Conheça o cachorro fugitivo que se tornou o centro das atenções nos Estados Unidos
Por 15 meses, Scrim fugiu pelas ruas de Nova Orleans, evitando a captura e desenvolvendo uma base gigante de fãs
Internacional|Rick Rojas, do The New York Times

Ele escapou da morte em um abrigo que precisava abrir espaço para mais cães. Foi baleado – um veterinário retirou fragmentos de munição de seu corpo. Desviou-se de um trem, atravessou uma rodovia interestadual e sobreviveu com comida de gato deixada para animais de rua.
Tem cerca de três anos, pesa quase oito quilos e tem o pelo áspero e opaco. Durante vários meses, grande parte de Nova Orleans, nos Estados Unidos, esteve à sua procura. A cada tentativa frustrada de captura ou fuga improvável, sua fama crescia, assim como sua reputação. Tornou-se uma figura quase mítica, astuta e rápida demais para ser contida.
Sua saga inspirou tatuagens, murais e carros alegóricos do Mardi Gras, o Carnaval da Luisiana. Alguns o veem como um forasteiro que escolheu a liberdade em vez do conforto da vida doméstica. Scrim, como foi chamado em algum momento do caminho, também é a personificação viva e ofegante do espírito de Nova Orleans: assim como a cidade, ele foi em frente apesar de tudo.
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Mas, para o grupo pequeno de voluntários que se uniu durante meses para procurá-lo, Scrim é apenas um cachorrinho que passou por muitos traumas em sua vida curta. “Havia duas possibilidades. As chances de um desfecho positivo diminuíam a cada dia que Scrim continuava à solta”, comentou David W. Brown, jornalista de Nova Orleans que dedicou todo o seu tempo livre à busca.
Cães que seriam sacrificados
Em novembro de 2023, um abrigo superlotado de um município vizinho enviou a Michelle Cheramie uma lista de cães que seriam sacrificados. Entre eles estava Scrim, que parecia uma mistura com a raça West highland white terrier. Há quase 20 anos, nos meses brutais depois do furacão Katrina, a paixão pelos animais levou Cheramie a fundar o Zeus’ Place, nomeado em homenagem ao seu querido cachorro. Seu plano era oferecer serviços de tosa, hospedagem e creche que ajudassem a apoiar um projeto de resgate.

Quando Cheramie acolheu Scrim, o Zeus’ Place estava ajudando a conter uma nova crise: os cães que tinham sido adotados durante a pandemia estavam sendo devolvidos em massa para abrigos já sobrecarregados. Scrim chegou aterrorizado, carregando os traumas de sua vida antiga.
Cheramie só sabia que ele havia sido maltratado e negligenciado. O animal passou algum tempo se recuperando com voluntários. Em abril, alguém decidiu adotá-lo e o levou para casa para uma semana de experiência, como exigido pelo Zeus’ Place. Ele fugiu na primeira noite.
As horas se transformaram em dias de busca por Scrim; os dias, em meses. Cartazes foram espalhados e pedidos de ajuda foram feitos nas redes sociais. Scrim teria sido avistado em vários lugares; alguns relatos eram mais confiáveis do que outros.
Rede de voluntários à procura do cão
Um grupo de voluntários se uniu a Cheramie. Brown se envolveu depois de relatar um avistamento que, descobriu-se, não era Scrim. Bonnie Goodson passou a percorrer seu bairro de bicicleta à noite para procurá-lo. Tammy Murray e Barbara Burger foram recrutadas sem dificuldade.
“Basta me chamar uma vez e já estou na missão”, comentou Burger, jornalista de tribunal e conhecida de Cheramie. Segundo Brown, a equipe percorreu o emaranhado de ruas do bairro Mid-City como se todos fossem patrulheiros. Rastejaram sob inúmeras casas. Correram para verificar relatos de cães mortos, torcendo para que nenhum fosse Scrim. O cachorro continuava correndo, sempre um pouco à frente deles.
Cheramie montou um alvo no quintal de casa feito a partir do contorno de um cachorro que haviam resgatado e que se parecia muito com Scrim. Praticou muito com uma arma tranquilizante. Em 23 de outubro, uma pessoa relatou ter visto Scrim em um terreno onde uma empresa de limusines estaciona seus veículos. Cheramie chegou, posicionou a arma e disparou: “Tiro perfeito.” Ele correu durante sete minutos antes de começar a cambalear em círculos. Cheramie e Goodson o alcançaram. “Você está seguro”, disse Cheramie a ele.
Ele tinha dentes quebrados. Faltava um pedaço de sua orelha. Havia levado um tiro de uma espingarda de chumbinho. Depois de sair do hospital veterinário, foi levado para o que deveria ser seu novo lar, onde ficou durante algumas semanas. Quando sua nova tutora precisou se ausentar, Cheramie o acolheu temporariamente.
Mais uma fuga
Em 15 de novembro, enquanto esta estava fora, Scrim subiu para o quarto da filha dela, onde os gatos da casa descansavam em camas aproveitando a luz do sol. A janela estava aberta, mas tinha uma tela. Ele mastigou e arranhou a malha. Saltou para o telhado da varanda da frente e desapareceu. Esse salto o tornou ainda mais lendário.
Dessa vez, Scrim percorreu uma área muito maior. Passou pelo estádio Superdome. Foi visto vagando entre as girafas do Zoológico de Audubon. De alguma forma, chegou até Harahan, subúrbio afastado. Um mapa colaborativo on-line ficou repleto de avistamentos.
Uma linha de pensamento polêmica surgiu: talvez o cachorro não precisasse ser capturado. Se ele queria ser livre, que fosse deixado assim. Para alguns, Scrim passou a representar a ideia romântica de se desprender das amarras da vida e escolher o próprio caminho.
“Ele não é só um cachorro fofo com uma história engraçada”, afirmou Coco Darrow, que projetou um enfeite de Mardi Gras, conhecido como house float, retratando Scrim como um santo em uma vela de oração.
Para a equipe de busca, a segunda fuga de Scrim significava mais pistas para verificar e mais rastejamento por baixo de casas. Scrim ignorou as armadilhas preparadas com carne bovina e frango frito do restaurante Popeyes.
Os voluntários passaram a acreditar que o cachorro tinha aprendido a usar as ruas de mão única de Nova Orleans a seu favor: se corresse contra o trânsito, seria mais difícil para os perseguidores de carro alcançá-lo. Burger pegou a antiga scooter motorizada de seu filho em uma noite e o perseguiu durante pelo menos três quilômetros. Mas o veículo não passava de 24 quilômetros por hora, e Scrim escapou.
Perdido pelas ruas da cidade
As noites longas em cantos aleatórios da cidade os lembraram de que Scrim não era a única criatura perdida em Nova Orleans. Os membros da equipe resgataram dezenas de outros cães e gatos. Também conheceram pessoas em situação de rua e as ajudaram. “Isso abriu meus olhos”, disse Burger.
Quanto mais tempo a busca durava, mais a perspectiva de encontrá-lo vivo parecia um milagre. Scrim continuava foragido durante a queima de fogos do Ano-Novo, e a atenção ao seu caso diminuiu depois que um atentado mortal na Rua Bourbon, no dia seguinte, mergulhou a cidade em luto e medo. Ele também estava sozinho em meio à agitação do Super Bowl e durante uma nevasca que paralisou a cidade, trazendo mais neve do que Nova Orleans tinha visto em décadas.

No dia 11 de fevereiro, Cheramie recebeu uma mensagem de texto com uma foto. Scrim estava preso em uma armadilha que fora montada para capturar gatos selvagens. Dois dias depois, lá estava ele, relaxando em uma caminha na casa de Cheramie. Estava perfeitamente calmo, mesmo quando as pessoas apareciam para vê-lo.
Era como um bebê recém-nascido que todo mundo queria ver e pegar no colo. Aceitou carinho, brinquedos e algumas guloseimas que as visitas trouxeram. O cachorro de Cheramie, quase 41 quilos de curiosidade e carência chamado Scooby-Doo, ficou emburrado como um irmão mais velho faminto por atenção.
As armadilhas foram desmontadas. Cheramie estava ansiosa para desligar o segundo celular que usava para receber as pistas. Quando a equipe de buscas se reuniu em sua casa no dia 13 de fevereiro à noite, foi para comer pizza e compartilhar histórias.
Cheramie continuava verificando obsessivamente as portas, as janelas e os portões. Burger disse que queria acreditar que Scrim está pronto para uma vida diferente. Talvez esteja. Mas também pode estar planejando, esperando a oportunidade perfeita para fugir.
c. 2025 The New York Times Company