Quem são Tren de Aragua e MS-13, facções que Trump declarou como terroristas internacionais
Para Casa Branca, grupos não apenas impulsionam o tráfico de drogas e a violência, mas também desestabilizam a segurança na fronteira
Internacional|Do R7

Donald Trump voltou à presidência dos EUA em 20 de janeiro e, logo nos primeiros dias, assinou uma série de ordens executivas. Entre as medidas mais duras, está a decisão de classificar gangues criminosas e cartéis de drogas que operam ao sul da fronteira com o México como “organizações terroristas estrangeiras” — algo inédito para um presidente americano.
Além dos cartéis mexicanos, a determinação do republicano atingiu duas gangues latino-americanas: a Tren de Aragua, facção venezuelana em expansão internacional, e a La Mara Salvatrucha (MS-13), grupo com raízes em El Salvador e forte presença nos bairros de Los Angeles.
A decisão de enquadrar as organizações criminosas como ameaça terrorista reforça a estratégia do governo Trump contra a criminalidade transnacional e seus impactos nos Estados Unidos. Para a Casa Branca, esses grupos não apenas impulsionam o tráfico de drogas e a violência, mas também desestabilizam a segurança na fronteira, um dos temas mais caros da administração trumpista.
Leia mais
Com a nova designação, Washington ganha mais ferramentas para combatê-los, incluindo sanções financeiras e operações conjuntas com aliados. Mas, afinal, como operam essas facções e por que se tornaram alvos do governo americano?
Tren de Aragua
Com células criminosas espalhadas por grande parte da América Latina, o Tren de Aragua surgiu em 2014 dentro de um sindicato que controlava trechos de uma ferrovia em construção no estado de Aragua, na Venezuela. Seus integrantes extorquiam empreiteiras, vendiam vagas em canteiros de obras e logo ficaram conhecidos como “os do Trem de Aragua”.
Os envolvidos foram enviados para a prisão de Tocorón, a sudoeste de Caracas, onde a facção consolidou seu poder. De dentro do presídio, sua influência se expandiu rapidamente, transformando o grupo na organização criminosa mais poderosa do país.
“O Tren de Aragua tem um amplo portfólio criminoso, e essa é uma de suas fortalezas”, analisa Luiz Izquiel, professor de criminologia da Universidade Central da Venezuela, em entrevista ao R7.
O advogado venezuelano explica que, além de controlar Tocorón, a facção domina minas de ouro ilegais na Bolívia e rotas do narcotráfico no estado de Sucre, ao norte da Venezuela, que servem como porta de entrada para o Caribe.
Questionado sobre como o Tren de Aragua estabeleceu células na Colômbia, Peru, Bolívia, Chile e Brasil, Izquiel explica que, ao chegar a esses países, a facção se dedica a uma série de atividades criminosas. Além do tráfico de pessoas para prostituição e o tráfico de migrantes venezuelanos por meio de “trochas” — passagens ilegais —, o grupo se envolve em extorsão, roubo, sequestro e uma variedade de outros crimes.
Entretanto, não se sabe se muitas das células do Tren de Aragua que operam na América Latina estão diretamente conectadas à organização na Venezuela. Izquiel suspeita que, em alguns casos, criminosos venezuelanos, ao chegarem a outros países, simplesmente adotam o nome da facção mais temida da Venezuela para impor medo a suas vítimas e rivais.
“Além da presença real do grupo, também pode haver um exagero por parte da mídia e de políticos locais, que rotulam qualquer criminoso venezuelano como integrante do Tren de Aragua”, explica o criminologista.
Durante muitos anos, a organização desfrutou de quase total impunidade em seu principal reduto, a prisão de Tocorón. No presídio, que controlavam livremente, administravam diversos negócios internos, como a cobrança da “causa” (uma espécie de imposto criminoso que cada detento tinha que pagar apenas por estar lá, podendo chegar a US$ 20 mensais), além da venda de álcool e drogas, casas de apostas e prostituição. Dentro da prisão, havia até uma boate, piscina, zoológico e restaurantes.
“Essa situação durou até o final de 2023, quando as autoridades finalmente decidiram intervir na prisão e desmantelar o feudo criminoso do Tren de Aragua”, relata Izquiel. “Ainda não está claro por que o Tren de Aragua gozou de tanta impunidade para estabelecer seu império criminoso, nem por que as autoridades decidiram intervir na prisão em 2023”.
A internacionalização do Tren de Aragua, segundo o criminologista, começou por volta de 2018, quando a facção expandiu sua atuação para além das fronteiras venezuelanas. Inicialmente, estabeleceu células na Colômbia e, em seguida, se espalhou por outros países da América Latina. “A organização criminosa seguiu a rota dos migrantes venezuelanos, que muitas vezes são suas principais vítimas”, aponta Izquiel.
Essa expansão também levou o grupo a interagir com outras facções poderosas da região, incluindo o crime organizado brasileiro. O especialista destaca que há registros oficiais da presença de membros do Tren de Aragua em prisões do estado de Roraima, onde, aparentemente, se aliaram ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo Izquiel, o PCC chegou a “batizá-los”, possivelmente interessados na expertise da facção venezuelana no controle de presídios e na prática de crimes organizados fora das cadeias.
A liderança do grupo se concentra na figura de Niño Guerrero, conhecido por ser o “pran” (líder criminoso) de Tocorón desde 2012 até a intervenção na prisão em 2023.
No entanto, dias antes da operação na prisão, Niño Guerrero conseguiu fugir com seus principais aliados e, atualmente, está foragido. Não se sabe se ele permanece na Venezuela ou se conseguiu escapar para outro país.
O governo venezuelano oferece uma recompensa de US$ 250.000 para quem fornecer informações que levem à sua captura. No entanto, até o momento, não há divulgação de operações especiais para localizá-lo, “nem propaganda oficial significativa sobre o caso”, relata Izquiel.
A classificação do Tren de Aragua como organização terrorista por Washington ainda levanta dúvidas sobre as consequências para a organização.
“Aparentemente, essa classificação autoriza a apreensão dos bens da organização nos Estados Unidos, mas não se sabe se isso também pode levar a ações mais diretas contra o grupo em outros países”, afirma o criminologista.
La Mara Salvatrucha (MS-13)
A MS-13 surgiu nos bairros de Los Angeles nos anos 1980, formada por imigrantes que fugiam da longa e brutal guerra civil de El Salvador. Com o tempo, a facção passou a incorporar membros de outros países da América Central, como Honduras, Guatemala e México.
O nome MS-13 vem da fusão das palavras “Mara” (gangue), “Salva” (referência a El Salvador) e “trucha” (gíria para “malandro da rua”). O número 13 representa a posição da letra M no alfabeto, associada à aliança da facção com a Máfia Mexicana, organização criminosa que controla atividades dentro das prisões americanas.
Com uma estrutura altamente violenta e ramificada, a MS-13 já se espalhou por 46 estados americanos, segundo o FBI. Em 2012, foi a primeira gangue de rua classificada pelo governo dos EUA como uma “organização criminosa transnacional”, equiparando-se a grupos como os Zetas, do México, a Yakuza, do Japão, e a Camorra, da Itália.
A facção se tornou um alvo prioritário de Donald Trump e de seu ex-procurador-geral, Jeff Sessions, que culparam o ex-presidente Barack Obama por seu crescimento, alegando que políticas migratórias mais flexíveis facilitaram a expansão da gangue. No entanto, especialistas contestam essa narrativa, apontando que a MS-13 já era considerada uma ameaça nos anos 1990.
“O maior crescimento ocorreu na era Bush-Cheney, com o aumento da imigração ilegal da América Central. Ao mesmo tempo, o governo intensificou a repressão contra essas gangues, superlotando prisões, enquanto programas de reabilitação perdiam financiamento”, explicou Fulton Armstrong, pesquisador do Centro para Estudos Latino-Americanos da American University, ao site Politifact.
O jornalista Ioan Grillo, especialista em crime organizado, também refutou as acusações contra Obama: “Não vejo por que sua administração deveria ser culpada pela existência ou atividades da MS-13 nos Estados Unidos.”
Na realidade, o governo Obama adotou uma política agressiva de deportação, enviando milhares de criminosos, incluindo membros da MS-13, de volta a seus países de origem.