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Pacientes que fazem bariátrica têm piora na saúde bucal após cirurgia

Pesquisa realizada pela Unifesp acompanhou 100 pacientes e constatou aumento de cáries, gengivite e periodontite após o tratamento cirúrgico

Saúde|Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Pacientes de bariátrica apresentam aumento de doenças periodontais
Pacientes de bariátrica apresentam aumento de doenças periodontais

Pessoas com obesidade que estão em dieta para fazer cirurgia bariátrica e pacientes que já passaram pelo procedimento apresentam piora da saúde bucal, com aumento de cáries e doenças periodontais meses após serem submetidos à cirurgia. A constatação é de um estudo realizado por pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e publicado no Journal of Oral Rehabilitation e na revista Clinical Oral Investigations.

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Para os pesquisadores, os achados reforçam a necessidade da inclusão do profissional de odontologia na equipe multidisciplinar que vai acompanhar o paciente antes e após o procedimento cirúrgico – hoje, essa equipe normalmente é composta pelo médico cirurgião, endocrinologista, nutricionista e psicólogo.

A ideia de pesquisar a saúde bucal dos pacientes com obesidade e submetidos à cirurgia bariátrica partiu da cirurgiã dentista Paula Midori Castelo, que também é professora associada do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Unifesp. Ela se formou em odontologia na Unicamp, no campus de Piracicaba e, por isso, fez uma parceria com a Clínica Bariátrica de Piracicaba – um centro de referência no interior, que faz muitas cirurgias pelo SUS (Sistema Único de Saúde).


“Estudo questões da fisiologia oral há algum tempo: salivação, mastigação, sucção e deglutição e como isso se relaciona tanto com a saúde bucal quanto sistêmica. A saliva, além de ajudar no processo de mastigação, na percepção de sabor, na formação do bolo alimentar, também serve como fonte de marcadores de doenças e processos inflamatórios. Surgiu daí a ideia de fazer a parceria com a clínica e a vontade de entender como se comportavam esses marcadores salivares nas pessoas com obesidade e submetidas à cirurgia”, explicou a pesquisadora.

Segundo Castelo, alguns estudos já indicavam efeitos e impactos da cirurgia bariátrica sobre a saúde da boca, com aumento de cáries e da doença periodontal, mas as causas ainda não estão totalmente elucidadas. “Muitos pacientes relatam que os dentes ‘ficaram mais moles’ e acreditam ser por causa de falta de vitamina, por falta de cálcio, o que não é bem verdade. Decidi entender o ambiente bucal desses pacientes e quais eram os fatores que de fato levam a essas perdas de dentes e aumento de cáries”, disse.


Para isso, Castelo desenhou um estudo controlado com 100 pacientes: um grupo que tinha obesidade mórbida foi submetido a um programa dietético preparatório para a cirurgia, e outro que já havia passado pela dieta e estava pronto para fazer a cirurgia bariátrica. Os dois grupos foram avaliados simultaneamente e em três momentos: antes de começar a dieta ou a cirurgia, três meses depois, e seis meses depois da dieta ou da cirurgia bariátrica novamente.

Os pesquisadores ofereceram as instruções de higiene bucal padrão – escovação dos dentes três vezes ao dia, uso de fio dental. Além disso, dois dentistas avaliaram a boca dos participantes para verificar a saúde dos dentes antes do início da pesquisa (quantos estavam cariados e quantos estavam obturados) e coletaram amostras de saliva e de células da mucosa bucal. Essas avaliações foram repetidas em três momentos.

As amostras de saliva foram enviadas para avaliação microbiológica e sequenciamento genético em um instituto em Hong Kong para quantificar as espécies e gêneros de microrganismos mais prevalentes, além da análise da diversidade bacteriana. Marcadores inflamatórios em saliva também foram analisados, e os pesquisadores monitoraram a perda de peso dos pacientes, o tipo de alimentação no período do estudo e a saúde dentária e periodontal.

Piora nos marcadores

Apesar das orientações básicas sobre higiene da boca, os pesquisadores encontraram uma piora da saúde bucal dos participantes, com aumento no número de cáries e de casos de periodontite em ambos os grupos, mas especialmente naquele submetido à cirurgia bariátrica: 27% dos participantes do grupo dieta e 34% dos participantes do grupo submetido à cirurgia tiveram aumento no índice que mede o número de dentes cariados e obturados, num espaço de tempo de seis meses.

Os pesquisadores constataram também que não houve alteração em termos de fluxo salivar, mas houve uma piora na capacidade de tamponamento da saliva – mecanismo essencial para garantir a saúde dos dentes.

“Toda vez que o indivíduo come, seja um alimento ácido ou não, o pH da boca naturalmente acidifica porque há açúcares diversos em nossa alimentação. Isso faz o pH da nossa boca cair. A saliva é responsável por realizar o tamponamento, ou seja, eleva o pH novamente para retomar o equilíbrio. Esse é um mecanismo natural de proteção do esmalte dentário, para que ele não se desmineralize”, explicou a pesquisadora. 

Segundo Castelo, o estudo observou que essa capacidade de tamponamento da saliva fica prejudicada nos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, o que ajuda a explicar o aumento no número de dentes cariados. “Seis meses é um tempo muito curto para esse aumento de dentes cariados em ambos os grupos. A saúde periodontal também piorou durante o acompanhamento do grupo cirurgia e depois voltou aos patamares iniciais, mas não melhorou”, destacou.

A pesquisadora explicou que esperava uma melhora na função periodontal dos pacientes após eles serem submetidos à cirurgia bariátrica, uma vez que a doença periodontal é uma doença inflamatória, assim como a obesidade. “Imaginávamos que tratando a obesidade, estaríamos tratando também a periodontite, mas ela não melhorou”, disse.

Segundo a cirurgiã-dentista Nidia Castro dos Santos, doutora em periodontia e professora do curso de Odontologia da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, existe uma associação entre obesidade e doenças periodontais. Assim, um adulto que foi obeso em algum momento tem mais chances de ter doenças na gengiva porque a obesidade leva a uma inflamação local e sistêmica que também atinge os tecidos periodontais.

“Um paciente que passou por uma cirurgia bariátrica é um paciente que passou em algum momento da vida por esse processo de inflamação sistêmica. E é importante, como vimos nesse estudo, continuar monitorando a saúde bucal desse paciente. O ideal seria a criação de protocolos para examinar a saúde bucal desse paciente para poder estabelecer medidas preventivas antes da cirurgia e durante o pós-cirúrgico porque essas alterações gastrointestinais vão levar a alterações bucais importantes”, afirmou.

Quais as possíveis explicações?

Segundo a pesquisadora Castelo, o estudo avaliou hipóteses e encontrou fatores que podem ajudar a explicar, ao menos em parte, esta piora da saúde bucal pós-cirurgia. Entre elas, estão o aumento no número de refeições (já que ambos os grupos passaram a comer mais vezes durante o dia, mas em porções menores) e a falta de higienização adequada.

“Os pacientes passam a comer mais vezes ao dia e não escovam os dentes em todas as refeições. E toda vez que comemos algo, o pH da boca cai e provoca a desmineralização do esmalte. Sem o tamponamento adequado, o dente fica mais propenso a desenvolver cáries”, sugere.

Outro fator importante que ajudaria a explicar a piora da saúde bucal em tão pouco tempo, especialmente para o grupo submetido à cirurgia, é que essas pessoas precisam fazer uma dieta líquida, pastosa e semi-sólida no pós-operatório. “Essa dieta líquida e semi-sólida é bastante ruim para a saúde bucal, porque o paciente não mastiga o alimento e não estimula a salivação, favorecendo a adesão de alimento ao esmalte do dente. Quando mastigamos fibras, frutas, verduras, melhoramos a autolimpeza da boca”, disse.

Alterações importantes da microbiota da boca observadas no estudo, provavelmente em decorrência da alteração da dieta, também interferem na saúde bucal como um todo. Segundo Santos, a microbiota bucal é tão importante quanto intestinal para a saúde sistêmica da pessoa.

“A cavidade bucal tem a segunda maior e mais diversa microbiota do corpo humano, com uma complexa ecologia. Temos cerca de 800 espécies bacterianas que convivem na nossa boca, além de fungos e vírus. E alterações no equilíbrio da microbiota bucal estão relacionadas a várias doenças, não somente bucais, mas também sistêmicas, como doenças cardiovasculares, diabetes e câncer”, afirmou a professora.

A próxima etapa do trabalho da Unifesp será testar medidas preventivas e terapêuticas de controle da cárie para esses pacientes. “Como não existem diretrizes de saúde bucal a serem seguidas durante o tratamento da obesidade, precisamos pensar em alternativas de prevenção, já que as medidas padrão de controle de saúde bucal (escovação e uso de fio dental) não são capazes de mitigar os efeitos do tratamento para a obesidade”, afirmou Castelo.

A cavidade bucal diz muito sobre a saúde do corpo. De fato, o dentista é o profissional que vai olhar para a cavidade bucal do paciente para prevenir e tratar essas condições. O acompanhamento se mostra necessário e o estudo reforça a importância do profissional de odontologia nessa equipe multidisciplinar. Ele também é essencial para o cuidado e o controle desse paciente”, finalizou Santos.

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