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R7 Brasília

Opinião: Democracia para enfrentar a Violência de Gênero - O Direito de viver sem medo

Edilene Lôbo é ministra do Tribunal Superior Eleitoral; Alexandra Amaral é Procuradora Federal

Brasília|Do R7

Edilene Lôbo é ministra do TSE Luiz Roberto/Seco/TSE/19.06.2024

“Ninguém ouviu, um soluçar de dor, no canto do Brasil....”

A melodia, eternizada na voz de Clara Nunes, é verdadeiro hino de luta e resistência, que ecoa para denunciar as injustiças históricas no Brasil. A opressão refletida na música manifesta-se também de forma sistemática e cruel em relação às mulheres, que sofrem com o silenciamento, a invisibilidade e a ameaça de extermínio.

Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 registrou 1.467 feminicídios no último ano, o maior número desde a instituição da lei que criminaliza esse tipo de violência, em 2015. As mulheres e meninas negras são as principais vítimas, representando 66,9% dos casos registrados[1], revelando a dupla opressão: de gênero e de raça.

Esses números não expressam um equívoco pontual, fruto de alguma anomalia ou justificada por alguma falha nos dados em exercícios anteriores. Não! Anualmente, o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lança um relatório atualizando os dados de violência e há registro de que na década de 2012 a 2022, ao menos 48.289 mulheres foram assassinadas no Brasil [2], situação que não arrefece.


Dados globais evidenciam a gravidade da situação: em 2023, aproximadamente 85 mil meninas e mulheres foram mortas intencionalmente em todo o mundo, sendo que 60% dessas mortes ocorreram pelas mãos de parceiros ou familiares, o que equivale a uma mulher assassinada a cada dez minutos [3].

A violência de gênero envolve grave questão estrutural, a demandar políticas públicas voltadas para assegurar, de forma eficaz, contínua e abrangente, proteção e justiça a todas as mulheres que estejam em situação de vulnerabilidade, com estratégias que envolvam prevenção, proteção e punição. Logo, publicizar o drama vivido por tantas mulheres e criar campanhas e mecanismos de conscientização coletiva é, sem dúvida, muito importante. Porém, também deve ser garantido o acesso a redes de acolhimento para as mulheres vítimas de abuso em todas as suas formas, bem como penalização adequada.


Democracia envolve liberdade e livre arbítrio para realizar escolhas e assumir responsabilidades, atributos que dependem necessariamente que todas e todos possam ter voz, participação política e autonomia. Ameaça e violência são incompatíveis com o pleno exercício de direitos, porque o medo gera intenso sofrimento, desesperança, frustração e a descrença na capacidade de transformação da sociedade.

A violência de gênero também se expressa no espaço político, eis que “apesar de mais da metade da população brasileira ser feminina (51,8%) e de representarem a maioria do eleitorado (52,65%), as mulheres ocupam apenas 17,7% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado”.[4] Nas Câmaras Municipais, lograram 15,80% das cadeiras em 2020 [5], aumentando para 18,20% em 2024. Em relação às Prefeitas, o montante passou de 11,78%, em 2020, para 12,96%, em 2024. E as Vices saíram de 16,03%, em 2020, chegando a 18,78%, em 2024. A maioria numérica segue como minoria política, em quadro de pequena e lenta elevação de um pleito para outro.


A sub-representação política impede que as pautas femininas avancem com a urgência necessária, tornando ainda mais desafiadora a implementação de políticas públicas efetivas para o enfrentamento da violência. E, de passagem, impede a sociedade de participar de disputas eleitorais em que a igualdade seja praticada, falseando outro princípio estruturante da sociedade livre, justa e solidária.

No campo econômico, com a pobreza vitimando de forma mais violenta as mulheres, marcadamente as mulheres negras, anota-se outra intersecção a ser enfrentada.[6]

No dia 8 de março, Dia Internacional de Luta e Resistência em defesa das Mulheres, o lamento sobre a dor dessas maiorias minorizadas traz à tona a necessidade de fortalecer a democracia para garantir o direito fundamental delas à vida, à dignidade e à liberdade. Valores essenciais ao próprio modelo democrático, sem liberdade não há escolhas conscientes e sem vida digna falta a razão de ser da coletividade.

Uma democracia real exige mecanismos que combatam a estrutura de opressão que os números demonstram, com apego intransigente pela liberdade e aversão inflexível à tirania. É essencial fortalecer ações como as que envolvem a aplicação da Lei Maria da Penha de modo rápido e eficaz, de instituição e ampliação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs) e a Política Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio. Outro investimento urgente é no incentivo à participação feminina na política e em todos os espaços de poder. A educação voltada ao respeito das meninas e mulheres, a comunicação não violenta como prática cotidiana e a paz duradoura como meta devem orientar todas essas intervenções.

8 de março deve ser mais um dia seguido de todos os outros que compõem o ano de compromisso firme por ações concretas na proteção das mulheres, sem comedimento covarde ou indiferença preguiçosa.

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