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Entenda como ações de Trump na diplomacia marcam início de um novo ‘poder global’

Para especialistas, as estratégias do republicano visam fortalecer os EUA, focando na soberania americana

Internacional|Giovana Cardoso, do R7, em Brasília

Donald Trump
Nova agenda de Trump vem causando tensão e estranheza para algumas potenciais globais Daniel Torok/Official White House Photographer - 4.3.2025

Diferente do que foi visto no primeiro mandato, a nova agenda do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vem causando tensão e estranheza para algumas potenciais globais, principalmente devido à mudança nas relações diplomáticas com países aliados ao governo americano. Em quase 50 dias desde que assumiu a presidência, o republicano rompeu alianças e intensificou taxações internacionais. Para especialistas ouvidos pelo R7, as estratégias de Trump visam fortalecer os EUA, focando em uma soberania americana e uma ordem global mais fragmentada.

Em janeiro, o presidente assinou um decreto para retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, um dos principais tratados internacionais relacionados ao compromisso de nações com mudanças climáticas. No mesmo mês, ele anunciou a saída da OMS (Organização Mundial de Saúde), além da ameaçar deixar a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma aliança militar criada para unir países ocidentais.

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Diante das recentes movimentações e a crise na ordem mundial, Trump ganhou destaque na capa da revista americana “The Economist”, que também cita decisões marcantes feitas pelo americano. Entre elas, a intenção de compra da Groenlândia, uma região autônoma pertencente a Dinamarca.

O cientista político do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha Maurício Santoro explica que Trump rompeu dois conjuntos de regras que orientavam essa ação global dos EUA. Na primeira, relacionada à defesa do livre comércio, o presidente promoveu uma série de cargas tarifárias a países aliados, como México e Canadá, com um acréscimo de 25% sobre produtos importados.


Além disso, ele provocou uma ruptura ao quebrar uma série de acordos internacionais, por meios de tratados de cooperação militar e de defesa mútua. Na opinião de Santoro, essa alteração no papel global do país foi impactada pela constante adoção de decisões e opiniões que divergem dos aliados europeus.

No último dia 25, por exemplo, os Estados Unidos ficaram ao lado da Rússia e da Coreia do Norte em duas votações na Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre a guerra na Ucrânia. Apesar disso, a resolução aprovada, apoiada pela Europa, pede pelo fim da guerra no país, exigindo que Putin retire todas as forças do território ucraniano.


“Então, tudo isso somado em 40 dias, a gente tem realmente uma mudança muito grande com relação ao que foi a política dos Estados Unidos, seja com o partido Republicano, seja com o partido Democrata. Todo o discurso de campanha dele foi baseado na ideia de que os Estados Unidos são uma grande potência que tem vivido um declínio nos últimos anos e que ele, Trump, é o líder adequado para restaurar a grandeza perdida dos Estados Unidos”, explica Santoro.

Estratégias de Trump

No ponto de vista de Trump, as empresas americanas têm sofrido uma queda em função da alta competição internacional. No caso da sobretaxação de produtos estrangeiros, o presidente dos EUA entende que, com tarifas mais altas e barreiras ao comércio internacional, essa indústria poderia voltar a crescer. Não é a primeira vez que a estratégia é adotada no país. Em 1930, durante a grande depressão, medidas semelhantes foram tomadas como uma tentativa de proteger a nação da crise.


“Outra visão do Trump é de que essas alianças internacionais das quais os Estados Unidos fazem parte, como a Otan, têm um custo muito alto para o país. E que seria melhor para os Estados Unidos resolverem esses problemas de comércio e de segurança em negociações diretas com países, como a Rússia. Então, é muito a visão do empresário, do comerciante, que você vai e faz um negócio ali diretamente, tem um ganho ou uma perda de curto prazo. Mas essas alianças muito grandiosas, como os diplomatas preferem, é uma coisa que na visão do Trump não faz sentido”, completa.

Para o especialista em relações internacionais Guilherme Frizzera, a atual dinâmica de Trump é baseada no custo-benefício imediato para os EUA. “A pressão sobre a Otan não se limita a uma disputa financeira, mas sinaliza uma mudança mais profunda: alianças antes consideradas pilares da ordem global agora precisam provar sua utilidade de forma contínua, sob risco de serem descartadas”, analisa.

Consequências na diplomacia

Apesar dos possíveis ganhos econômicos com as medidas, especialistas entendem que as decisões podem enfraquecer a capacidade diplomática do país, representando riscos para o futuro. O doutor em relações internacionais Igor Lucena entende que alguns movimentos, principalmente relacionados a opiniões contrárias aos aliados, podem diminuir a influência dos EUA em grande parte do ocidente.

“Os objetivos de Trump com esses tipos de estratégias, seja com a Coreia do Norte ou com outros agentes, são ganhos econômicos. Ele quer mostrar que a influência dos Estados Unidos não está apenas no ponto de vista militar, mas que há ganhos econômicos, como estamos vendo, na probabilidade de um acordo com a Ucrânia, onde os metais raros terão um veículo de investimento ucraniano e americano, gerando benefícios para os dois lados. Por outro lado, Trump também mina muito a questão do Ocidente ao sentar-se em mesas de negociação sem seus parceiros e focar unicamente nos Estados Unidos. Isso diminui a influência com grande parte do Ocidente, pois passa a impressão de que Trump tem o objetivo de sentar-se à mesa apenas com os grandes players, como Rússia e China”, explica.

Recentemente, o presidente dos EUA afirmou que pretende retomar a relação com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un. Para Lucena, é possível que o diálogo entre os países seja reaberto, mas isso poderia impactar a relação dos Estados Unidos com o Japão.

“A Coreia do Norte é um risco para o Japão. Então, acho que a relação pode existir, contanto que haja uma garantia de segurança para países como o Japão e a própria Coreia do Sul. Acho que uma retomada de negociações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte impacta fundamentalmente esses dois parceiros dos Estados Unidos dentro do Ocidente”, explica.

Em complemento, Santoro comenta que a relação dos EUA com a Coreia do Norte ficou mais complicada a partir dos anos 1990, quando o país conseguiu armas nucleares e desenvolveu a própria bomba atômica. O especialista explica que a intenção de Trump pode ser algum tipo de acordo que faça com que a nação abra mão dessas armas em troca de alguma vantagem econômica, comercial ou tecnológica.

Entretanto, não é um desafio fácil. Nos últimos 30 anos, nenhum presidente americano conseguiu o acordo. “Vários deles tentaram isso, mas nenhum deles conseguiu nenhum acordo com a Coreia do Norte. Porque a partir do momento que o país abre mão das suas armas nucleares, ele vai ficar numa situação muito frágil em termos da possibilidade de barganhas diplomáticas”, ressalta Santoro.

Na lógica de negociação direta, Frizzera entende que a aproximação com a Coreia do Norte mostra como adversários podem se tornar interlocutores úteis, sem a mediação de regras ou instituições globais. O especialista aponta que essas relações não significam “um novo equilíbrio”, mas um mundo onde compromissos se tornam cada vez mais voláteis, alianças deixam de ser garantidas e a previsibilidade das relações internacionais dá lugar a um sistema onde tudo está em negociação.

“Nesse contexto, relações baseadas em valores comuns perdem espaço para interações pragmáticas, onde afinidades políticas ou ideológicas importam menos do que a capacidade de oferecer algo tangível e imediato”, explica o especialista.

Ucrânia e EUA

Em um exemplo recente da estratégia de Donald Trump, o presidente estadunidense decidiu suspender a ajuda militar à Ucrânia, que está em guerra com a Rússia há três anos. A medida levantou uma série de críticas ao líder, até mesmo por parte de aliados na Europa, que entenderam a suspensão como uma “traição”.

A decisão ocorreu depois do bate-boca entre os presidentes dos Estados Unidos e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no último dia 28, quando Trump acusou o ucraniano de estar “jogando com a Terceira Guerra Mundial” e de “não ser grato” ao não aceitar a proposta norte-americana para cessar o conflito envolvendo a Rússia e pedir reiteradamente por garantias de segurança dos Estados Unidos.

Apesar da suspensão da ajuda militar, Trump adotou um tom mais brando em relação a Zelensky e disse que apreciava a disposição do ucraniano em assinar um acordo com os EUA e de se sentar a mesa de negociações sobre a guerra.

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