De câncer a autismo: conheça os potenciais riscos dos microplásticos à saúde humana
Estudo mostra que respiramos o equivalente a um cartão de crédito por semana de substâncias que podem causar uma série de doenças
Saúde|Fernando Mellis, do R7
Resíduos de plástico com tamanho inferior a 5 mm, chamados de microplásticos, tornam-se cada vez mais uma preocupação para a comunidade científica, principalmente por causa de seu risco potencial à saúde humana.
Essas partículas são ingeridas por nós diariamente, seja por meio de alimentos, seja pela água, seja até pelo ar.
Um estudo publicado em junho deste ano na revista científica Physics of Fluids, da Associação Americana de Física, revelou que respiramos cerca de 16,2 bits de microplástico a cada hora, o que equivale a um cartão de crédito durante uma semana inteira.
Embora as pesquisas sobre os efeitos dos microplásticos na saúde ainda estejam em seus estágios iniciais, estudos preliminares advertem que eles podem causar danos oxidativos, danos ao DNA e alterações na atividade genética, que são riscos conhecidos de câncer e problemas reprodutivos.
Os riscos
A ciência já sabe que produtos químicos tóxicos usados na fabricação de plásticos, como o BPA (bisfenol A) e os ftalatos, são desreguladores endócrinos e podem afetar a saúde humana, causando alterações no desenvolvimento e no funcionamento dos órgãos que respondem aos sinais hormonais, além de provocar mudanças na síntese e no metabolismo hormonal.
Esses produtos são classificados como desreguladores endócrinos (EDCs, na sigla em inglês).
Estudos recentes associaram os EDCs a várias doenças e condições, como cânceres hormonais (mama, próstata, testículos), problemas reprodutivos (malformações genitais, infertilidade), distúrbios metabólicos (diabetes, obesidade), asma e condições de neurodesenvolvimento (distúrbios de aprendizagem e transtorno do espectro autista), de acordo com um artigo publicado no International Journal of Enviromental Research and Public Health, em 2020.
As preocupações da comunidade científica envolvem também a saúde daqueles que nem sequer sabem o que estão ingerindo: os bebês.
Os bebês têm concentrações mais altas de um tipo específico de microplástico em suas fezes em comparação com os adultos, indicando potencial maior exposição por meio de produtos como mamadeiras, mordedores e brinquedos, revelou um estudo publicado em setembro de 2021, na revista Environmental Science & Technology Letters, da Associação Americana de Química.
Os microplásticos podem atravessar as membranas celulares e entrar na circulação, levando potencialmente a efeitos na saúde, como morte celular, inflamação e distúrbios metabólicos.
Resistência a antibióticos
O problema dos microplásticos envolve tudo o que consumimos no dia a dia. Em 2021, cientistas da Escola de Engenharia George R. Brown, da Universidade Rice, nos EUA, fizeram uma descoberta alarmante sobre o poliestireno.
O poliestireno expandido, conhecido popularmente como isopor, é amplamente utilizado em embalagens para proteger e isolar produtos frágeis durante o transporte e armazenamento. Também é usado na fabricação de copos descartáveis, pratos, bandejas e recipientes para alimentos, devido à sua leveza, baixo custo e capacidade de isolamento térmico.
"O recipiente de isopor que contém seu cheeseburger para viagem pode contribuir para a crescente resistência da população aos antibióticos", diz o comunicado divulgado pela universidade.
O estudo, publicado no Journal of Hazardous Materials, explica como o envelhecimento dos microplásticos no meio ambiente cria uma situação favorável para o desenvolvimento de GRAs (genes resistentes a antibióticos).
À medida que os plásticos se degradam, eles liberam substâncias químicas que rompem as membranas microbianas, proporcionando uma oportunidade para a invasão dos GRAs.
Eles constataram durante o estudo que os microplásticos envelhecidos pela radiação ultravioleta do sol têm altas áreas de superfície que aprisionam micróbios e servem como locais de agregação para bactérias, acelerando a transferência de genes de resistência.
Os achados dos pesquisadores da Universidade Rice são corroborados por outro estudo, realizado por cientistas internacionais e publicado na Nature Ecology & Evolution, em março deste ano, que encontrou evidências de que os microplásticos no trato digestivo das aves marinhas alteraram a microbiota do intestino — aumentando a presença de patógenos e micróbios resistentes a antibióticos, enquanto diminuíam as bactérias benéficas encontradas nos intestinos.
“Nossas descobertas refletem as circunstâncias dos animais na natureza. Uma vez que os humanos também absorvem microplásticos do meio ambiente e pelos alimentos, este estudo deve servir de alerta para nós”, afirmam os autores.
Muitos dos trabalhos científicos em andamento usam a extrapolação (de animais para humanos) para chegar a conclusões sobre os riscos. Sendo assim, os estudiosos entendem que é necessário levar em conta os efeitos prejudiciais dos microplásticos para a saúde humana.
“O microbioma intestinal engloba todos os micróbios do trato gastrointestinal, que ajudam a controlar a digestão dos alimentos, o sistema imunológico, o sistema nervoso central e outros processos corporais. É um indicador-chave de saúde e bem-estar", salienta Julia Baak, coautora do estudo e doutoranda no Departamento de Ciências dos Recursos Naturais da Universidade McGill, no Canadá.
Microplásticos e células de defesa
Num trabalho publicado na Science Advances, em dezembro de 2020, um grupo de pesquisadores fez novas descobertas na maneira como os microplásticos encontrados no ambiente podem ser engolidos por animais ou humanos e se mover do estômago para outras partes do corpo.
Segundo o artigo, as células do sistema imunológico, chamadas macrófagas, engolem mais frequentemente os microplásticos que foram expostos ao ambiente em comparação com os microplásticos "puros".
Os autores também notaram que as partículas de plástico tinham uma camada de moléculas biológicas em sua superfície, o que sugere que a exposição ao ambiente facilita sua captura pelas células.
Essas descobertas revelam que as células que engolem os microplásticos são um importante meio pelo qual eles entram nos tecidos do organismo, podendo causar efeitos prejudiciais à saúde.
Mais pesquisas científicas são necessárias para compreender os reais perigos dos microplásticos para a saúde e como minimizar os riscos.
Cientistas reforçam que a conscientização e ações individuais e coletivas são fundamentais para reduzir o consumo de plástico e encontrar soluções sustentáveis para enfrentar esse desafio global.
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