Em resposta a Trump, Lula diz que reciprocidade será aplicada: ‘Soberania e defesa’ do Brasil
Guiado por suposta censura e processo contra Bolsonaro, norte-americano anunciou que vai taxar produtos brasileiros
Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu nesta quarta-feira (9) à sobretaxação a produtos brasileiros anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em publicação nas redes sociais, o petista declarou que o Brasil vai usar a Lei da Reciprocidade, recém-aprovada pelo Congresso Nacional. A legislação permite ao governo adotar medidas em resposta a países que impõem barreiras comerciais ao Brasil.
“Qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica. A soberania, o respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro são os valores que orientam a nossa relação com o mundo”, escreveu Lula.
O texto compartilhado pelo petista também foi divulgado, em nota, pela Secom (Secretaria de Comunicação Social da presidência).
Em carta, enviada nominalmente a Lula nesta quarta-feira, Trump anunciou que, a partir de 1º de agosto, vai taxar em 50% todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos (leia a carta completa ao fim).
Segundo o republicano, a medida é uma resposta direta a supostos ataques do Brasil à liberdade de expressão de empresas norte-americanas e à forma como o país tem tratado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Além de inelegível até 2030, o ex-presidente é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
Para o líder norte-americano, o julgamento e as investigações que envolvem o ex-presidente brasileiro configurariam uma “caça às bruxas” que deveria “terminar imediatamente”.
Na resposta, Lula rebateu os argumentos de Trump. “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém. O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de Estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”, respondeu, sem citar Bolsonaro.
Às pressas
Após a carta de Trump, Lula convocou ministros às pressas ao Palácio do Planalto para discutir a reação brasileira às medidas do republicano. O encontro antecedeu o texto do petista.
Um dos argumentos do norte-americano é uma suposta desigualdade na balança comercial Brasil-EUA. O presidente Lula, no entanto, contestou a afirmação. “É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos”, respondeu Lula.
Nos últimos dias, em meio à cúpula do Brics — que ocorreu no último fim de semana, no Rio de Janeiro (RJ) —, Trump afirmou, pelas redes sociais, que taxaria em 10% qualquer nação que se alinhasse a “políticas antiamericanas” do grupo.
Além do Brasil, o bloco reúne Rússia, Índia, China e África do Sul e outros seis membros.
Trump não especificou quais nações estariam na mira, tampouco esclareceu o que classificaria como “políticas antiamericanas”.
O republicano também já tinha usado as redes sociais para demonstrar apoio a Bolsonaro.
“Irresponsável”
Na segunda-feira (7), Lula criticou as declarações de Trump. Em fala à imprensa no encerramento da cúpula do Brics, o brasileiro chamou o norte-americano de “irresponsável e equivocado”.
“Não vou comentar essa coisa do Trump e do Bolsonaro. Eu tenho coisa mais importante para comentar do que isso. Este país tem lei, tem regra e tem um dono chamado povo brasileiro. Portanto, deem palpite na sua vida e não na nossa”, afirmou.
“Eu sinceramente nem acho que deveria comentar, porque não acho uma coisa muito responsável e séria um presidente de um país do tamanho dos EUA ficar ameaçando o mundo através da internet. Não é correto, ele precisa saber que o mundo mudou. Não queremos imperador. Somos países soberanos”, acrescentou Lula.
“Se ele achar que pode taxar, os países têm o direito de taxar também. Existe a lei da reciprocidade”, continuou.
Lula também criticou o uso que Trump faz das redes sociais.
“Acho muito equivocado e muito irresponsável um presidente ficar ameaçando os outros em redes digitais. Tem outros fóruns para um presidente de um país do tamanho dos EUA falar com outros países. As pessoas têm que aprender que respeito é bom, é muito bom. A gente gosta de dar e de receber. E é preciso que as pessoas leiam o significado da palavra soberania. Cada país é dono do seu nariz”, acrescentou.
Antes de criticar Trump e Bolsonaro à imprensa, Lula usou as redes sociais para rebater os comentários do republicano.
“A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito”, escreveu, sem citar o republicano.
Sem interferência
Nessa terça (8), ao lado do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, Lula voltou a criticar Trump e Bolsonaro, afirmou que o Brasil não tolera interferência externa e defendeu o fortalecimento da cooperação entre nações do Sul Global.
“Somos países soberanos. Não aceitamos imposições sobre nossas decisões internas, muito menos de quem tenta se apresentar como dono do mundo. Acreditamos no multilateralismo, que foi essencial para a estabilidade global após a Segunda Guerra e hoje sofre ataques de forças extremistas”, declarou o presidente.
Lula também destacou a importância de Brasil e Índia no cenário global.
“Não aceitamos nenhuma reclamação da reunião do Brics. Não concordamos quando Trump insinuou que vai taxar o Brics. Ora, se eu comecei a minha fala dizendo que comecei a gostar mais da Índia depois que li o livro que contava a história da luta pela não violência do Gandhi, significa que hoje, aos 80 anos, continuo mais pacifista que era. O que queremos é fazer com que nossos países possam progredir. Não são quaisquer dois países”, acrescentou.
Leia a íntegra da carta enviada por Trump a Lula
Conheci e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o respeitava profundamente, assim como a maioria dos outros líderes de países. A forma como o Brasil tratou o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve terminar IMEDIATAMENTE!
Devido, em parte, aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais à liberdade de expressão dos americanos (como recentemente ilustrado pelo Supremo Tribunal Federal, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e expulsão do mercado brasileiro de mídia social), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos, separadamente de todas as tarifas setoriais. As mercadorias transbordadas para contornar essa tarifa de 50% estarão sujeitas a essa tarifa mais alta.
Além disso, tivemos anos para discutir nossa relação comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos afastar da relação comercial de longa data e muito injusta gerada pelas políticas tarifárias e não tarifárias e barreiras comerciais do Brasil. Nossa relação tem estado, infelizmente, longe de ser recíproca.
Por favor, entenda que o número de 50% é muito menor do que o necessário para garantir a igualdade de condições que precisamos com o seu país. E é necessário para corrigir as graves injustiças do regime atual. Como você sabe, não haverá Tarifa se o Brasil, ou empresas do seu país, decidirem fabricar ou fabricar produtos nos Estados Unidos e, de fato, faremos todo o possível para obter aprovações de forma rápida, profissional e rotineira, ou seja, em questão de semanas.
Se, por qualquer motivo, você decidir aumentar suas Tarifas, qualquer que seja o valor que você escolher, será adicionado aos 50% que cobramos. Por favor, entenda que essas Tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de Políticas Tarifárias e Não Tarifárias e Barreiras Comerciais do Brasil, que causam esses Déficits Comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse Déficit é uma grande ameaça à nossa Economia e, de fato, à nossa Segurança Nacional! Além disso, devido aos ataques contínuos do Brasil às atividades de Comércio Digital de Empresas Americanas, bem como outras Práticas Comerciais desleais, estou instruindo o Representante Comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma Investigação da Seção 301 do Brasil.
Se você deseja abrir seus Mercados Comerciais, anteriormente fechados, para os Estados Unidos e eliminar suas Políticas Tarifárias e Não Tarifárias e Barreiras Comerciais, talvez consideremos um ajuste nesta carta. Essas Tarifas podem ser modificadas, para mais ou para menos, dependendo da nossa relação com o seu País. Você nunca se decepcionará com os Estados Unidos da América.
Agradecemos a sua atenção!
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