Proposta foi aprovada em primeiro turno
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom Agência BrasilUma proposta de emenda em tramitação no Parlamento da Itália pode fazer com que o ex-presidente Jair Bolsonaro perca a possibilidade de ser um cidadão italiano. Aprovado em primeiro turno na última quinta-feira (26), o texto, de autoria do deputado esquerdista Angelo Bonelli, sugere a proibição dos vistos permanentes para pessoas condenadas por conspiração política e crimes contra o Estado.
Na Itália, o direito à cidadania é garantido por ascendência. O ex-presidente é neto de italianos e atualmente tem a possibilidade legal de se tornar ítalo-brasileiro. Em janeiro, quando estava nos Estados Unidos, Bolsonaro disse que, "pela legislação", seria cidadão do país europeu.
"Minha família é de Pádua [província na Itália]. Pela legislação, eu sou italiano. Tenho avós nascidos na Itália. A legislação de vocês diz que eu sou italiano", afirmou, em declaração dada ao jornal italiano Corriere Della Sera, em Orlando (EUA).
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Após a declaração de Bolsonaro, Bonelli, que é filiado ao partido Verdi e Esquerda, pediu ao governo italiano que não conceda a cidadania ao ex-presidente nem a seus filhos e chamou-os de "golpistas".
Bonelli também pressionou o chanceler da Itália, Antonio Tajani, a informar se o ex-presidente havia entrado com um pedido de nacionalidade no país. A reportagem procurou a assessoria do ex-chefe do Estado para questionar se ele havia feito uma solicitação neste ano, mas não obteve retorno.
A emenda do deputado está incluída em um projeto de lei italiano que endurece as penas de crimes contra a mulher. A proposta estabelece que estrangeiros condenados por violência de gênero devem ter a cidadania negada, assim como aqueles condenados por conspiração política e crimes contra o Estado.
"O governo se compromete a avaliar a oportunidade de rejeitar o pedido de cidadania italiana, fazendo as alterações legislativas apropriadas da lei 91, de 5 de fevereiro de 1992, para os condenados, inclusive no exterior, por crimes de violência doméstica, violência contra a mulher, crimes de terrorismo, crimes de violência sexual e pedofilia, crimes de crime organizado, crimes de tráfico de drogas, crimes que visam à conspiração política e contra o Estado", determina a lei.
A proposta foi aprovada em primeiro turno por 191 votos favoráveis e seis contrários. Para entrar em vigor, ela precisa ainda passar por um segundo turno, que não tem previsão de data para ser realizado. Considerando-se o placar da última quinta-feira, a expectativa é que o projeto avance e entre em vigor.
Durante a sessão no Parlamento italiano, o deputado deixou claro que a emenda se inspirava no ex-presidente brasileiro. "Quando estava pensando no texto da emenda, o caso Bolsonaro me veio à mente. A Itália não pode permitir que pessoas que tenham conspirado contra o Estado possam ter a cidadania reconhecida. Isso não faz bem para a nossa democracia", afirmou.
Bolsonaro não foi condenado pelos crimes previstos pela emenda de Bonelli. Atualmente, o ex-presidente é investigado pela Polícia Federal (PF) por supostamente ter arquitetado um golpe de Estado. No dia 18 de outubro, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro aprovou um relatório que pediu o indiciamento de Bolsonaro por associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.
Caso o ex-presidente permaneça sem débitos com a Justiça por crimes contra o Estado e solicite a cidadania italiana, ele não será impedido. O mesmo acontecerá se ele for condenado, mas sem o vigor da proposta.
De acordo com Ana Flávia Velloso, especialista em direito internacional pela Universidade de Brasília (UnB), caso seja futuramente condenado com a emenda de Bonelli em vigor, a condição de ser um ex-chefe de Estado não o isentaria do impedimento de ter uma nacionalidade italiana.
"As imunidades alcançam o chefe de Estado, e não o ex-chefe de Estado. Além disso, essas imunidades não têm a ver com a questão da nacionalidade. As leis relativas à nacionalidade são da soberania exclusiva do Estado. Cada Estado decide quem são os seus nacionais, criando seus próprios critérios", afirma.
Segundo a especialista, caso exista um cenário que prejudique o ex-presidente, ele será impedido de obter a cidadania italiana por órgãos responsáveis pela entrega de nacionalidades.
Em outubro de 2021, quando ainda era presidente da República, Bolsonaro foi agraciado com o título de cidadão honorário da pequena vila de Anguillara Veneta, onde moraram os seus antepassados.
A concessão do título a Bolsonaro dividiu opiniões na Itália. A responsável por conceder a honraria foi a prefeita da cidade, Alessandra Buoso, que é filiada a um partido de extrema direita do país. Nas ruas da vila, moradores fizeram protestos contra o ex-presidente, mencionando a sua postura durante a pandemia de Covid-19.
A especialista em direito internacional explica que a homenagem não tem fundamentos jurídicos equivalentes a uma concessão de nacionalidade. Dessa forma, o fato de ser um cidadão honorário da vila não garante direitos que podem transformá-lo em um cidadão italiano.