Chávez, Vargas e Perón: um legado latino-americano
O líder do movimento chavista poderá seguir a mesma trajetória que outros personagens marcantes na história do continente
Internacional|Fábio Cervone, colunista do R7

A morte de Hugo Chávez é mais um capítulo na trajetória de um importante personagem da América Latina que poderá se igualar a outras figuras estadistas marcantes na região. O líder bolivariano conseguiu combinar a ansiedade de um povo em sua maioria marginalizado – segundo a Cepal, quando ele assumiu quase 50% do país vivia abaixo da linha da pobreza, em 2012, este número caiu para 29,5% - com um modelo alternativo e abrangente de gestão pública que o consolidou como o “pai dos pobres” venezuelanos.
Na Venezuela, o papel do chavismo com a ideologia e comportamento de Chávez deve elevar a figura que governou a nação nos últimos 14 anos ao status de redentor popular e exemplo de liderança política. Este fenômeno repete em muitos aspectos o caminho percorrido por outras duas figuras que até hoje são reverenciadas por muitos dos seus compatriotas. Juan Domingo Perón na Argentina e Getúlio Vargas no Brasil, em seus respectivos contextos, deixaram legados que ultrapassaram seu tempo de vida.
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O chavismo provavelmente não irá desaparecer com a morte de seu mentor; ele deve se transformar, como ocorreu com os trabalhistas de Getúlio e os peronistas argentinos. A ideia de que Chávez foi para as recentes gerações de venezuelanos o primeiro governante a realmente ouvir os pobres é amplamente aceita e deixará mais que uma mera lembrança.
A influência da figura de Chávez deverá persistir não só pelas ações que reduziram a pobreza venezuelana, mas sobretudo porque o líder possuía um projeto de longo prazo numa região em que predominavam governos elitistas sob a influência direta de interesses estrangeiros.
O grande impacto das realizações de Vargas, Perón e Chávez está no fato de que os três combinaram a carência popular por um “salvador” com planos inclusivos e progressistas de desenvolvimento nacional.
Como na Argentina e no Brasil, o resultado da interferência de Chávez no espaço público venezuelano resultará em avenidas, praças, estátuas, escolas, hospitais, prédios e etc. em sua homenagem. Mas o nome do venezuelano não será lembrado apenas por isso, do mesmo modo que seus congêneres latino-americanos, o presidente da Venezuela permitiu aos seus cidadãos a inédita experiência de ter um Estado mais amplo e próximo do povo — algo difícil de esquecer.
Os estadistas
De fato em muitos aspectos esses três líderes podem ser caracterizados como caudilhos de seus períodos. Porém, por trás do evidente populismo sedutor característicos dos heróis latino-americanos, essas figuras alimentaram um novo significado ao papel do Estado-nação, um outro valor ao trabalho individual, e principalmente um sentimento de autodeterminação e respeito próprio no cidadão.
Como Vargas, Chávez também declarou “o petróleo é nosso”, enfrentou a pressão internacional e estatizou o setor. No Brasil, o getulismo se arriscou e jogou com os interesses estrangeiros na Segunda Guerra Mundial, o que resultou na construção da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e outras benesses dos EUA que viabilizaram a indústria brasileira. Buscando essa mesma autonomia nacional, o chavismo tirou a Venezuela da esfera de influência norte-americana pela primeira vez em sua história recente. Com isso, o país se permitiu não só a olhar mais atentamente para a vizinhança, como se aproximou de aliados distantes antes menosprezados.
O movimento criado por Perón na década de 40, chamado de peronismo, é até hoje peça fundamental da política argentina. Apesar de ter se desmembrado em diferentes facções enquanto o movimento se modernizava, os peronistas são a força política predominante na Argentina e seguem até hoje muitos dos preceitos de seu fundador. O chavismo também não surpreenderá caso se mantenha como instituição política ativa na Venezuela. Certamente, sem a presença de Chávez, o grupo será menos unido, mas poderá conservar muitas das características de seu mentor, além do apelo carismático que emana do líder morto.
Chávez indiscutivelmente alterou o rumo da Venezuela e fez seguidores em muitas nações vizinhas. O legado que ele deixou é uma revolução contemporânea legitimamente latino-americana, como ocorreu com Perón e Vargas em seus tempos. Caudilhos modernos ou idealistas, personagens como Chávez deram esperança e confiança para um povo tradicionalmente oprimido e explorado. Independentemente da vontade daqueles que o criticaram e cumprindo com o desejo de seus apoiadores, Chávez será lembrado por muito tempo.