Logo R7.com
Logo do PlayPlus

A feminização da agricultura

As mulheres estão cada vez mais nas linhas de frente para lutar pelo sustento das propriedades rurais familiares

Internacional|Do R7

Por todo o mundo em desenvolvimento, milhões de pessoas estão migrando da lavoura para as cidades em busca de trabalho. Os migrantes são, na maioria, homens. Por conta disso, as mulheres estão cada vez mais nas linhas de frente para lutar pelo sustento das propriedades rurais familiares. Porém, a discriminação generalizada, os estereótipos de gênero e a baixa posição social feminina frustraram a fuga dessas mulheres da pobreza e da fome.

A discriminação nega às agricultoras em pequena escala o mesmo acesso que os homens têm a fertilizantes, sementes, crédito, filiação a cooperativas e sindicatos, além de assistência técnica. Tudo isso impede os potenciais ganhos de produtividade. Porém, as maiores barreiras nem sequer têm a ver com a agricultura – e, mesmo assim, têm um efeito enorme na segurança alimentar.

Prevenindo uma guerra fria no ártico

Senhor presidente, derrube este muro


No final, um péssimo administrador

Como cuidadores principais ou únicos, mulheres e meninas muitas vezes enfrentam um fardo pesado de tarefas domésticas não remuneradas, tais como cozinhar, limpar, buscar água, catar gravetos ou cuidar das crianças pequenas e dos idosos. Tais atividades sem remuneração equivalem a até 63% do Produto Interno Bruto da Índia e Tanzânia. Contudo, elas resultam em oportunidades perdidas para mulheres, que não têm tempo para frequentar aulas, viajar a mercados para vender a produção ou executar outras atividades para melhorar as perspectivas econômicas.


Sem dúvida, algumas propriedades rurais chefiadas por mulheres recebem remessas de valores dos homens ausentes, mas geralmente estas não são o bastante para compensar as pressões econômicas que elas encaram. E nós sabemos que, quando as mulheres obtêm mais educação e aprimoram a posição social e econômica, aumentam os gastos da família com nutrição, melhoram a saúde das crianças e as pequenas granjas se tornam mais produtivas.

Estudo conduzido em 2000 nos países em desenvolvimento pelo Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas de Alimentos descobriu que 55% da redução da fome entre 1970 e 1995 poderiam ser atribuídos a melhorias no status feminino na sociedade. Somente o progresso na educação feminina em si (responsável por 43%dos ganhos em segurança alimentar) foi quase tão significativo quanto o aumento de disponibilidade de alimentos (26%) e os progressos na saúde (19%) somados.


Muitos governos reconheceram as causas da armadilha da pobreza, mas não fizeram o bastante para remover os obstáculos diante das mulheres. Por exemplo, vários países asiáticos introduziram pensões para manter as meninas estudando, mas muitas escolas não contam com instalações sanitárias adequadas, existe escassez de professoras, desestimulando pais conservadores que não desejam ter homens lecionando para as filhas, e pouco é feito para impedir os agricultores de tirar os filhos da escola – geralmente, primeiro as meninas – para cultivar a terra.

Países como a Indonésia introduziram programas de microfinanciamento para ajudar as mulheres a correr atrás de ideias de pequenas empresas em vez de cuidar da casa. Porém, mulheres com capacidade creditícia são às vezes utilizadas como intermediárias para a obtenção de empréstimos para negócios tocados por parentes homens.

Em relatório do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas divulgado recentemente, eu defendo uma abordagem ampla baseada nos direitos e concentrada na remoção da discriminação jurídica e na melhora dos serviços públicos – creches, abastecimento de água, saneamento e fornecimento de energia – para reduzir os encargos sobre as mulheres responsáveis por propriedades rurais. Contudo, essa abordagem também deve sistematicamente desafiar os tradicionais papéis de gênero que oprimem as mulheres pondo as tarefas domésticas em primeiro lugar.

Em Bangladesh, um programa iniciado em 2002 por um grupo sem fins lucrativos, Building Resources Across Communities, demonstra como essa meta pode ser alcançada. O programa forneceu aves às mulheres (mais fáceis de criar do que porcos, vacas, cabras e ovelhas), subsidiou serviços jurídicos e de saúde, água limpa e latrinas, além de uma bolsa diária temporária para suprir mulheres extremamente pobres que trabalhavam como empregadas domésticas em busca de renda extra, para que pudessem se dedicar à agricultura. O programa também contou com o apoio das elites locais, que, entre outras coisas, poderiam garantir que os filhos dessas mulheres fossem matriculados na escola.

Nas Filipinas, um programa de transferência de dinheiro condicional, iniciado em 2008, atende três milhões de famílias. Buscando aprimorar o acesso feminino aos cuidados obstétricos e à melhora da saúde e da educação infantil, o programa inclui um "plano de ação de gênero" o qual exige que as contas bancárias sejam abertas no nome das mulheres (para proteger o controle do dinheiro e impedir fraudes), e também as educa sobre seus direitos no que tange à violência doméstica, puericultura, nutrição e outras áreas, além de preparar os pais a dividir a responsabilidade como cuidadores.

Na província de Yunnan, porção ocidental da China, grupos de mulheres foram convocados para um programa de manutenção de estradas rurais em 2009. As participantes, em sua maioria de minorias étnicas, receberam um pagamento médio de US$ 686 por 110 dias trabalhados, permitindo-lhes ascender acima da pobreza. As mulheres puderem trabalhar enquanto mantinham outras atividades geradoras de renda, como criação de porcos ou venda de verduras. Elas também receberam treinamento para melhorar a produtividade agrícola.

Reconhecer o fardo que a feminização da agricultura global exerce sobre as mulheres exige de nossa parte a destruição de antigas normas de gênero que as têm oprimido, embora mais e mais delas alimentem o mundo. As estratégias mais eficazes para capacitar as mulheres que cuidam da propriedade rural e da família – e aliviar a fome, nesse processo – envolvem a remoção de obstáculos que as impedem de tomar conta de suas vidas.

(Olivier De Schutter, professor de direito da Universidade Católica de Louvain, é o relator especial da ONU sobre o direito à comida.)

O que acontece no mundo passa por aqui

Moda, esportes, política, TV: as notícias mais quentes do dia

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.