A busca incansável de um pai pela filha desaparecida
Song Gil-yong virou um trágico símbolo nacional em busca de Song Hye-hee, que sumiu quando tinha apenas 17 anos
Internacional|John Yoon, do The New York Times
Seul, Coreia do Sul – Os banners azuis e amarelos espalhados pela Coreia do Sul mostravam uma garota de 17 anos com olhos gentis e um corte de cabelo chanel, o sorriso congelado no tempo. As letras vermelhas ao lado do retrato gritavam a urgência que durante um quarto de século nunca diminuiu. “Ajudem-me a encontrar Song Hye-hee!”
Depois que ela desapareceu, em uma noite de inverno de 1999, seu pai, Song Gil-yong, fez das buscas seu objetivo de vida, viajando pelo país para distribuir as faixas e substituindo as já desbotadas pelo sol e pela chuva, enquanto o próprio rosto se tornava mais enrugado e queimado pela exposição.
Ele as estendia nas calçadas, enquanto os pedestres seguiam apressados para o trabalho. Mais ou menos do comprimento de um automóvel, à noite refletiam o brilho das luzes e dos luminosos. “Ele tinha a esperança de que ela estivesse em algum lugar. Tinha um único desejo: poder voltar a lhe segurar a mão um dia”, contou Na Joo-bong, de 67 anos, presidente de uma organização nacional que busca crianças desaparecidas na Coreia do Sul e um dos confidentes mais próximos de Song.
As faixas o transformaram em símbolo da dedicação paterna no país, mas o custo pessoal disso foi altíssimo: sua mulher tirou a própria vida; a relação com a filha mais velha degringolou; as economias foram minguando a cada nova faixa que fazia e a cada quilômetro que percorria com sua picape branca pequenina. Em meados deste ano, esquálido e exausto em um leito de hospital, ainda imaginava se um dia voltaria a ver sua caçula.
Em 13 de fevereiro de 1999, Song Hye-hee, segundanista da Songtan Girls’ High School, em Pyeongtaek, ao sul da capital, jantou com amigos e pegou o ônibus para voltar para casa, aonde nunca chegou. O motorista disse a Song, na época com 45 anos, que a jovem descera no ponto final com um homem de 30 e poucos anos que parecia ter bebido. A parada ficava a quase dois quilômetros de onde ela morava, situada em uma região mal iluminada, com ruas de terra.
A polícia classificou a garota como “fugitiva”, uma vez que, na época, a lei sul-coreana considerava desaparecidas apenas as crianças com menos de oito anos. A legislação acabou mudando, mas essa condição inicial forçou Song e a mulher a iniciar as buscas sozinhos. Dias depois, ele implorou pela ajuda oficial, e as autoridades começaram a investigar o caso como possível sequestro; entretanto, não encontraram um rastro sequer.
A procura se tornou o único objetivo de vida do casal, que vendeu o centro de reprodução canina que tinha e esvaziou as economias para fazer folhetos e cartazes. Os dois passaram a viajar pelo país para pregá-los nas árvores próximas a acostamentos e postes, sobrevivendo à base de soju, cigarros e macarrão instantâneo.
Nas entrevistas para a TV, Song disse que a mulher o ajudou a distribuir panfletos até ficar com os dedos em carne viva. Juntos, retiravam os que tinham sido jogados nas latas de lixo de banheiros públicos e voltavam a entregá-los. “Não tem um dia em que eu não pense em Hye-hee. Acho que não há quem consiga viver bem depois de perder um filho”, confessou ele em 2013.
Foi o caso da esposa de Song, que não conseguiu lidar com a carga emocional da busca. “Um pouco também porque era órfã. Acabou se suicidando alguns anos depois do sumiço de nossa filha.” Ele a encontrou caída, abraçada a uma pilha de folhetos com a foto de Hye-hee.
Sua morte fez com que ele também tentasse se matar diversas vezes, até que a filha mais velha, Eun-ju, conseguiu convencê-lo a continuar vivo. “Ela disse que também ficaria órfã se eu morresse”, contou ele em entrevista para a TV.
Com o tempo retomou as buscas, sempre batalhando sozinho. Normalmente, saía de manhãzinha com a picape do conjunto habitacional em que morava e só voltava à noite. Às vezes, pegava a balsa rumo às ilhas mais remotas do litoral, contando com a possibilidade de que, por algum motivo, Hye-hee estivesse vivendo ali.
Song bancava as despesas diárias e a campanha com o que ganhava como peão de obra e a venda de papelão para reciclagem, mostrando-se impaciente quando o corpo começou a fraquejar e a família, a ficar incomodada com a publicidade que vinha recebendo. “Ele começou a se questionar por quanto tempo mais teria condição de continuar as buscas”, confirmou Ma Myong-nak, de 59 anos, dono de uma gráfica em Pyeongtaek que fez mais de mil faixas para Song nos últimos dez anos.
Só que não se imaginava fazendo outra coisa. No apartamento que ocupava em Pyeongtaek, colara na parede perto do travesseiro fotos de Hye-hee e da mulher. Na revelou que Song não conseguia dormir se não olhasse para as imagens das duas. “Chegava a adoecer se não saísse para procurá-la. Sentia um remorso tão grande que não conseguia levar uma vida normal”, completou Choi Jong-hyun, de 43 anos, gerente de um restaurante de beira de estrada a oeste de onde Song morava e por onde volta e meia passava para distribuir folhetos.
Em várias ocasiões ao longo dos anos, Song viu as esperanças renovadas, principalmente por causa de estranhos que ligavam para o número que deixara nos cartazes, dizendo que sabiam do paradeiro da jovem. Em uma ocasião, em 2012, estava em casa, com um produtor de TV, quando recebeu o torpedo de um homem que alegara ter visto Hye-hee em uma cidadezinha próxima – e simplesmente saiu correndo, pulou no automóvel e saiu em disparada, chegando esbaforido à delegacia onde combinara de se encontrar com o sujeito, mas a descrição da mulher que vira não correspondia à imagem gerada de computador de sua filha com 30 anos. Voltou para casa soluçando.
O estatuto de limite para a entrada de uma eventual ação penal relativa ao caso venceu em 2014; além disso, Song começou a sentir a demanda física da busca; várias vezes caiu da escada em que subia para prender as faixas, e acabou com uma hérnia de disco e uma grave lesão cerebral.
Entretanto, não desistiu. Na igreja presbiteriana que frequentava no bairro onde morava, os fiéis o descreveram como arredio socialmente, só ficando para almoçar depois do culto de domingo, saindo logo em seguida para passar o dia pendurando faixas. “Era uma pessoa muito triste”, descreveu Lee Jae-il, um dos membros da congregação.
Segundo Na, a campanha de Song acabou afastando-o da filha mais velha, que não conseguia lidar com a atenção pública constante e as críticas dos sogros. “Foi ela que emprestou a picape para ele, mas em 2018 acabou pegando de volta, na esperança de acabar com o que via como uma obsessão destrutiva.” Ela não atendeu aos nossos pedidos de entrevista.
Song acabou comprando outro veículo com o dinheiro que recebera de um doador anônimo, mas sofreu outro golpe terrível em 2022, quando a neta adolescente, filha mais velha de Eun-ju, cometeu suicídio, como contou Na. “Ele disse que, se a outra filha morresse também, não lhe restaria nada. A essa altura, começou a questionar se Hye-hee estava viva e a lamentar o rumo que sua relação com Eun-ju tinha tomado.”
Mesmo assim, os amigos, com medo de feri-lo ainda mais, achavam difícil aconselhá-lo a interromper as buscas. “Não é fácil abrir mão de algo que você vem fazendo há 25 anos. Procurar a filha era o que lhe dava forças para continuar vivendo”, declarou Kim Rye-yeong, de 39 anos, com quem engatou uma amizade no fim da vida.
Segundo as contas do próprio Song, até 2017 ele havia percorrido mais de 800 mil quilômetros, distribuído três milhões de panfletos e pendurado 2.500 faixas. “Eu me sinto quase feliz quando estou fazendo essas coisas. Não estou nem aí se acham que é obsessão”, afirmou ele em entrevista a um jornal em 2020.
Este ano, porém, sua saúde chegou ao limite; em agosto, foi internado com covid e diagnosticado com uma doença cardíaca. No dia 26, por volta do meio-dia, estava em Pyeongtaek quando sofreu um enfarte ao volante e a picape em que se encontrava atravessou o canteiro, acertando em cheio o veículo que passava. Segundo o policial local Kim Byung-sik, Song ainda foi levado para o hospital, onde morreu, aos 71 anos.
Desde então, as faixas que durante tanto tempo pontilharam a paisagem local praticamente desapareceram – mas Na, que prometeu a Song continuar procurando Hye-hee, disse que pretende colocar na rua as que o amigo ainda tinha guardadas.
c. 2024 The New York Times Company