Alta dos alimentos: entenda se medidas do governo para conter preços serão eficazes
O R7 conversou com especialistas que avaliaram o impacto das ações para o consumidor e para o produtor
Economia|Beatriz Oliveira*, do R7, em Brasília

Para tentar conter a alta no preço dos alimentos, o governo federal apostou em algumas medidas, que incluem zerar a tarifa de importação de nove produtos, reforçar estoques públicos com alimentos básicos e investir no Plano Safra com foco na cesta básica. Entretanto, especialistas consultados pelo R7 avaliam que a abordagem pode enfrentar desafios a longo prazo.
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Nessa sexta-feira (7), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o governo pode tomar “medidas mais drásticas” se necessário e disse estar “preocupado com o preço dos alimentos”. A fala sucede o anúncio da estratégia pública para contenção dos preços, que foi feito na última quinta-feira (6) pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. As medidas divulgadas são:
- Alíquota de importação zerada em nove produtos, incluindo carne, azeite e café;
- Ampliação do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos e Insumos Agropecuários;
- Plano Safra com prioridade para produção de alimentos da cesta básica;
- Fortalecer estoques de alimentos básicos da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento;
- Tentativa de zerar o ICMS dos produtos da cesta básica nos estados;
- Parceria entre governo e setor privado para divulgar empresas que tenham melhores preços para fomentar competitividade e ajudar o consumidor a ter acesso a produtos mais baratos.
Por que os preços estão altos?
Em 2024, o segmento de alimentação e bebidas teve um aumento acima da inflação, e os preços subiram 7,69%, segundo medição do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os consumidores sentiram o peso em produtos como carne e café moído, que terminaram o ano com altas de 20,84% e 39,6%, respectivamente.
Essa resultado foi influenciado por fatores internos e externos ao Brasil. O valor do dólar, por exemplo, aumenta o custo de importações e insumos agrícolas, o que pressiona os preços dos produtos internos, como aponta o cientista político Gabriel Lepletier.
Com o dólar valorizado e a demanda aquecida, os preços tendem a subir. A desvalorização do real estimula que os alimentos no Brasil sejam exportados, o que reduz a oferta interna
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Lepletier pontua que as mudanças climáticas também influenciam no valor final para o consumidor, pois as safras dependem do clima para terem bom desenvolvimento. Segundo ele, essas questões geram escassez de determinados produtos no país.
O cientista político João Felipe Marques relembra que o cenário de guerra no leste europeu é outro fator determinante na produção agrícola, pois gera impacto nos valores de fertilizantes e outros componentes químicos essenciais para a lavoura. Ele ressalta que outros países têm esse problema, porém, o Brasil sente mais impacto por ser um dos maiores produtores de commodities no mundo.
A imposição de novos tributos e regras que dificultam a venda e distribuição de produtos agrícolas no Brasil é outro ponto que recai sobre os valores no mercado, segundo Marques. Com o gancho dos impostos, o especialista afirma que a situação internacional de tarifas aplicadas a outros países e acordos de longo prazo também pesam no segmento alimentício nacional.
Em fevereiro deste ano, o presidente Lula reforçou a questão climática e a alta do dólar como pilares de impacto na alta dos alimentos e afirmou que “obviamente não consegue controlar do dia para noite” e que o governo vai “trazer o preço para baixo, e as coisas vão ficar acessíveis”.
As medidas são eficazes?
Para os especialistas ouvidos pelo R7, o pacote de medidas do governo deve trazer os resultados desejados em curto período, mas pode enfrentar desafios a longo prazo. Segundo eles, a redução da tarifa de importação é a medida que pode ter efeitos mais rápidos em comparação às outras.
O economista Gean Duarte explica que, ao zerar a tarifa que é cobrada quando os produtos entram no Brasil, a importação se torna mais barata, o que pode ajudar a aumentar a oferta e, consequentemente, pressionar os preços para baixo.
Entretanto, para que essa redução chegue de forma efetiva às prateleiras dos mercados, é preciso que as empresas importadoras repassem a redução de custos aos consumidores, o que nem sempre ocorre imediatamente, segundo o economista Werton Oliveira. Ele também destaca que o cenário internacional pode atrapalhar a eficácia da medida.
Se o dólar se valorizar, o custo de importação pode aumentar, anulando parte do benefício da isenção e dificultando a velocidade do efeito. É interessante analisar se a oferta no mercado internacional consegue atender à demanda brasileira a curto prazo sem aumentar os preços globais, pois os itens que sofreram redução de impostos são em sua maioria commodities, que têm seus preços determinados no mercado internacional
Em relação às outras estratégias, como reforçar os alimentos básicos por meio do Plano Safra e dos estoques da Conab, os especialistas esperam que os impactos sejam mais lentos e graduais.
Duarte explica que, com mais crédito facilitado, o Plano Safra tende a estimular a produção e o investimento, o que pode aumentar a oferta de alimentos no médio e longo prazo e ajudar a estabilizar os preços. Porém, o impacto demoraria ao menos uma ou duas safras para aparecer, segundo o economista.
No geral, os economistas avaliam que o pacote tem potencial para aliviar os preços, mas não deve resolver sozinho o problema da inflação dos alimentos. Para Duarte, as medidas devem ter mais políticas de apoio a longo prazo que mexam na raiz do problema, e, para Oliveira, os desafios serão significativos e exigirão uma gestão cuidadosa para evitar efeitos colaterais negativos.
Apesar disso, a avaliação é de que os consumidores brasileiros sintam o impacto nos preços em alguns meses com as tarifas de importação zeradas, e em ao menos um ano em relação aos incentivos à produção interna.
Desafios para a produção nacional
O anúncio do pacote de medidas não teve repercussão positiva entre o setor agrícola e enfrenta resistência. Ao R7, o deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária Pedro Lupion (PP-PR) afirmou que a isenção de impostos para alimentos da cesta básica não terá efeito imediato para os consumidores por depender da adesão na diminuição de tributos por parte dos municípios. Ele ressaltou que houve falta de diálogo entre o governo e o setor agrícola.
O presidente da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo), Paulo Antonio Pusch Bertolini, também duvida da eficácia das medidas de contenção dos preços. Para ele, a alta da inflação não é decorrente dos produtores, mas sim da política monetária do governo.
“Não é o agricultor brasileiro, o produtor de milho brasileiro, o culpado pela inflação. A expansão monetária também desvalorizou o câmbio, tornou nossos produtos mais caros em real e encareceu também o custo do diesel, que afeta diretamente no transporte dos nossos produtos internamente”, diz.
Os economistas consultados avaliam que as medidas podem trazer risco para a produção nacional de alimentos, principalmente para produtores rurais locais. Eles avaliam que pode existir um cenário de desvalorização do mercado interno.
Duarte explica que, se a importação deslanchar e vier com preços muito competitivos, o produtor rural local pode sentir a pressão, pois produtos de fora como azeite e café competem diretamente com a produção nacional. A ideia é reforçada por Oliveira, que aponta a possibilidade de desestímulo, especialmente em setores onde a competitividade já é baixa.
Entretanto, esse impacto pode ser minimizado se o governo manter o equilíbrio com incentivos e crédito para o produtor local, segundo Duarte. Além disso, o especialista aponta que a indústria nacional pode ganhar com matéria-prima mais barata.
Governo com postura ativa
O custo dos alimentos é um ponto frágil do governo e é considerado pelos especialistas como o principal motivo para o crescimento da desaprovação da terceira gestão de Lula.
Para Marques, o posicionamento de Lula sobre a possibilidade de medidas mais drásticas pode ter uma intenção político-econômica clara, que é reverter a imagem negativa do governo perante o mercado e a população. Além disso, em um contexto de baixo apoio no Congresso e redução do apoio entre eleitores, medidas que impactam o cotidiano dos cidadãos podem ser vistas como forma de fortalecer a base de apoio político, segundo o cientista político.
Lepletier explica que, ao adotar uma postura mais visível e firme, o presidente tenta reassumir o controle da narrativa econômica, especialmente entre seus principais aliados históricos.
“Ao sugerir medidas mais drásticas, Lula tenta suavizar a imagem negativa do governo e mostrar que está disposto a agir com maior rigidez, o que pode ressoar positivamente entre a população”, afirma o especialista.
Ao mesmo tempo, a reação do governo demonstra uma preocupação com o descompasso entre as estatísticas de crescimento econômico e redução do desemprego e a percepção da população, que ainda não sente os benefícios desses resultados no bolso, como aponta Marques.
Mesmo com indicadores positivos, o cidadão brasileiro ainda enfrenta dificuldades no dia a dia devido aos altos preços dos alimentos. Essa abordagem mais direta do governo sugere uma tentativa de alinhar os resultados macroeconômicos com a realidade cotidiana das pessoas, especialmente em relação ao custo de vida
*Sob supervisão de Leonardo Meireles