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União perde R$ 82,4 bilhões por baixa tributação de big techs, aponta estudo

Pesquisadores indicam a importância de taxar empresas, para diminuir desigualdades concorrenciais com firmas brasileiras

Brasília|Do R7, em Brasília

Anatel pediu o estudo e usou dados de 2020, 2021 e 2022
Anatel pediu o estudo e usou dados de 2020, 2021 e 2022

Um levantamento preliminar do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações da Universidade de Brasília (UnB) calculou que o Estado brasileiro deixa de arrecadar R$ 82,485 bilhões por causa da tributação inadequada das grandes empresas estrangeiras de tecnologia — as chamadas big techs — que operam no país. O trabalho, feito a pedido da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), simulou o potencial de ganho para 2023 com base nos números dos três anos anteriores. A pesquisa, a que o R7 teve acesso, considerou seis áreas — serviços de email, streaming de áudio e vídeo, armazenamento em nuvem, ferramentas de produtividade, compras online e redes sociais.

Os serviços de streaming de vídeo e áudio são o nicho que mais geraria impostos para a União — R$ 29,44 bilhões. Em seguida, estão os serviços de email, armazenamento em nuvem e ferramentas de produtividade, com R$ 27,639 bilhões. As compras online somam R$ 18,898 bilhões, e as redes sociais, R$ 6,508 bilhões.

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O estudo levou em conta dados de 13 big techs: Alphabet (responsável pelo Google); Microsoft; Dropbox; Alibaba; Amazon; eBay, Mercado Livre; Amazon Prime Video; Disney+; Netflix; Spotify; e Meta (detentora de Facebook, Instagram e WhatsApp). A maior parte dos empregos gerados por essas empresas está fora do Brasil. Soma-se à injustiça trabalhista a disparidade tributária, já que os lucros bilionários obtidos no país são levados para as nações de origem.

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Os valores que seriam arrecadados pelo Estado dizem respeito ao Imposto de Bens e Serviços (IBS dual), previsto na reforma tributária por meio da proposta de emenda à Constituição (PEC) n° 95. O texto está na Câmara dos Deputados, para onde voltou depois de receber o sinal verde dos senadores, em 8 de novembro. A intenção do governo federal é aprovar as mudanças até o fim deste ano.


No levantamento, os pesquisadores da UnB destacam a desvantagem que empresas nacionais enfrentam no mercado com as big techs. "Está cada vez mais latente a necessidade de arrecadação e de normatização fiscal específica para essas empresas de serviços digitais, pois não só o Estado visualiza o potencial de ingresso de recursos, mas empresas nacionais de setores correlatos também manifestam sua insatisfação contra a evasão fiscal, que impacta diretamente na igualdade de competição", afirmam.

A predominante autoridade do Estado na evolução da economia ainda deixa de fora do alcance dos entes tributantes os ingressos monetários dos serviços digitais e das empresas que os prestam%2C estabelecendo uma situação de latente desvantagem concorrencial em relação aos seus pares na economia digital e aos demais concorrentes da economia tradicional.

(Pesquisadores do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações da UnB)

Entenda o cenário

O R7 entrou em contato com a UnB e com os especialistas que construíram o levantamento. A universidade informou, contudo, que o material é preliminar e, portanto, os pesquisadores não poderiam apresentar observações. "A entrega do produto para a Anatel ainda não foi finalizada, estando pendente a validação em uma apresentação interna", informou, em nota, a instituição. A reportagem consultou outros especialistas no tema.

O advogado tributarista Eduardo Natal explica que o atual sistema tributário brasileiro não consegue identificar todas as receitas das big techs. O problema não está na quantidade de tributos, e, portanto, a solução não envolve a criação de mais impostos, e sim a adequação da legislação, já que a arrecadação brasileira considera serviços físicos. A definição não considera as características das plataformas digitais.

"Alguns serviços das big techs são hoje tributados pelo ISS [Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza], mas outros tantos não se caracterizam como serviços e, portanto, não são tributados. Alguns serviços de telecomunicações eventualmente se encaixam no ICMS [Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação]. Mas, de fato, grande parte dessas empresas não paga impostos no Brasil", observa o especialista, que é mestre em direito tributário, conselheiro da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat) e membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT).

Para Natal, a maioria das distorções ocorre pelo fato de as big techs serem multinacionais. "Boa parte das utilidades dessas empresas não está aqui no Brasil fisicamente, apesar de os brasileiros usarem essas utilidades. Como são operações que se produzem e se realizam no exterior, a consolidação delas também é feita no exterior", afirma.

O advogado defende, como os pesquisadores da UnB, a tributação das big techs prevista na reforma tributária, por meio do IBS dual. "Por mais que tenha 'bens e serviços' no nome, o IBS vai passar a tributar utilidades que não se caracterizam especificamente como bem ou serviço, mas sim como utilidade que gera faturamento — justamente o caso das big techs. Boa parte do nosso sistema de tributação é de 1988, da época da Constituição, e também remonta à década de 1960, ou seja, diz respeito à tributação física e não capta toda essa tecnologia imaterial e intangível", continua.

Natal tem ressalvas quanto à inclusão do nicho de compras online como big techs. "Podemos até considerar como setor de tecnologia, mas acho que são mais do setor de varejo do que, efetivamente, big techs", pondera. No entanto, mesmo sem as empresas de compras online, a União deixa de arrecadar R$ 63,587 bilhões, segundo o levantamento da UnB.

Serviços públicos

O advogado tributarista Bruno Junqueira, sócio da BLJ Direito e Negócios, também destaca o fato de as big techs serem multinacionais como motor para as injustiças tributárias. "Por questões de territorialidade, como esses serviços, via de regra, estão sediados no exterior, a legislação tributária brasileira não os alcança, de maneira que não há recolhimento de tributo aos cofres brasileiros", diz.

Para o especialista, o valor que o Estado deixa de arrecadar implica menor oferta de serviços para a população. "São recursos que poderiam ser revertidos para a melhoria do bem-estar social, na medida em que a receita de arrecadação de impostos não é vinculada, isto é, pode ser destinada para financiamento conforme prioridades de gestão pública", completa.

Recursos significativos

O também advogado tributarista Renato Gomes, mestre em direito político e econômico, observa que as big techs, apesar do alto faturamento, não pagam a parte devida ao Estado brasileiro. "Algumas dessas empresas recebem em paraísos fiscais e não são tributadas nem mesmo no seu país de origem. Então, tem todo um planejamento tributário que muitas delas fazem exatamente para escapar da tributação, porque os valores a serem pagos [em impostos] são significativos", explica.

O especialista destaca que os tributos a serem descontados dessas empresas representariam "entrada significativa para os cofres brasileiros". "Como tributar uma empresa cujo faturamento está sendo destinado ao exterior? Ou seja, vende aqui no Brasil, mas, na verdade, a compra ocorre de um servidor localizado no exterior. Então, do ponto de vista da legislação, teríamos de obrigá-los a ter os servidores aqui no Brasil ou, pelo menos, a informar quais são as compras realizadas aqui no Brasil por brasileiros, porque a riqueza está sendo gerada a partir daqui. Mas existem desafios nesse sentido que ainda precisam ser muito bem pensados", afirma.

Cenário internacional

Ao menos 35 países já taxam serviços digitais. Além das 27 nações da União Europeia, a Argentina foi o primeiro país da América Latina a instituir o tributo, em 2019. México, Colômbia e Uruguai também já têm esse tipo de imposto. Fora do continente americano, Índia, Turquia, Austrália e Reino Unido contam com alíquotas específicas para serviços digitais.

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