O mundo em chamas — e o Brasil obcecado por Israel
Brasil tem desafios colossais dentro de casa: desigualdade estrutural, pobreza, violência, falta de acesso à educação e à saúde
Internacional|Cláudio Luiz Lottenberg*, especial para o R7

Enquanto o mundo enfrenta algumas das mais graves crises humanitárias da atualidade — perseguições étnicas, guerras civis, autoritarismo, fome e apagamento de direitos fundamentais —, o Brasil parece olhar para fora com um único foco: Israel. A insistência quase ritual de parte da opinião pública, de setores acadêmicos, políticos e até diplomáticos em denunciar o Estado judeu, ao mesmo tempo em que se cala diante de tragédias muito mais extensas e brutais, revela um descompasso que já não pode ser explicado apenas por preferência ideológica. É seletividade. É hipocrisia. E, em alguns casos, é antissemitismo.
Basta comparar. Milhares de crianças uigures estão em campos de “reeducação” na China. Mulheres afegãs foram banidas do ensino e da vida pública. Centenas de milhares de pessoas foram assassinadas em conflitos internos na Síria, no Sudão, no Congo. A Rússia prende opositores e desaparece com jornalistas. A Venezuela e a Nicarágua desmontaram instituições democráticas. E, ainda assim, a maior parte da indignação brasileira dirigida à política externa parece se concentrar obsessivamente em Israel — uma democracia cercada por inimigos armados, cujo território é menor que o estado de Sergipe.
O caso de Israel é único também por outro motivo: existe uma sistematização ativa para deformar a percepção da realidade. Números de vítimas são divulgados sem verificação, mesmo quando fornecidos por fontes ligadas diretamente ao Hamas — organização reconhecida como terrorista pela União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e outros países. A linguagem se torna seletiva: mortes causadas por ataques deliberados de grupos jihadistas são relativizadas, enquanto ações de autodefesa do Estado israelense são transformadas em crimes por antecipação.
Tudo isso se agrava com a dependência quase automática dos relatórios de uma ONU politizada. Órgãos multilaterais que deveriam zelar por imparcialidade foram, há décadas, capturados por maiorias hostis a Israel, distorcendo a pauta dos direitos humanos. É a mesma ONU que produziu o infame relatório comparando Israel ao apartheid sul-africano — ignorando que cidadãos árabes participam do Parlamento, da Suprema Corte e do próprio governo israelense. É a mesma ONU que silencia sobre os reféns judeus mantidos em Gaza, mas multiplica resoluções condenando Israel por se defender.
É legítimo criticar qualquer governo — inclusive o israelense. Democracias vivem de debate. Mas quando essa crítica ignora o contexto, distorce os fatos, esconde os números e adota pesos e medidas diferentes, ela deixa de ser uma manifestação de consciência e passa a ser um instrumento de deslegitimação.
Negar a Israel o direito de existir com segurança é negar esse direito ao povo judeu. E quando se exige de Israel o que não se cobra de mais nenhum país, é preciso ter coragem de dar nome a isso: é preconceito. É a forma moderna de um antissemitismo que se apresenta como virtude, mas opera pela negação de direitos básicos.
O Brasil tem desafios colossais dentro de casa: desigualdade estrutural, pobreza, violência, falta de acesso à educação e à saúde. Olhar para o mundo com senso de justiça é importante, mas isso exige equilíbrio e coerência. Não podemos aceitar que o mesmo país que se cala diante de genocídios, crimes de guerra e ditaduras brutais, se torne implacável apenas com Israel — e justamente quando Israel responde a ataques terroristas.
Direitos humanos não podem ser usados como arma ideológica. E tampouco podem ser usados para encobrir antigas intolerâncias com nova linguagem. Quando a crítica vira obsessão, e o silêncio vira seletividade, a justiça cede lugar à manipulação.
Se queremos lutar por um mundo mais justo, devemos fazê-lo com universalismo — não com alvos pré-selecionados. Se há algo que o Brasil pode ensinar ao mundo é o valor da diversidade. Mas para isso, é preciso aplicá-la com coragem também no campo das ideias.
*Cláudio Luiz Lottenberg é médico oftalmologista e presidente da Confederação Israelita do Brasil (CONIB)
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