Ativistas criticam projeto de Constituição, mas afirmam que Egito não está a caminho de ditadura islâmica
Egito realiza neste sábado (15) a primeira etapa do referendo sobre a nova constituição do país
Internacional|Natália Guerra, do R7

Um projeto de constituição feito às pressas, que não garante liberdades básicas às mulheres e é considerado um risco aos direitos humanos. Um presidente que promulga superpoderes que o protegem da Justiça. Tudo isso em um país dividido entre simpatizantes e opositores ao governo, que se enfrentam diariamente nas ruas.
É diante desse cenário que o Egito realiza neste sábado (15) a primeira parte do referendo sobre a nova constituição do país — o que pode mudar os rumos da maior e mais influente nação árabe.
Apesar das graves críticas à Irmandade Muçulmana, o grupo islâmico que sustenta o presidente Mohamed Mursi no poder, ativistas e organizações internacionais entrevistados pelo R7 afirmam que o Egito não está a caminho de uma ditadura islâmica. Para eles, os egípcios estão vivendo um intenso processo democrático.
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Claramente baseado na sharia (código de leis do islamismo), o texto que irá a referendo hoje e no dia 22 de dezembro é criticado pelos opositores por ter sido redigido e aprovado sem consenso.
A Assembleia Constituinte acabou se esvaziando após a retirada dos deputados que formavam a minoria laica. Segundo os opositores, o grupo abandonou o processo em protesto ao domínio dos islamitas e em razão do projeto conter artigos que deixam desprotegidos os direitos humanos.
Para a coordenadora da ONU Mulheres no Egito, Maya Morsi, o problema do projeto não é o fato de os responsáveis serem os islamitas, mas, sim, que ele não prevê o respeito aos direitos humanos, à liberdade, à dignidade e à justiça social.
— Se esses direitos não forem cobertos pelo contrato social, ou seja, pela Constituição, este será o ponto do conflito. Independentemente se [os responsáveis pelo projeto constitucional] forem islâmicos ou não.
Alguns artigos do projeto constitucional causam especial temor, como o artigo 10, que estabelece a sharia como fonte primária da legislação, e o artigo 11, que prevê que o Estado deve "proteger a ética, a moral e a ordem pública" — redigido em linguagem aberta a interpretações, o que pode justificar limitações aos direitos fundamentais.
Maya também lembra que o texto não prevê a supremacia das leis internacionais sobre as nacionais, o que coloca em dúvida o comprometimento do Egito com os direitos humanos.
Culturas patriarcais
Para o vice-diretor da divisão do Oriente Médio e Norte da África da ONG Human Rights Watch, Joe Stork, é importante existirem proteções legais fortes, especialmente em culturas que são muito patriarcais.
Em entrevista ao R7, Joe Stork disse, no entanto, acreditar que o que está acontecendo no Egito pós-Primavera Árabe é natural em processos revolucionários e não tem ligação direta com o islamismo.
— [No caso egípcio], não diria que se trata de uma ditadura em curso, e sim de estruturas políticas autoritárias. [...] Sabemos que, historicamente, as revoluções, mesmo aquelas com aspirações democráticas, às vezes tornam-se ditaduras. Isso acontece por causa da natureza do poder e, muitas vezes, de crises econômicas. [...] Aconteceu de o partido vencedor das eleições no Egito e da maioria da Assembleia na Tunísia serem islâmicos, mas isso não foi causado pelo islamismo.
O assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, Maurício Santoro, disse ao R7 que não há, hoje, uma grande preocupação com o estabelecimento de uma ditadura no Egito, pois existem forças que garantem certo equilíbrio político no país. Ele cita como exemplo a forte reação ao decreto presidencial de Mursi, que lhe concedeu "superpoderes" e que foi anulado, em parte, devido à pressão popular.
— Os egípcios estão lutando para defender seus direitos.
A ONG, no entanto, está preocupada com o conteúdo do projeto constitucional.
— Nossa preocupação é o que esse regime, por esse peso excessivo da religião no Estado, pode trazer para as mulheres e também para outras minorias [como as religiões minoritárias, especialmente as não monoteístas, como a bahai]. Isso é perigoso.