Acostumada à perfeição, Suécia começa a conviver com problemas típicos do Brasil
Distúrbios na periferia de Estocolmo revelam pobreza e desigualdade social do país
Internacional|Wellington Calasans, especial para o R7, em Estocolmo
Oito escolas, seis prédios e 150 carros queimados ou destruídos, além da prisão de 30 suspeitos. A onda de protestos violentos registrados semana passada na Suécia é a consequência de um tripé de fracassos do atual governo: política econômica que vê benefícios sociais como despesas, ausência de uma política de integração social e o índice de desemprego (alto para os padrões suecos).
Passaram sete anos de mandato do atual primeiro-ministro, Fredrik Reinfeldt (do partido Moderaterna), e dos partidos de direita que estão na base de sustentação de seu governo, mas nenhuma mudança profunda ocorreu no país.
A educação e a saúde nunca estiveram tão mal, e demorou os mesmos sete anos para que o Ministro das Finanças, Anders Borg, visse a África como um continente importante para o crescimento econômico sueco.
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Próximo do final de seu segundo mandado, Reinfeldt foi decisivo para a ocorrência de tudo o que tem sido noticiado no mundo sobre a onda de distúrbios nos subúrbios de Estocolmo e que agora ganha focos em outras cidades do país.
As cenas de carros queimados e enfrentamento com a polícia não chamam a atenção pelo ineditismo, pois isso já foi visto na Inglaterra e França, mas sim pelo país onde tudo isso ocorreu. O que agora tentam chamar de vandalismo, na verdade é um tapa na hipocrisia que sustentava o mito da “Suécia da igualdade social”.
A máscara caiu! De nada vai adiantar a tentativa de associar os protestos à vingança pela morte isolada de um imigrante, como vem tentando fazer a imprensa, a polícia e outras autoridades.
Quem mora na Suécia, especialmente aqui na capital, sabe que o racismo geográfico, imposto principalmente aos refugiados de guerra, estava cada vez mais visível.
Além disso, a violência na periferia de Estocolmo era um roteiro esperado, diante de tanto abandono e provocações aos imigrantes — aspectos retratados nas urnas, após a ocupação de 20 cadeiras no parlamento por um partido que definiu o imigrante como a razão de todos os problemas suecos.
A chegada ao parlamento do Sverigedemokraterna (partido de ultradireita) foi mais um dos dentes dessa engrenagem que agora roda para alimentar a baderna generalizada.
Arrastões no futuro?
Muitos suecos ricos e brancos, que moram na área mais central da cidade, vivem totalmente alheios aos problemas sociais existentes no país.
Ainda protegidos da presença dos “Mustafás” (nome dado por eles aos imigrantes vindos do Oriente Médio), por causa dos altos preços de seus restaurantes, lojas e bares, aqueles que foram chamados de “suecos étnicos” pelo próprio primeiro-ministro são capazes de almoçar em Londres e jantar em Paris, mas incapazes de atravessar uma das pontes que separam as ilhas do centro da capital e a “periferia dos imigrantes”. O alerta foi dado com os distúrbios dos subúrbios, mas se nada for feito imediatamente, certamente “os étnicos” serão visitados em forma de “arrastões”.
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Com um índice de desemprego superior aos 8% e sendo os jovens mais de 60% desse bolo, chegou a hora de o governo aparecer na TV para debater com mais seriedade os problemas existentes.
Além da imigração, integração, desemprego e racismo, será necessário ir mais a fundo na questão econômica, pois é na falta de investimento no setor produtivo que nascem e crescem as mazelas que aumentam as distâncias entre ricos e pobres, sejam imigrantes ou não.
Nem mesmo a imprensa local — que debate mais a oposição que o governo e que, em momentos de crise, prefere discutir se os morangos suecos são mais ou menos doces que os dos vizinhos —, será capaz de ignorar o que o mundo todo viu.
Mais que impressões pessoais, os números falam isso de uma forma muito explícita. Para a surpresa dos que ignoraram a realidade agora revelada nos arredores de Estocolmo, dados recentes do OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostram que o crescimento da desigualdade na Suécia é o mais rápido dos 34 países do Bloco Econômico Europeu.
Em razão disso, qualquer coisa poderia ser a gota d'água para os distúrbios. Os 150 carros, oito escolas e seis prédios queimados ou destruídos, além das 30 prisões de suspeitos, não significam muito se comparados aos danos à imagem da Suécia na comunidade internacional.
O fracasso do atual governo nas recentes pesquisas de opinião pública é a resposta que praticamente antecipa os resultados das eleições do próximo ano.
Nos últimos 30 anos, os partidos de direita chegaram duas vezes ao poder e, em ambas, o caos foi instaurado no país. No início dos anos 90, o governo liderado por Carl Bildt (atual ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia) abriu mão da política de pleno emprego praticada nas décadas que antecederam o estado de bem-estar-social. Colheu como resultado uma crise de desemprego, que gerou uma onda de xenofobia jamais vista no país.
Agora, os suecos e imigrantes já perceberam que na política não existe coincidência, e errar na escolha pode ser um risco para o presente e o futuro da Suécia e dos suecos, “étnicos” ou não.
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