Reflorestamento e oásis para abelhas: projetos que conectam o pantanal ao futuro sustentável
Na série Bioeconomia nos Biomas Brasileiros, R7 mostra iniciativas que unem empreendedorismo e conservação ambiental
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília

O Pantanal, maior planície inundável do mundo, abriga uma biodiversidade rica, com mais de 3.500 mil espécies de plantas e pelo menos 912 espécies de animais, incluindo mamíferos, aves e peixes. Em 2024, entretanto, cerca de 2,6 milhões de hectares do bioma foram devastados pelas queimadas, ameaçando esse patrimônio natural.
Foi diante dessa degradação que Josué Cristaldo, 26 anos, e sua esposa Yris Cusirimay Apuri, 23, reforçaram no ano passado o projeto Meu Quintal é Maior do que o Mundo. A iniciativa, que teve início em 2023, ganhou força após o casal ser selecionado no prêmio Inova Pantanal, promovido pelo Sebrae.
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“No começo, trabalhávamos em uma escola rural do assentamento [72]. Quando meu tempo lá terminou, precisei sair e comecei a produzir mudas para o pessoal replantar”, conta.
Cristaldo conta que a escola do assentamento não tinha nenhuma árvore plantada. “Chovia e ventava tanto que arrancava até as telhas da escola. Foi aí que conversei com minha esposa sobre plantar algumas árvores”.

Movido pela importância do reflorestamento e do bioma, Cristaldo passou a produzir mais mudas e distribuí-las para a comunidade. O casal trabalha com espécies típicas, como Ipê, Aroeira, Angico, Guatambú, Carandá, Peroba e Jatobá.
“Queria tirar o projeto da minha cabeça e torná-lo realidade. Quando surgiu o edital Inova Pantanal, do Sebrae, com premiação de até R$ 15 mil, decidi participar”, explica.
Cristaldo competiu com várias startups e foi selecionado. “Com a monitoria do Sebrae, nosso projeto evoluiu. Passamos a atuar na comunidade, promovendo plantios e reflorestamento. Também levamos educação ambiental para a escola”, conta.
Nesse período, o casal enfrentou o desafio de escoar a produção do Assentamento 72. “O assentamento sofria com a falta de políticas públicas, e queríamos criar um eixo rural. Por isso, lançamos o programa Sacolão de Produtos Orgânicos: compramos a produção local, divulgamos nas redes sociais e entregamos os produtos semanalmente nas casas dos clientes”, explica.
Ele admite que o começo foi difícil, mas o projeto ganhou força. “Hoje, já temos mais de 50 clientes que compram conosco, o que ajuda bastante a comunidade”, afirma.
Quando cultura e meio ambiente se encontram

Ao R7, Cristaldo contou que o nome do projeto nasceu da inspiração com a obra do poeta Manoel de Barros. “Quando li o poema ‘Meu Quintal é Maior do que o Mundo’, me tocou muito. Quando pediram um nome para o projeto, pensei: não tem nome melhor”, relembra.
Ele acredita no poder transformador da cultura e do desenvolvimento local para a juventude — e foi assim que surgiu o Movimento 72. “Queríamos fomentar o turismo no assentamento e mostrar que dava certo. Fizemos o primeiro evento sem dinheiro, só acreditando que daria certo”, afirma.
O evento foi um sucesso, e o casal já prepara a segunda edição. “A ideia é trazer pessoas da cidade para conhecer o assentamento, oferecer educação ambiental às crianças e apresentar nossa floresta e fauna”, diz.
A iniciativa também busca inspirar os jovens da região a permanecerem no território. “Nasci e me criei aqui no assentamento. Tenho um carinho enorme pela escola e por todos que vivem aqui”, afirma.
Cristaldo agora sonha com a construção de um viveiro que permita ampliar o cultivo de mudas nativas do Pantanal, expandir o reflorestamento e contribuir para a preservação do bioma.
“A gente precisa destacar a importância das comunidades na defesa do meio ambiente. Tem muita juventude hoje em dia nessa luta pela conservação. E muitas vezes [o trabalho desenvolvido pelas comunidades] não tem muito holofote”, lamenta o jovem, que é descendente indígena.
Apicultura sustentável no coração do Pantanal

Outro projeto que floresce no coração do Pantanal é a produção e venda de mel silvestre. A iniciativa começou em 2008, liderada pela organização não governamental Ecoa, conforme explica André Luiz Siqueira, diretor-geral de Programas e Projetos da entidade.
“Naquela época, começamos a falar sobre eventos climáticos extremos no Pantanal. A Ecoa foi uma das primeiras a usar essa terminologia. Já se discutiam mudanças climáticas em escala global, mas nós trouxemos o debate para os fenômenos específicos do bioma”, afirma.
Foi também em 2008 que a Ecoa criou a campanha Oásis, diante do colapso global das colmeias — agravado, segundo Siqueira, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos em áreas próximas às regiões protegidas.
Ele destaca que a própria estrutura do Pantanal funciona como barreira contra práticas agrícolas invasivas. “Mesmo com o avanço das plantações durante as últimas secas, a área afetada ainda é pequena diante da dimensão do bioma. Por isso consideramos o Pantanal um oásis de refúgio para os polinizadores”, afirma.
Além de proteger abelhas, morcegos, beija-flores e outros polinizadores, o projeto também buscava gerar renda para comunidades tradicionais do Pantanal. “A ideia era fortalecer esses grupos sociais e, ao mesmo tempo, preservar os polinizadores”, resume Siqueira.
Desafios

Um dos maiores desafios, segundo ele, era a falta de profissionais capacitados para orientar os produtores locais e promover uma mudança de cultura. A virada veio em 2019, quando a Ecoa conseguiu recursos para adquirir kits apícolas e oferecer assistência técnica às famílias.
“A Ecoa oferece assistência técnica mensal às famílias que iniciaram o trabalho conosco”, afirma Siqueira. Uma das conquistas do projeto foi a construção de um centro de processamento apícola — um dos dois existentes em Corumbá, o maior município da planície pantaneira.
“Criamos esse espaço para garantir o processamento adequado do mel, com selo de origem e qualidade, agregando valor ao produto.” Ele explica que o verão é o período mais produtivo para a apicultura e coincide com a piracema, quando a pesca é proibida para permitir a reprodução dos peixes. “Durante esses quatro meses, a renda com a pesca despenca, e a apicultura surge como uma alternativa importante para complementar o sustento das famílias”, explica.
Impacto das queimadas
Siqueira faz um alerta sobre os riscos crescentes das queimadas no Pantanal. “O fogo ameaça a produção apícola de duas formas: diretamente, ao queimar os apiários, e indiretamente, com a fumaça, que enfraquece ou até colapsa os enxames e as colmeias”, explica.
Ele destaca que, diante desse cenário, muitas famílias se mobilizaram e hoje atuam como brigadistas voluntários, ajudando a conter o avanço do fogo. “A apicultura é uma atividade essencial, mas exige investimento, dedicação, conhecimento técnico e resiliência”, conclui.
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