STJ desobriga planos de saúde de cobrir procedimentos que estejam fora do rol da ANS
Especialistas entendem que a decisão tornará mais remota a possibilidade de que pessoas com tratamento ou cirurgia negados revertam o caso na Justiça
Saúde|Do R7, com Estadão Conteúdo
A Segunda Turma doSTJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, na tarde desta quarta-feira (8), desobrigar planos de saúde de cobrir procedimentos médicos que não façam parte do chamado rol da ANS (Agência Nacional de Saúde), mesmo que o cliente entre na Justiça.
Seis ministros votaram pelo chamado rol taxativo, enquanto outros três entenderam que a lista tem caráter exemplificativo.
Especialistas ouvidos pelo R7 dizem que, na prática, a decisão vai inibir a população em sua busca por soluções jurídicas para ter direito a procedimentos negados pelos planos de saúde.
Os juízes não são obrigados a seguir a determinação do STJ, mas ela representa agora uma uniformização na visão do tribunal sobre o tema, que até então era dividida.
Se, por exemplo, um juiz de primeira instância deferir um tratamento que esteja fora do rol da ANS e a decisão for confirmada pela segunda instância (Tribunal de Justiça), havendo recurso ao STJ, a tendência é que essa decisão seja derrubada.
Rol da ANS
O chamado Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é uma lista com mais de 3.000 itens, incluindo consultas, tratamentos, cirurgias e exames que, segundo a ANS, "não podem ser negados pelas operadoras, sob pena de terem a comercialização de planos suspensa ou serem multadas".
A ANS atualiza periodicamente essa lista, para a inclusão de novas coberturas.
A agência que regula as operadoras sustenta que "o caráter taxativo do rol confere a prerrogativa da ANS de estabelecer as coberturas obrigatórias a serem ofertadas pelos planos de saúde, sem que os consumidores precisem arcar com custos de coberturas adicionais".
"Assumir que o rol seja meramente exemplificativo significa, no limite, atribuir a cada um dos juízes do Brasil a prerrogativa de determinar a inclusão de cobertura não prevista em contrato ou no rol de cobertura mínima, o que traria o aumento da judicialização no setor de saúde e enorme insegurança ao setor de saúde suplementar, na medida em que seria impossível mensurar adequadamente quais os riscos estariam efetivamente cobertos", complementa.
Julgamento
O ministro relator, Luis Felipe Salomão, entendeu que o rol da ANS é taxativo, porém ele sustentou que há exceções e que a autorização judicial deve seguir critérios técnicos, além da demonstração da necessidade e da pertinência do procedimento pleiteado.
As exceções citadas por Salomão são terapias recomendadas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) com eficácia comprovada e medicamentos relacionados ao tratamento de câncer e de prescrição off-label (para uso diferente do estipulado em bula).
A sessão foi interrompida por um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi, que votou no dia 23 de fevereiro, abrindo divergência. Ela era a favor do rol exemplificativo.
"O rol de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, enquanto importante instrumento de orientação quanto ao que lhe deve ser oferecido pelas operadoras de plano de saúde, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial, alijando previamente o consumidor do direito de se beneficiar de todos os possíveis procedimentos ou eventos em saúde que se façam necessários para o seu tratamento", disse em seu voto a magistrada.
Posteriormente, um novo pedido de vista, do ministro Villas Bôas Cueva, fez com que o julgamento do caso fosse mais uma vez suspenso e retomado somente nesta quarta-feira.
Requisitos
Embora tenha seguido o voto do relator do caso, Luis Felipe Salomão, na defesa do rol taxativo, Cueva estabeleceu quatro requisitos para garantir a segurança jurídica dessa regra e dissipar as tensões entre operadoras e pacientes.
São eles:
1. O rol da ANS é, em regra, taxativo;
2. A operadora de plano ou seguro de saúde não será obrigada a arcar com pedido de tratamento não constante no rol, caso exista procedimento efetivo, eficaz e seguro capaz de garantir a cura do paciente e ele já esteja incorporado no rol;
3. Será possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual de procedimento que não esteja incluído no rol; e
4. Não havendo substituto terapêutico, ou esgotados os procedimentos do rol, poderá haver a título excepcional a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistentes desde que: não tenha sido indeferida pela ANS a incorporação do procedimento ao rol; haja a comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacional e estrangeiro, como Conitec e Natjus; seja realizado quando possível o diálogo interinstitucional dos magistrados com experts na área da saúde, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça federal.
"O rol taxativo permite previsibilidade essencial para a elaboração de cálculos atuariais embasadores das mensalidades pagas pelos beneficiários, aptas a manter a médio e longo prazo os planos de saúde sustentáveis", argumentou o ministro.
Segundo o magistrado, "a alta exagerada de preços e contribuições provocará barreiras à manutenção contratual, transferindo a coletividade de usuários da saúde pública a pressionar ainda mais o SUS".
As propostas de Cueva foram incorporadas ao voto de Salomão, que foi seguido integralmente pelos ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Belizze.
Recurso
Em vídeo publicado no Twitter, a ativista Andréa Werner afirmou que as associações defensoras dos consumidores e de pacientes vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão.
Ela é fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, que defende os direitos de pessoas deficientes, e comentou casos de pacientes oncológicos que perderiam a cobertura de imunoterapia.
"Quando a gente fala que rol taxativo mata, não é uma palavrinha mágica para gerar engajamento, é porque mata mesmo. Vai gente morrer até isso ir para o STF", afirmou.