Assinatura do acordo Mercosul-UE pode ficar para 2026; especialistas veem prazo ‘normal’
Discussões sobre parceria comercial foram concluídas em dezembro, mas texto precisa ser aprovado pelo parlamento de cada país
Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília

A assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia pode ser feita apenas em 2026, como disseram ao R7 fontes do Ministério das Relações Exteriores entendidas do assunto. Embora a conclusão das negociações tenha sido feita em dezembro de 2024, especialistas consultados pela reportagem explicam que o prazo alongado é normal, considerando os processos que envolvem a entrada em vigor do texto, como traduções, aprovação nos parlamentos e trâmites jurídicos. São quatro nações sul-americanas e 27 europeias envolvidas.
leia mais
As conversas foram concluídas na 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em Montevidéu, no Uruguai, com participação da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. O acordo é uma das bandeiras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o governo federal quer assinar a parceria até o fim do mandato dele.
O tratado foi negociado por mais de 20 anos. Quando concluído, o acordo formará uma das maiores áreas de livre comércio do planeta, com quase 720 milhões de pessoas, 20% da economia global e 31% das exportações mundiais de bens.
Análise legislativa
Para o professor de direito internacional da USP (Universidade de São Paulo), José Augusto Fontoura, a assinatura em 2026 é “absolutamente normal”. “É possível até que leve mais tempo”, avalia. O especialista explica os trâmites e a necessidade de análise pelo Legislativo dos 31 países.
“Quem negocia, fecha e consolida o texto é o Executivo, mas esse tipo de acordo, para entrar em vigor, precisa de aprovação do Legislativo. Nem o Brasil, nem outros países do Mercosul — e os europeus, de modo geral — têm um instrumento de aprovação prevista para acordos. ‘Negociem, e o que vocês conseguirem já está aprovado’. Isso não existe. Isso leva tempo”, acrescenta Fontoura.
Na União Europeia, a parceria terá de receber o aval do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia. Em relação ao Mercosul, cada Legislativo do bloco terá de aprovar o texto — Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina.
A Bolívia, que entrou no grupo em julho do ano passado, não fará parte dessa fase do acordo. No Brasil, o tratado precisa receber o sinal verde da Câmara dos Deputados e do Senado.
A professora de direito internacional da USP Maristela Basso observa que os ritos constitucionais são demorados. “É demorado porque são muitas revisões”, afirma, ao explicar que, após a aprovação pelo Congresso, o texto transforma-se em um decreto legislativo.
“Será, então, enviado ao presidente Lula para ratificação, que vai confirmar a assinatura que ele deu lá no início [em dezembro de 2024]”, acrescenta a professora.
Maristela é mais pessimista em relação à entrada em vigor da parceria comercial. “No caso de um acordo dessa magnitude, eu imagino que pode levar anos [para a assinatura]. Lula deve fazer isso rapidamente, mas não adianta só um país ratificar, é preciso que todos aprovem para que o acordo entre em vigor”, completa.
Fatores internos
Professora de relações internacionais e doutora em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), Denilde Holzhacker concorda com os colegas e acrescenta outro fator: questões políticas internas dos países envolvidos, como França e Alemanha.
Na França, o presidente Emmanuel Macron nomeou, em dezembro, François Bayrou como primeiro-ministro. Dez dias após assumir o cargo, Bayrou formou um novo governo — o quarto, em apenas um ano. O parlamento francês está dividido, e nenhum partido tem maioria absoluta. O novo primeiro-ministro já enfrentou duas votações no Legislativo para tirá-lo do cargo.
A Alemanha tem eleições marcadas para 23 de fevereiro. O atual chanceler, Olaf Scholz, tenta a reeleição, em meio a protestos no país e um cenário político dividido.
“[O prazo de 2026] está absolutamente dentro do esperado. As mudanças de governos, as instabilidades, tudo isso afetaria de alguma forma o cronograma de assinatura e a entrada em vigor do acordo. Então, entendo a posição cautelosa do Itamaraty, porque não tem só o trâmite técnico que já estava previsto, mas também essas mudanças de contextos, que podem acabar emperrando e levando a mais tempo para a entrada em vigor do acordo”, analisa Holzhacker.
Texto em outras línguas
José Augusto Fontoura aponta que o processo de tradução, necessário para a assinatura, também é demorado. O texto precisa ser traduzido para as 23 línguas oficiais da União Europeia e as duas do Mercosul — português e espanhol.
“Leva muito tempo. Quando se fala em um acordo desses, não é só texto, são diversos documentos, com produtos, listas de denominação de origem, concessões, um corpo gigantesco de detalhes. A gente não fica sabendo porque não serão necessariamente divulgados, mas precisam ser traduzidos”, explica o professor.