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Mutação genética causa a Apraxia de Fala na Infância, mostra estudo

Autores preparam publicação em revista científica ainda neste ano

Saúde|Da Agência Brasil

Apraxia interfere na reprodução dos sons da fala
Apraxia interfere na reprodução dos sons da fala

Novos conhecimentos científicos vão ajudar crianças brasileiras com AFI (apraxia de fala na infância). Por meio de mapeamento genético realizado pela Abrapraxia (Associação Brasileira de Apraxia de Fala na Infância), em parceria com o Centro de Estudo do Genoma Humano da USP (Universidade de São Paulo), foram identificados 18 novos genes causadores desse tipo de transtorno, que atinge duas a cada mil crianças no Brasil. Pela primeira vez, um mapeamento genético de apraxia de fala é realizado no Brasil, e as novas informações vão se somar aos estudos realizados somente nos Estados Unidos e na Austrália.

A identificação de 18 novos genes é o primeiro resultado da pesquisa inédita, que vinha sendo realizada havia cerca de dois anos em 93 crianças previamente diagnosticadas com apraxia de fala grave, para identificar as alterações genéticas que levam ao transtorno. A AFI, que ainda passa por muito desconhecimento no Brasil, interfere na reprodução dos sons da fala. A criança sabe o que quer dizer, mas o cérebro não envia os comandos adequados para movimentar os articuladores — a língua, os lábios e a mandíbula.

Em matéria publicada pela Agência Brasil em agosto do ano passado, pais de crianças diagnosticadas com o transtorno e pesquisadores envolvidos no estudo, financiado pela associação e pela USP, tinham a expectativa positiva do que poderia ser desvendado. Agora, a descoberta, coordenada pela geneticista e pesquisadora do Centro de Estudo do Genoma Humano da USP Maria Rita Passos Bueno, é considerada um avanço mundial na busca da origem do transtorno neurológico, que acontece quando o cérebro falha no envio dos comandos da fala.

“Aumentou o número de genes candidatos, que, quando tiver uma alteração importante, podem explicar a apraxia de fala, e, além disso, a gente está incluindo novos genes que nunca tinham sido associados à AFI nem a problemas de fala. É uma novidade no mundo. A gente ampliou os dados que já tinha na literatura de maneira substancial”, explicou a geneticista em entrevista à Agência Brasil.


A médica disse que, com o resultado, é possível saber se um casal que tenha uma criança com o transtorno poderá no futuro ter outro filho ou filha com apraxia. “Para o planejamento familiar, é extremamente importante. O que a gente observou também é que é comum os pais acharem que fizeram alguma coisa de errado quando têm um filho com doença genética. Primeiro, a gente nem sabia direito que era genética; agora, em torno de 60% dos casos a gente achou a variante que causa o problema, e a maioria deles a gente verificou que a variante aconteceu na criança. Não é que foi herdada. É uma mutação que aconteceu na criança”, disse.

Segundo Maria Rita, essa criança com apraxia poderá transmitir a mutação a um filho. “A chance de transmitir é de 50%. Aí sim, passa a ser hereditário”, explicou.


A geneticista afirmou que a intenção é seguir com a pesquisa com outro tipo de análise em 40% da amostra, na qual não foi identificada a alteração genética que explicasse a apraxia de fala. “A gente precisa fazer outros tipos de análises e de testes para ver se consegue identificar o que tem de alterado”, acrescentou.

Associação

A Abrapraxia foi criada a partir da união de três famílias com filhos diagnosticados com o transtorno que criaram uma rede de apoio em 2016. O resultado dessa primeira fase da pesquisa, concluída em julho deste ano, além da busca por mais conhecimento sobre a AFI, reflete-se nas famílias das crianças com o transtorno, especialmente em variáveis psicológicas, como ansiedade e culpa.


De acordo com a geneticista, foi possível verificar que são poucos os casos de herança genética e que os riscos de outro nascimento com apraxia de fala são iguais às de qualquer outra família.

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José Márcio Fernandes, um dos pais fundadores da associação e diretor de pesquisa e desenvolvimento da Abrapraxia, disse à Agência Brasil que, quando a filha Giovana, de 12 anos, foi diagnosticada com apraxia, há cerca de oito anos, sentiu a necessidade de saber o que causava o transtorno, mas não encontrou uma resposta definitiva.

“A gente veio nessa busca e decidiu tratar todos os sintomas da apraxia com fonoaudiologia, através de especialistas cuidando de toda a estratégia de tratamento da Giovanna. Mas a gente sempre ficou com essa questão na cabeça, de qual era a causa da apraxia de fala das crianças em geral”, lembra, e acrescenta que, a princípio, ele e a mulher, Juliane, decidiram iniciar uma pesquisa genética em um instituto de São Paulo, mas não chegaram a nenhuma conclusão.

Os estudos realizados em outros países tinham identificado 38 genes relacionados à apraxia de fala na infância. Agora, após o resultado da primeira fase da pesquisa da USP, o número saltou para 56. No Brasil, nem sempre o diagnóstico do transtorno é correto, o que também ocorre com crianças com espectro autista e com outros transtornos neurológicos. A causa é a falta de conhecimento entre profissionais da saúde e da educação, por isso a investigação genética se torna ainda mais importante.

De acordo com José Márcio, o estudo partiu de uma base de 500 famílias de crianças no Brasil com apraxia de fala severa; porém, devido à dificuldade de recursos, foram selecionadas 150 crianças, que passaram por análises com fonoaudiólogos qualificados pela associação. Ao longo do processo, algumas não conseguiram continuar no tratamento, e a pesquisa no fim ficou com 93 crianças, nas quais foram identificados os 18 novos genes causadores do transtorno. “A USP conversou com todas as famílias e pôde dar um aconselhamento genético a cada uma. Havia famílias com muitas dúvidas, como 'se eu tiver mais um filho, será que vai ter novamente apraxia da fala na infância?'”, contou.

Segundo José Márcio, quando, há cinco anos, o banco de dados dos estudos, que já vinham sendo realizados, estava mais ampliado em relação à genética, o casal refez o exame de Giovanna e descobriu que a filha tem uma mutação genética rara identificada em apenas 70 crianças no mundo. Como exemplo da importância da genética, ele lembrou que pesquisas mostraram que 60% das crianças com o mesmo diagnóstico da filha tinham epilepsia de ausência, que não dá crise severa, mas a criança apaga por alguns segundos, o que danifica neurônios.

“Nos exames normais de eletroencefalograma, essa epilepsia não é detectada, e a gente teve a recomendação dos especialistas dos Estados Unidos para um exame mais longo, no qual a criança fica por 12 horas fazendo esse exame, e a gente descobriu que a Giovanna tinha essas crises de epilepsia de ausência, e ela começou a tomar os medicamentos para combater as crises. Esse medicamento ajudou muito no tratamento dela”, disse.

A médica Maria Rita informou que a primeira etapa do estudo, que terminou em julho deste ano, chamado de "Etiologia genética de crianças com apraxia de fala", será encaminhada pela USP para publicação nas revistas científicas na área de genética com visibilidade internacional. “A gente está escrevendo os resultados para submeter à publicação. A gente está trabalhando com bastante dedicação nessa parte, e a ideia é submeter quanto antes esses resultados”, revelou, estimando que a publicação deve ser feita perto fim do ano.

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José Márcio ressaltou que o resultado também foi apresentado pela Abrapraxia na conferência americana Apraxia Kids 2023 National Conference, evento sobre o assunto que aconteceu no Texas, de 6 a 8 de julho.

Mais informações sobre a apraxia de fala na infância estão no site e nas redes sociais, como Instagram, Facebooke LinkedIn, da associação.

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