Passividade das big techs em relação às fake news afeta eleição, alertam especialistas
Neste ano, uma das principais ferramentas de monitoramento de desinformação foi encerrada pela Meta, dona do Instagram
Eleições 2024|Hellen Leite, do R7, em Brasília
As ferramentas de monitoramento de desinformação nas redes sociais evoluíram pouco em 2024 em comparação com as eleições de 2020. O CrowdTangle, uma das principais ferramentas utilizadas por pesquisadores e jornalistas para rastrear fake news, foi desativado pela Meta (responsável pelo Facebook, WhatsApp e Instagram) em agosto, pouco antes do início da propaganda eleitoral no Brasil. Especialistas alertam que a falta de progresso e a passividade das big techs no combate às fake news podem comprometer a integridade do processo eleitoral.
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Ana Mielke, coordenadora executiva do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), destaca que as ações das plataformas para combater a desinformação têm sido tímidas e de impacto limitado, especialmente durante períodos eleitorais. A conscientização tem um efeito a longo prazo, “mas não é suficiente para enfrentar a guerrilha digital atual”, diz ela.
“Episódios anteriores no Brasil e fora dele já mostraram que a circulação de informações nas plataformas digitais podem sim influenciar as eleições, especialmente porque não há qualquer tipo de obrigação de transparência imposta às empresas quanto às decisões que são tomadas por elas. A obrigação de produzir relatórios periódicos é uma das ferramentas necessárias para o acompanhamento social da atuação das redes”, afirma.
A maioria dos brasileiros também acredita que as notícias falsas podem influenciar os resultados eleitorais. Segundo uma pesquisa do Instituto DataSenado, 81% dos brasileiros consideram que as fake news têm o potencial de afetar os resultados das eleições. O estudo também revelou que 72% dos brasileiros se depararam com notícias falsas nas redes sociais nos últimos seis meses e consideram “muito importante” controlar essas publicações para assegurar uma competição eleitoral justa.
“[Acabar com o CrowdTangle] foi uma decisão bem ruim, em especial, durante um processo eleitoral agitado, marcado por distribuição de desinformação e por denúncias de candidatos que usam esquemas de pirâmides digitais para conseguir cliques. Um dos elementos mais importantes durante o processo eleitoral é a possibilidade de monitoramento de perfis de candidatos e de suas redes de distribuição. Sem isso, fica ainda mais difícil avaliar quais são os movimentos que usam as redes para compartilhar ódio e desinformação nas eleições”, completa Mielke.
Democracia e liberdade de expressão
O fim do CrowdTangle, anunciado pela Meta em março, marcou o encerramento de uma das principais ferramentas usadas por jornalistas e pesquisadores para rastrear desinformação, discurso de ódio e spam. A Meta justificou o fim da ferramenta com base em mudanças tecnológicas e regulatórias.
O especialista em direito eleitoral e membro da ABRADEP (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Elder Maia Goltzman, comenta que a postura das plataformas é importante para proteger os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão, por meio da moderação de conteúdo.
“Penso que somente uma mudança no modelo de negócios será efetiva. Enquanto a sistemática de quantidade de likes permanecer, enquanto o engajamento for a regra, enquanto for possível lucrar com desinformação, sempre haverá conteúdo desinformador circulando”, afirma.
“Não dá para negar que as plataformas têm papel fundamental na circulação da informação. A postura das plataformas é muito criticada diante da sua permissividade e tolerância com conteúdos que engajam, mas são ofensivos, por exemplo”, completa.
Berlinque Cantelmo, especialista em ciências criminais, ressalta que as ferramentas atuais ainda enfrentam grandes desafios no combate à desinformação. Entre eles estão a rápida disseminação de fake news, a dificuldade em distinguir opinião de desinformação e a capacidade dos criadores de fake news de driblar as barreiras impostas. Além disso, as medidas adotadas pelas plataformas variam em rigor e eficácia, tornando o combate à desinformação fragmentado e, muitas vezes, insuficiente.
“A postura das plataformas, seja ativa, ao remover ou sinalizar conteúdo enganoso, ou passiva, ao permitir a circulação de informações falsas, impacta a sociedade. Por um lado, uma postura ativa pode reduzir a disseminação de fake news, mas também levanta questões sobre censura e o poder das plataformas em moldar o discurso público. Por outro lado, uma postura passiva pode permitir que a desinformação prolifere, afetando a integridade do processo eleitoral”, comenta.
Embate com a Justiça
Na semana passada, a disputa entre o X (antigo Twitter) e o STF (Supremo Tribunal Federal) resultou na suspensão da plataforma no Brasil. A controvérsia, que começou em 2020, envolve investigações sobre a disseminação de fake news e o financiamento de organizações antidemocráticas.
Sob a relatoria de Alexandre de Moraes, o STF bloqueou perfis no X e enfrentou críticas de acusação de censura. Além das multas aplicadas à plataforma, o X foi bloqueado no Brasil devido à falta de pagamento das penalidades e à ausência de um representante legal no país.
Segundo o Código Civil brasileiro, uma empresa estrangeira precisa de autorização do governo para operar no país e deve ter um representante legal permanente no Brasil, com autoridade para resolver questões e receber citações judiciais.
O advogado especialista em direito eleitoral, Alexandre Rollo, destaca que a maioria das plataformas tem cumprido as ordens judiciais e as decisões que determinam a remoção de conteúdos falsos.
“Eventual postura omissiva (como estava fazendo o X), pode influenciar os resultados eleitorais. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, fake news, discurso de ódio, nazismo, fascismo, racismo”, pontua.
Essas discussões acontecem enquanto o Congresso tenta regulamentar as redes sociais. Um projeto de lei sobre o tema estava pronto para votação na Câmara dos Deputados no ano passado, mas foi arquivado devido à pressão das grandes empresas de tecnologia. Atualmente, o assunto está sendo reavaliado por um grupo de trabalho criado pelo presidente Arthur Lira (PP-AL) para avançar na elaboração de uma nova proposta.