com dados de vacinação contra a Covid-19 supostamente fraudados, segundo investigação da PF. A viagem foi em dezembro do ano passado. Cid e a família voltaram em janeiro. Desde dezembro de 2021, a comprovação de vacinação com ao menos duas doses contra a Covid-19 é necessária para entrar nos EUA. O certificado deixará de ser cobrado no próximo dia 11.
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Cid, a esposa, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, e as três filhas ficaram em Miami entre 21 de dezembro de 2022 e 20 de janeiro último. Na época do embarque, Bolsonaro ainda era presidente.
Em fevereiro de 2023, a família viajou para Bruxelas, na Bélgica, com conexão em Madri, na Espanha. Eles retornaram ao Brasil em 23 de fevereiro, pelo aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Naquele período, os dois países já não exigiam comprovante de imunização.
De acordo com a investigação da PF, duas filhas de Mauro Cid e Gabriela Cid são menores de idade, com 5 e 14 anos.
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A manifestação da Procuradoria-Geral da República enviada ao STF com base na investigação da PF diz que "Mauro Cesar Barbosa Cid e Gabriela Santiago Ribeiro Cid fizeram uso de certificado de vacinação falso nas viagens realizadas em dezembro de 2022, em janeiro de 2023 e fevereiro de 2023".
Ainda segundo o órgão, o casal "sujeitou, no exercício do poder familiar, as suas filhas menores [...] a utilizarem certificados de vacinação ideologicamente falsos, o que lhes torna incursos nos crimes de uso de documento falso na condição de partícipes e de corrupção de menores".
Gabriela Cid também teria usado o documento supostamente falso de vacinação em viagens anteriores, para os estados do Texas e da Flórida, nos Estados Unidos. O certificado teria sido elaborado em novembro de 2021, com as informações de duas doses aplicadas em agosto e novembro de 2021.
"Após a inserção de dados falsos nos sistemas, as informações oficiais contidas no controle imigratório brasileiro mostram que Gabriela Cid saiu três vezes do território nacional com destino aos Estados Unidos, em 30/12/2021, 9/4/2022 e 21/12/2022", descreve o texto.
Apesar de indicar o uso de documento falso por Gabriela Cid, o documento afirma que a mulher do tenente-coronel não está envolvida na prática de falsificação.
Conquanto a autoridade policial atribua a Gabriela Cid o crime de falsidade ideológica%2C não há nenhum elemento indicativo de que ela tenha realizado ou participado da contrafação (simulação)%2C mas há fortes indícios de que se valeu do documento falsificado para sair do território nacional e ingressar em solo estrangeiro.
Postura contrária à vacinação
A investigação da PF mostra que Mauro Cid era contrário à imunização contra a Covid-19. A investigação coletou troca de mensagens do tenente-coronel com uma cunhada. "Eu não vou tomar vacina mesmo. Eu e ninguém aqui [sic] casa […] Eu não vou tomar… nem as crianças… As vacinas estão em fase de teste… Tô fora…", escreveu Cid, mostra a interceptação das conversas pela PF.
Como o cartão falso de Gabriela Cid foi obtido
Na época das falsificações, Mauro Cid era chefe da Ajudância de Ordens de Bolsonaro. O sargento Luis Marcos dos Reis, que também era ajudante do ex-presidente, teria atuado para obter o documento falso de Gabriela. O sargento também foi preso na operação desta quarta.
Reis acionou seu sobrinho, o médico Farley Vinicius Alcântara, que conseguiu um cartão de vacinação da Secretaria de Saúde de Cabeceiras (GO) em nome de Gabriela. Alcântara carimbou e assinou o documento, que atestava a administração de duas doses da Pfizer na mulher de Mauro Cid em unidades de saúde do município goiano.
Ajuda de médico, sargento, advogado e ex-vereador
No entanto, o órgão revela ter chegado à conclusão de que as vacinas não foram, de fato, aplicadas em Gabriela. "Diligências realizadas com autorização judicial descortinaram que Gabriela Cid não possui vacinas administradas nas Unidades Básicas de Saúde do município de Cabeceiras (GO), informação corroborada pelos extratos das estações de radiobase, os quais revelam que o terminal telefônico da esposa do coronel Cid somente foi utilizado em Brasília (DF) nos dias indicados no cartão falsificado. [...] Visando conferir autenticidade ao conteúdo ideologicamente falso, o médico Farley Vinicius Alcântara inseriu sua assinatura no cartão de vacinação com o carimbo e os dados de seu registro no CRM [Conselho Regional de Medicina]."
Mauro Cid teria contado, ainda, com a ajuda do sargento Eduardo Crespo Alves, porque o sistema do Ministério da Saúde não aceitou o registro das vacinas no cartão falso de Gabriela. "[...] Os lotes das vacinas indicadas no documento não foram distribuídas ao Rio de Janeiro, local em que se tentou lançar os dados da vacinação nos sistemas do Ministério da Saúde", escreve a PGR no relatório.
Frustrada essa primeira tentativa, Cid recorreu ao advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes Barros. Eles conseguiram concluir a falsificação com a ajuda dos servidores Marcelo Fernandes de Holanda e Camila Paulino Alves Soares. O processo fraudulento contou ainda com o auxílio de Marcello Moraes Siciliano, ex-vereador do Rio de Janeiro. Siciliano teria envolvimento com a morte de Marielle Franco.
"O sucesso da 'missão' contou com a intermediação de Marcello Moraes Siciliano, ex-vereador do Rio de Janeiro (RJ), tendo como contrapartida que o ex-chefe da Ajudância de Ordens [Mauro Cid] ajudasse a resolver um problema dele com o visto de entrada nos Estados Unidos, ocorrido em decorrência do envolvimento de seu nome no caso do assassinato de Marielle Franco. Nessas mensagens, Ailton Barros afirma saber quem foi o mandante do crime", descreve o documento da PF.
Marcello Moraes Siciliano chegou a ser alvo de mandado de busca e apreensão, em dezembro de 2018, pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Além do envolvimento em grilagem de terras, ele era suspeito de participação na morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.
Mauro e filhas não estavam onde disseram receber a vacina
Os sistemas do Ministério da Saúde encaminhados à investigação mostraram que o tenente-coronel e as três filhas teriam sido imunizados com três doses, entre junho e novembro de 2021, em Duque de Caxias (RJ). Eles teriam recebido as vacinas da Pfizer e da Janssen.
Os investigadores, contudo, descobriram que a família não estava na cidade nas datas em que teria sido vacinada. "A quebra do sigilo telemático de Mauro Cid revela que ele [e as filhas] estavam em Brasília-DF, onde residem", informou o relatório da PGR.
Segundo o documento, os dados de vacinação de Cid e das filhas foram inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde pelo secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha.