O acordo de cessar-fogo firmado entre Israel e o grupo palestino Hamas, nesta quarta-feira(21), foi um avanço diplomático comemorado por todos os envolvidos na disputa. Mas até o momento, o Egito e a Irmandade Muçulmana, que governa o país, são os principais vencedores políticos do episódio. A conduta do partido islâmico - democraticamente eleito pelo povo egípcio após as revoltas da Primavera Árabe - na conciliação entre Israel e palestinos, foi amplamente elogiada pelos EUA e por líderes judeus, como o ex-premiê Shimon Peres. Porém, ainda é cedo para admirar plenamente o resultado desta inédita mediação. Enquanto palestinos celebravam nas ruas, logo após início formal do cessar-fogo, às 17h (Brasília) desta quarta-feira, foguetes continuavam a ser lançados da Faixa de Gaza em direção ao território israelense, conforme foi reportado pela mídia local e confirmado ao R7 por brasileiros que vivem na região.Após cessar-fogo, ataques do Hamas continuamEgito anuncia cessar-fogo entre Exército de Israel e milícias de GazaBrasileira conta como está Tel Aviv depois de ataque a bomba Por isso, a trégua liderada pelo governo do Egito, ainda corre o risco de sofrer um revés. Neste caso, sua candidatura ao papel de interlocutor entre as potências ocidentais e o mundo árabe seria prejudicada, dificultando as ambições internacionais do país. O retorno do Egito ao tabuleiro do Oriente Médio é muito bem recebido pelos EUA, Israel e seus aliados, sendo considerado um progresso positivo concebido pela Primavera Árabe. Mas, o governo da Irmandade Muçulmana surge em momento complicado da sua vizinhança geopolítica. Por isso, a liderança pretendida pelo país é uma faca de dois gumes. Se tudo der certo em relação ao acordo entre Israel e Hamas, o Egito ganhará credibilidade e deverá continuar a abrir portas. Porém, se a crise piorar, o país poderá ser obrigado a escolher um dos lados do conflito. O risco de uma radicalização egípcia está em questão, sobretudo ao examinarmos o delicado panorama regional em que o país está inserido: o Estado de Israel está isolado; governos islâmicos tradicionais estão ameaçados pelos movimentos revolucionários da Primavera Árabe; e a questão nuclear iraniana é latente, isto sem citar outros contenciosos menores. Serão os egípcios capazes de agradar gregos e troianos sem se ferir? Neste melindroso jogo de forças, a culpa de um fracasso nas negociações promovidas pelo Egito poderá recair sobre esta recém instaurada democracia. Se não houver um cessar-fogo duradouro e as mortes de palestinos e israelenses continuarem, a imagem da Irmandade Muçulmana será diretamente afetada. Dessa forma, uma das manobras disponíveis, que poderá salvar o país da insatisfação popular nacional - capaz de derrubar governos - e do isolamento político na região, seria se aliando ao Irã, opositor ferrenho de Israel e dos EUA.Na jaula com os leões A crise entre o grupo extremista Hamas e Israel, na Faixa de Gaza, foi o primeiro teste internacional para o novo governo do Egito. Na gestão anterior, sob o comando do ex-ditador Hosni Mubarak, o país foi fiel aliado dos EUA, portanto, também era próximo de Israel. Por cerca de 30 anos, este fato o colocou em choque direto com outras potências islâmicas, como o Irã. A escalada do partido muçulmano ao poder alterou esta situação. Recentemente, a diplomacia egípcia abriu um canal de diálogo com vários grupos políticos e de insurgentes palestinos. Diante do imediato avanço, torna-se indiscutível que esta renovação já facilitou a conciliação hoje vigente. O progresso, da quarta-feira, era até pouco tempo quase impossível, pois não existia de fato um mediador legítimo para os dois lados que viabilizasse o diálogo. O papel de moderador na negociação entre os EUA, Israel e aliados com as nações e comunidades islâmicas, aparentemente pleiteado pelo Egito, nasce em um ambiente hostil. O ditador sírio, Bashar Al Assad, em meio à guerra civil local, pode entrar no conflito palestino e utilizar a crise de Gaza como argumento para reunificar o país contra um inimigo externo. O grupo extremista Hezbollah, que utiliza o Líbano como base, também é um fator desestabilizador. Se seu braço armado entrar em ação, será capaz de forçar Israel a atacar o vizinho do norte, o que poderá ser imediatamente respondido pelas autoridades governamentais libanesas. Em 2010, a Turquia rompeu relações com o Estado judaico, motivada na ocasião pela ação desmedida do exército israelense contra uma fragata de ativistas, que tentavam chegar ao território palestino ocupado. O incidente foi grave e acarretou na morte de cidadãos turcos. Neste sentido, durante os ataques dos últimos oito dias, Ancara foi coerente ao acusar Israel de ser responsável por uma "limpeza étnica" na Faixa de Gaza. Outro país, que transita facilmente entre os grupos radicais da região, é o Irã. A nação persa, por sua vez, tem uma relação complicada com o Ocidente, e é invariavelmente contra o Estado judaico e a presença americana na região. Além disso, provavelmente os próprios iranianos colaboraram no armamento de terroristas, estando indiretamente por trás do ataques do Hamas. Diferente das instáveis e belicosas nações préviamente citadas, os egípcios aparentemente estão dispostos e com uma postura conciliatória, renovando os eixos de influência regional. O Egito tem uma enorme população, uma influente cultura, e um legado de liderança entre os árabes. Além disso, ele é hoje simultaneamente um Estado democrático e islâmico. Assim, é saudável o retorno deste importante e histórico jogador ao tabuleiro político do Oriente Médio.Equilibrista da diplomacia Após o caos que derrubou a antiga ditadura de Mubarak, os EUA foram prestativos com a nova gestão egípcia fornecendo recursos finaceiros que garantiram a estabilidade da economia local durante a transição política. Os norte-americanos também colaboraram significativamente ao reconhecer o processo de reformas intitucionais do Egito, que se desenvolveram com a Primavera Árabe. Logo, a Casa Branca teve papel fundamental para alavancar a credibilidade do governo liderado pela Irmandade Muçulmana, que no passado foi considerado um grupo terrorista. Por isso, o presidente egípcio, Mohamed Mursi, não deve ter dúvida de que depende dos recursos materiais e respaldo político recebidos de Washington. Por outro lado, a Irmandade Muçulmana conquistou boa parte dos votos que a elegeram devido ao seu perfil religioso. Consequentemente, o partido está contantemente sendo vigiado e cobrado pelos seus patrocinadores, militantes e eleitores. Dessa forma, as decisões diplomáticas que partirem dos palácios governamentais no Cairo, devem cuidadosamente equilibrar as demandas norte-americanas, as da sua base política doméstica e, ainda, as das nações árabes e islâmicas aliadas.