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Zona Desmilitarizada: brasileiro que visitou um dos lugares mais tensos do mundo relata sua experiência

Bruno Moreno, de 38 anos, esteve na faixa de terra que separa as Coreias; soldados armados dos dois lados fazem a guarda do local

Internacional|Sofia Pilagallo, do R7

Bruno Moreno posa ao lado da entrada da Zona Desmilitarizada
Bruno Moreno posa ao lado da entrada da Zona Desmilitarizada

O ano era 2014. A Zona Desmilitarizada (DMZ, na sigla em inglês), faixa de terra que separa as Coreias, considerada um dos lugares mais tensos do mundo, nem sequer aparecia no Google Street View — recurso do Google que disponibiliza vistas panorâmicas das ruas pelo mundo. Tudo o que se sabia sobre o local era o que se via na mídia e se lia nos livros de história. Então, Bruno Moreno, de 38 anos, decidiu que precisava ver aquilo com seus próprios olhos.

Bruno, que hoje é professor, à época trabalhava em uma multinacional sul-coreana de eletrônicos, na parte de desenvolvimento de produtos. Sete dias após ser contratado, em março daquele ano, a empresa o realocou de Manaus, capital do Amazonas, para Suwon-si, na Coreia do Sul, a cerca de 30 quilômetros da capital Seul. Lá, ele ficou por dois meses longe da esposa e da filha pequena.

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O brasileiro não foi à Coreia do Norte durante sua estadia na Coreia do Sul — até porque a viagem exige um trâmite burocrático bastante complexo. Mas, enquanto esteve lá, conta que o líder norte-coreano, Kim Jong-un, realizou um de seus lançamentos com mísseis balísticos, interpretado como uma demonstração de força aos países vizinhos, sobretudo à Coreia do Sul. A guerra entre as Coreias, entre 1950 e 1953, foi interrompida por um cessar-fogo, mas os dois países seguem em conflito velado e mantêm um clima de hostilidade até hoje.

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"Depois desse teste balístico, eu e meus amigos brasileiros pensamos que precisávamos conhecer a Zona Desmilitarizada para entender melhor esse conflito", afirma Bruno.


A Zona Desmilitarizada foi criada pela ONU em 1953, quando as Coreias concordaram com um armistício. A área é rodeada de cercas elétricas e arame farpado, onde há instalações militares da Coreia do Sul e do Norte, que ficam de frente uma da outra. O local não é essencialmente turístico, mas tornou-se popular e recebe centenas de visitantes todos os dias, do lado sul-coreano.

Visitantes são atraídos para a Zona Desmilitarizada não só pelo fator histórico, mas também pelo perigo iminente ao qual são expostos durante a visita, uma vez que soldados armados dos dois lados fazem a guarda da área 24 horas por dia. Não por acaso, a entrada no local exige a assinatura de um termo, no qual a pessoa afirma estar ciente de todos os riscos envolvidos.


A visita

Bruno descreve a experiência de visitar a Zona Desmilitarizada como "paradoxal". Por um lado, trata-se de uma área "tensa" e com "forte aparato militar", com várias barricadas ao longo do caminho — as "duas ou três primeiras" dos norte-coreanos e as demais dos sul-coreanos.

Além disso, existem muitas regras. Não é em todo lugar que os turistas podem pegar o celular ou tirar fotos, por exemplo, e o local é cheio de placas que reforçam isso.

Por outro lado, o lugar não se resume a uma aglomeração de soldados. Há também várias exposições, observatórios e monumentos que ajudam o visitante a entender melhor a história entre as Coreias, e a hostilidade que perdura entre os países.

Placa dentro da Zona Desmilitarizada avisa que tirar foto não é permitido após determinada área
Placa dentro da Zona Desmilitarizada avisa que tirar foto não é permitido após determinada área

É importante ressaltar que toda a história contada durante a visita foi transmitida a partir da narrativa sul-coreana da guerra — inclusive, a pessoa que guiou Bruno e outros turistas durante a visita era uma nativa do país. Com isso, ele pôde entender não só toda a questão histórica por trás da Zona Desmilitarizada, como também a influência que a guerra teve e tem na vida das pessoas até hoje.

"A avó da guia turística era norte-coreana. O conflito separou famílias. A guerra faz parte da vida dessas pessoas, inclusive do contexto familiar", afirma.

Durante a visita, a guia falou extensamente também sobre como a Coreia do Norte é um país pobre, onde as pessoas passam fome, e mencionou a existência dos chamados "prédios da propaganda". Trata-se de estruturas de "três ou quatro andares" construídos para enganar os turistas, e mascarar a dura realidade de pobreza em que vivem os norte-coreanos.

Segundo ela, os sul-coreanos acreditam que os lançamentos de mísseis balísticos de Kim Jong-un acontecem no momento em que a fome no país atinge níveis alarmantes, e os disparos seriam uma forma de chamar atenção e pedir por mantimentos básicos. Essa narrativa é reforçada nas exposições, que mostram fotos de norte-coreanos fracos e desnutridos.

Exposição na Zona Desmilitarizada mostra crianças norte-coreanas desnutridas
Exposição na Zona Desmilitarizada mostra crianças norte-coreanas desnutridas

As preocupações com a escassez crônica de alimentos na Coreia do Norte vêm crescendo nos últimos tempos. Alguns especialistas afirmam que o país atingiu seu pior patamar desde a fome dos anos 1990, conhecida como "marcha árdua", que matou centenas de milhares de pessoas, ou cerca de 3% a 5% do que era então uma população de 20 milhões de pessoas. A avaliação tem como base dados, imagens de satélites e análises da ONU (Organizações das Nações Unidas) e outras entidades.

É difícil ver a realidade nua e crua da Coreia do Norte, uma vez que os visitantes da Zona Desmilitarizada não podem passar para o outro lado, e viajar para o país exige muita burocracia. No Brasil, é preciso entrar em contato com uma agência de turismo chinesa e emitir um visto norte-coreano.

O máximo que Bruno e outros turistas puderam ver foi uma área rural e os "prédios da propaganda", com a ajuda dos binóculos fornecidos nos observatórios. Ele comprou uma câmera profissional para tentar fotografar a paisagem norte-coreana com a maior nitidez possível, mas o resultado ficou aquém do esperado.

Foto que Bruno tirou da Coreia do Norte de dentro da Zona Militarizada, com a ajuda do zoom da câmera
Foto que Bruno tirou da Coreia do Norte de dentro da Zona Militarizada, com a ajuda do zoom da câmera

Embora não seja possível entrar em território norte-coreano, há muita coisa a ser explorada dentro da própria Zona Desmilitarizada, como os vários observatórios espalhados pelo caminho. Um deles, que chamou a atenção de Bruno, em particular, foi construído em homenagem a vítimas da guerra cujas ossadas teriam sido encontradas em túneis secretos. Muitos desses túneis não foram descobertos até hoje, e o último foi descoberto depois dos anos 2000.

Outra parte do passeio de que Bruno se recorda com muita clareza foi a visita à estação ferroviária Dorasan, que cruza as Coreias e está em desuso desde 1953, quando a guerra foi interrompida pelo cessar-fogo. A estação foi usada uma única vez desde então, em 17 de maio de 2007, fato considerado por Seul na época como um símbolo histórico de conciliação, embora um acordo de paz não tenha ido adiante.

O brasileiro também menciona uma área especialmente emocionante dentro da Zona Desmilitarizada, onde os visitantes podem escrever em um pequeno papel seus pedidos pelo fim da hostilidade entre as Coreias e pendurá-los nas paredes do local. Ainda que o conflito esteja longe do fim, milhares de pessoas que passaram por lá demonstraram que ainda vislumbram um final feliz para essa história.

Bruno posa ao lado de área da Zona Desmilitarizada em que os visitantes podem depositar seus pedidos pelo fim do conflito
Bruno posa ao lado de área da Zona Desmilitarizada em que os visitantes podem depositar seus pedidos pelo fim do conflito

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