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Crônicas de Stoliar

Uma história da guerra

Como estarão Alina e Oleksander, os ucranianos que davam apoio ao trabalho da equipe de jornalismo? 

Crônicas do Stoliar|Do R7


Jornalistas saíram de Mariupol ao som de morteiros
Jornalistas saíram de Mariupol ao som de morteiros

Alina e Oleksander eram dois amigos ucranianos. Unidos pelo trabalho, moravam e trabalhavam na cidade de Mariupol, a mais destruída pelos bombardeios russos. Ela ganhava a vida num escritório de contabilidade, mas tirava um extra como fixer, e ele ganhava a vida como motorista. (Leia-se "fíquiser"). Fixer é uma espécie de guia que acompanha jornalistas estrangeiros em zonas de conflito. Geralmente, o fixer tem muitos contatos e consegue acessos que os jornalistas de fora do país não conseguiriam sozinhos. Era o nosso caso, quando chegamos no leste da Ucrânia.

Conhecemos Alina e Oleksander na estação ferroviária de Mariupol, quatro dias antes de a guerra começar. Até então, uma cidade acostumada com conflitos. Era ali, bem perto da fronteira, que o exército ucraniano e grupos separatistas pró-Rússia travavam batalhas pelo domínio do território há oito anos. Os dois conheciam os acessos, os caminhos, as pessoas certas. Foi assim, que dois dias antes da guerra chegamos até as trincheiras escavadas por jovens ucranianos no mar de Azov, que banha a cidade.

Alina e Oleksander já haviam se tornado nossos amigos. É o que acontece quando se passa 24 horas por dia com alguém. Desde que chegamos, fazíamos tudo juntos. Alina falava inglês e, além de nos ajudar com informações e contatos na cidade, também traduzia o que dizíamos para Oleksander, que só falava ucraniano. 

Duas pessoas simpáticas, alegres, comunicativas e prestativas. São muitas qualidades em apenas duas pessoas... Coisa rara hoje em dia, não é mesmo?!


Tudo o que nossa equipe de reportagem precisava em Mariupol, eles conseguiam. Foram algumas matérias exclusivas e boas conversas. Por não falar inglês, Oleksander passava a maior parte do tempo ouvindo. Só esboçava alguma reação quando Alina traduzia as besteiras que dizíamos.

Mas quando percebia algo diferente no ar, falava com ela para nos ajudar. Foi sempre assim. Mariupol foi a cidade por onde as tropas russas invadiram a Ucrânia e nós estávamos bem ali quando a guerra começou. A proximidade com a fronteira facilitava o acesso dos russos. Na hora da invasão, fomos expulsos de madrugada do hotel. Mísseis e caças russos cruzavam o céu. O som era ensurdecedor. Os poucos jornalistas hospedados no nosso hotel conseguiram escapar.


Apenas nós ficamos. Oleksander estava em casa quando a cidade começou a ser atacada e só atendeu nossa ligação depois de muitas tentativas. Mesmo ao som dos morteiros e tanques, o motorista deixou a família em casa para nos tirar da cidade. Alina não atendeu as chamadas.

Após nos deixar em Zaporizhzhya, cidade a duas horas de carro de Mariupol, Oleksander voltou para tentar proteger a família. Foi um milagre ele ter nos tirado dos bombardeios na condição em que estava... Confesso que não sei se faria o mesmo. Deixar a minha família naquela situação para salvar um desconhecido?


Um mês depois que a guerra começou, Alina respondeu nossa mensagem: "Estou bem. Saindo de Mariupol hoje. Me protegi num abrigo anti-aéreo", disse ela antes de sumir novamente. Nos despedimos de Oleksander naquele dia com a esperança de que nos veríamos novamente, mas ele nunca visualizou nossas mensagens. O paradeiro dele ainda é desconhecido.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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