Ministérios pedem à PF que investigue racismo contra porta-bandeira no aeroporto de Brasília
Vilma Nascimento, da Portela, foi acusada de furto por uma fiscal e obrigada a esvaziar a bolsa na loja; a empresa pediu desculpas
Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília
Quatro ministérios do governo pediram nesta sexta-feira (24) à Polícia Federal que investigue o caso de racismo sofrido pela porta-bandeira da escola de samba Portela Vilma Nascimento numa loja do aeroporto de Brasília, na última terça-feira (21). As pastas da Igualdade Racial, de Portos e Aeroportos, dos Direitos Humanos e da Cidadania e da Justiça e Segurança Pública enviaram a solicitação ao diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.
No documento, os ministérios destacam que "o episódio apresenta-se como prática irrazoável, desnecessária e com traços de discriminação racial, a ser repudiado pelas instituições democráticas".
O ofício também pede a responsabilização dos envolvidos. Representantes das pastas devem se reunir com a PF na próxima semana para debater medidas de prevenção a casos parecidos.
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Vilma Nascimento foi a Brasília para receber uma homenagem na Câmara dos Deputados no Dia da Consciência Negra e voltava para o Rio de Janeiro quando ocorreu o episódio. Em nota, a loja pediu desculpas, afirmou que a abordagem "não reflete as políticas e valores da empresa" e que "está reforçando todos os seus procedimentos internos e treinamentos, em linha com as suas políticas, para impedir que situações assim se repitam".
Entenda
Segundo a filha de Vilma, Danielle Nascimento, ela e a mãe decidiram comprar chocolates na loja de produtos importados antes de embarcar. Após o pagamento, as duas passaram mais uma vez pela porta da loja, quando foram abordadas por uma fiscal, que as acusou de terem furtado um produto. Danielle filmou o episódio e publicou o vídeo nas redes sociais (veja a gravação abaixo).
Danielle diz que a fiscal recebeu uma informação pelo rádio de que era preciso revistar a bolsa da porta-bandeira. As duas passaram pelo procedimento no meio do estabelecimento, na frente de outras pessoas, até que os funcionários da loja concluíssem que não havia ocorrido nenhum furto.
No vídeo, é possível ouvir Danielle orientar a mãe: "Não fala nada, mãe. Só faz o que ela está pedindo. Depois a gente vê".
Danielle descreveu o ocorrido como "humilhante, que não deveria existir mais no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo". Segundo ela, a mãe "ficou surpresa, revoltada e envergonhada" e tentou chamar a polícia, sem sucesso. Ela teve que ir rapidamente até o portão de embarque para não perder o voo e teria entrado no avião "aos prantos".
Foi uma humilhação que nem eu%2C nem a minha mãe imaginávamos passar nessa vida. Estamos tristes e traumatizadas até agora. Foi um absurdo! Cheguei a perguntar se ela estava fazendo isso conosco pela nossa cor.
Bernard Nascimento, neto de Vilma, disse que os funcionários da loja não pediram desculpas a ela e que a avó ficou muito abalada. "No avião, a aeromoça percebeu que elas estavam bem agitadas e chorando e até lhes ofereceu água. Na terça-feira, minha avó ia chegar ao Rio e ia direto para um jantar na casa da [cantora] Alcione para comemorar o aniversário [da artista]. E ela nem conseguiu ir. Ontem, ela não amanheceu bem, estava com a glicose alta. Tive de levá-la para a minha casa", relatou.
A empresa Dufry Brasil afirmou, em nota, que a abordagem feita pela funcionária "está absolutamente fora do padrão".
A Inframerica, administradora do aeroporto de Brasília, informou que tomou conhecimento do fato e que "repudia qualquer tipo de ação discriminatória, dentro ou fora do aeroporto". "A empresa responsável pelo estabelecimento informou que já tomou as medidas cabíveis e afastou a funcionária", declarou.
Repúdio
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se manifestou nas redes sociais em defesa de Vilma e disse que está tomando providências para ampliar o combate ao racismo no Brasil. A ministra afirmou que entrará em contato com a família para "prestar nossa solidariedade e auxílio".
Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, condenou o episódio.
Inadmissível! Na semana da Consciência Negra%2C um caso absurdo de racismo escancara a dura realidade do nosso país.
"Meu abraço e minha solidariedade a ela e sua filha. Presidente Lula já deu o recado e nós reafirmamos que não vamos tolerar racismo no nosso país", acrescentou o ministro.
A escola de samba Portela publicou uma nota de solidariedade e condenou o ocorrido. "O constrangimento, demonstrado nas imagens divulgadas, é sentido por todos que temos no samba parte importante de nossa identidade e que enxergamos em Vilma uma de nossas grandes referências. Em nome dessa ancestralidade, que orgulhosamente compartilhamos e exaltamos, levantamos nossa voz pedindo para que o caso seja apurado pelas autoridades", diz o texto.