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R7 Brasília

Projetos querem alterar lei para proibir prisão de quem vive sem trabalhar e não pode se sustentar

Contravenção penal por vadiagem é crime no Brasil, com prisão de até três meses; especialistas alegam que a regra penaliza a pobreza

Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília

Ideia é revogar parte da Lei de Contravenções Penais
Ideia é revogar parte da Lei de Contravenções Penais José Cruz/Agência Brasil/arquivo

Pelo menos três projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional pedem para revogar o trecho da Lei de Contravenções Penais, de 1941, que trata da punição da vadiagem. O artigo 59 diz que quem vive sem trabalhar e não tem dinheiro para se sustentar pode ser preso por até três meses. Para especialistas e parlamentares, a regra é ultrapassada e penaliza a pobreza.

Um dos projetos de lei é de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), com relatoria da senadora Augusta Brito (PT-CE). Além de alterar o trecho, o relatório da proposta também sugere remover a ideia de que quem é condenado por vadiagem ou mendicância é perigoso.

Contarato: lei criminaliza a desigualdade social
Contarato: lei criminaliza a desigualdade social Jefferson Rudy/Agência Senado

Na justificativa do projeto, Contarato afirma que o trecho da Lei de Contravenções Penais criminaliza a desigualdade social e o desemprego, e, apesar de a regra ser pouco utilizada atualmente, ainda "existem autoridades policiais, especialmente, em cidades pequenas, que fazem uso desse expediente para constranger e prender pessoas em situação de precariedade social".

Retirá-lo do ordenamento jurídico é essencial para impedir que este tipo de injustiça siga acontecendo no Brasil.

(senador Fabiano Contarato (PT-ES))

A proposta foi aprovada pela Comissão de Segurança Pública do Senado no ano passado, mas ainda aguarda a aprovação dos senadores da Comissão de Constituição e Justiça antes de ser encaminhada ao plenário. O projeto está atualmente aguardando a designação de um relator na comissão. Caso seja aprovado no Senado, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados.


Trecho do jornal A Noite, em 1929
Trecho do jornal A Noite, em 1929 Biblioteca Nacional Digital

A vadiagem chegou a figurar como crime no Código Criminal de 1830, na época do Brasil Império, e no Código Penal de 1890, já no período da República. A infração passou a ser uma contravenção penal (um crime de menor grau ofensivo) em 1941, durante o período do Estado Novo de Getúlio Vargas.

Nessa época, outras condutas também eram consideradas contravenções, como a adivinhação, a interpretação de sonhos e a mendicância. No entanto, legislações mais recentes revogaram a criminalização dessas práticas.


De acordo com o especialista em direito e processo penal e mestre em direito das relações sociais Leonardo Pantaleão, a criminalização da vadiagem começou durante a Revolução Industrial, no século 18, na Inglaterra, especialmente, relacionada à indústria têxtil emergente.

"A tipificação penal da vadiagem remonta a uma época em que prevalecia o chamado Direito Penal do Autor, ou seja, punia-se a pessoa pelo que ela era, não pelo que ela fazia", afirma.


Ele detalha que, na época, os camponeses foram os primeiros e principais acusados por vadiagem, porque, com o advento da indústria, muitos camponeses foram expulsos do campo. Ao mesmo tempo, as leis penais os obrigavam a trabalhar na indústria urbana, resultando em uma migração forçada para o trabalho nas cidades.

Pessoas em área da Cracolândia, em São Paulo
Pessoas em área da Cracolândia, em São Paulo Reprodução/RECORD

Sem a proteção de leis trabalhistas, aqueles que se recusavam eram acusados de vagabundagem e punidos até mesmo com castigos físicos, como açoitamento, marcação a ferro quente e, em casos extremos, execução.

Pantaleão argumenta a favor da revogação da contravenção penal, pois a prática da vadiagem não causa desequilíbrio na sociedade e resulta em punições seletivas.

É evidente que a prática da vadiagem não gera um desequilíbrio na sociedade. Além disso, as punições acabam sendo seletivas: pessoas humildes e pobres que levam uma vida de ócio são punidas, enquanto aquelas de alto poder financeiro e econômico que também se dedicam à ociosidade muitas vezes são elogiadas e até mesmo conquistam espaço e reconhecimento como 'herdeiros' em colunas sociais.

(Leonardo Pantaleão, advogado especialista em direito e processo penal e mestre em direito das relações sociais)

Na mesma linha, o advogado Acácio Miranda, especialista em direito penal e constitucional, diz que a vadiagem é uma "construção histórica preconceituosa". 

"É problemático pensar que a contravenção foi criada durante a Ditadura Militar e que os afetados pela lei são geralmente pessoas de certas classes sociais e em desvantagem social", argumenta.

Essa abordagem é incompatível com nossa Constituição de 1988, o que justifica sua revisão. Além disso, em pleno 2024, não é aceitável que alguém seja preso simplesmente por estar em uma situação em que aparentemente não está fazendo nada.

(Acácio Miranda, advogado especialista em direito penal e constitucional)

Para o advogado criminalista Rafael Paiva, faz sentido que a contravenção seja revogada. "A contravenção da vadiagem ainda está prevista, mas há muitos anos não é aplicada."

Alguns argumentam que, com a Constituição de 1988, ela não é mais aplicável, pois não foi reconhecida judicialmente. Com o tempo, desde 1988, ela se tornou uma lei morta, sem aplicação prática. Então, o que essa proposta faz é apenas formalizar o que já está em desuso.

(Rafael Paiva, advogado criminalista)

Propostas arquivadas e novos projetos

Essa não é a primeira vez que o assunto é discutido no Congresso. O tema já foi debatido em 2010 e 2012, quando a Câmara dos Deputados aprovou duas propostas para modernizar a legislação. No entanto, essas propostas ficaram travadas no Senado e acabaram arquivadas em 2019.

Em 2021, o deputado Glauber Braga (Psol-RJ) propôs um projeto de lei para revogar o trecho referente à vadiagem na Lei das Contravenções Penais. Em 2023, a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) também apresentou uma proposta semelhante.

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