O legado de um imigrante italiano que ainda faz o café florescer no interior paulista
Do desembarque de Luigi Pallaro em 1887 ao cultivo atual em Brotas, a jornada de uma família dedicada ao café atravessa gerações

A cafeicultura sempre foi muito importante para a nossa economia. E foi nas fazendas de café que muitos imigrantes italianos encontraram trabalho e um recomeço.
Conheci Rosa Helena Zeraik Palaro em um evento da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, onde ela oferecia seu café em um cantinho de exposição dos produtores.
Sempre muito gentil e simpática, ela preparou um café e batemos um papo. Esse foi o primeiro de vários encontros que tivemos. Rosa está sempre levando o Café São Francisco do Gramado para todos os lugares. Encontrei-a na feira Fruit Attraction, no estande da Secretaria, e quase tomei outro café deles no lançamento do projeto Rotas do Café, no Palácio dos Bandeirantes, ocorrido em abril.
Mas o convite feito por Rosa para conhecer a fazenda da família, em Brotas, ainda não tinha data para acontecer.
Demorou um pouco, mas lá fui eu para mais uma expedição — desta vez, para Brotas, no interior de São Paulo. Quem me levou até lá foi a Fiat Strada Ultra, cabine dupla TC200
Foi em um sábado ensolarado de outono que peguei uma estrada de terra arenosa e cheguei até a Fazenda São Miguel do Gramado. A porteira estava aberta, os cachorros me recepcionaram e, a partir daí, posso dizer que tive uma verdadeira aula sobre cafeicultura com o juiz aposentado, fotógrafo premiado na Biennale di Firenze — onde conquistou o primeiro lugar na categoria fotografia com um clique do projeto “Fatto a Mano”, que retrata a vida no cafezal — e produtor de café, Vilson Palaro Junior .
Vilson é bisneto de Luigi Pallaro, que desembarcou no Porto de Santos em 1887. E foi aí que começou a história dessa família com o café.
A prosa foi pra lá de boa, regada a muito café. Vi amor em cada canto de terra, em cada grão de café.
Vilson e Rosa, minha gratidão por me receberem e compartilharem tanto conhecimento.
A partir de agora, convido vocês a conhecer essa linda história de amor ao café São Francisco do Gramado.

Mundo Agro: Sua família já tinha tradição na produção de café?
Vilson Palaro Junior: Sim, meu bisavô veio da Itália para trabalhar com café. A família teve propriedades em Bariri, depois em Boraceia, e também no Paraná. O café sempre fez parte da nossa história. A cidade onde nasci, Itapuí, era toda voltada para o café.
Mundo Agro: Quando você chegou em Brotas?
Vilson Palaro Junior: Eu vim para Brotas em 1994. Conheci a região em 1991, do lado de lá, no Vale do Tietê. Passei em um concurso de juiz em 1991 e vim trabalhar aqui no verão. Em 1993, comprei a terra porque sempre gostei da região. Mantinha alguns cavalos que gostava e também tinha gado.
Mundo Agro: E como foi a transição para o cultivo de café?
Vilson Palaro Junior: Com as mudas que ganhei, comecei a plantar em um pomar pequeno entre pés de frutas. Cheguei a ter uma lavoura de cerca de 350 pés. E hoje temos cerca de 93 a 95 mil pés de café.
Mundo Agro: Qual era seu propósito inicial com essa propriedade?
Vilson Palaro Junior: Eu comprei a terra para lazer, por gostar de cavalos e gado. Vim para Brotas a trabalho, mas a propriedade era para lazer.

Mundo Agro: Como começou o projeto de café como negócio?
Vilson Palaro Junior: Comecei criando uma marca para fazer café para os amigos e para consumo pessoal, algo pequeno, bem restrito.
Mundo Agro: Como começou a venda do café?
Vilson Palaro Junior: Inicialmente, era algo bem pequeno, sem caráter comercial. Depois, comecei a vender café como commodity, para cooperativas e torrefações, mas sempre quis produzir café de primeira qualidade, café especial.
Mundo Agro: Como a sua esposa entrou no negócio?
Vilson Palaro Junior: Ela se aposentou do banco, o que permitiu que se dedicasse integralmente ao negócio do café. Ela se interessou pela parte de torrar e vender o café, gostava da área comercial, e começou a trabalhar isso. O negócio foi ganhando corpo, vendendo para hotéis fazendas em Brotas.
Mundo Agro: Como evoluiu a venda para diferentes clientes?
Rosa Helena Zeraik Palaro: Além de feiras e hotéis, o café é vendido para padarias e cafeterias em São Paulo, São Carlos e Brotas, além de pousadas na região.
Mundo Agro: Como surgiu a ideia de receber visitantes na fazenda?
Vilson Palaro Junior: Um cliente que consumiu nosso café em um hotel fez contato para visitar a propriedade. Começamos a receber visitas, mas logo percebi que as pessoas queriam uma experiência mais interativa, com explicações e contato direto com a plantação.
Mundo Agro: Como profissionalizou essa visitação?
Vilson Palaro Junior: Busquei melhorar o marketing e divulgação, inserindo a fazenda em sites de turismo de Brotas e redes sociais. Isso atraiu mais visitantes e o projeto começou a crescer.
Mundo Agro: Você tem planos para um projeto educacional?
Vilson Palaro Junior: Sim, queria começar com escolas públicas para ensinar sobre a história e a importância do café, com contato direto das crianças com a planta e o grão. O projeto atrasou pela eleição municipal, mas estamos retomando com um piloto em uma escola particular.
Mundo Agro: Como começou seu trabalho com fotografia?
Vilson Palaro Junior: Em 2006 ou 2007 comecei a trabalhar com fotografia, participando de exposições e ganhando prêmios. Em 2013 comecei um trabalho sobre a produção manual de café. A partir dessas fotos, ganhei muitas mudas de café e desenvolvi um projeto envolvendo imigração italiana. Eu fui conhecer onde meus antepassados tinham vivido. E, em 2015, inscrevi o projeto na Bienal Internacional de Florença e ganhei o primeiro prêmio na categoria fotografia.
Mundo Agro: Quando você se aposentou da carreira de juiz?
Vilson Palaro Junior: Me aposentei durante a pandemia, aproveitando o momento para fazer o que gosto, que é cuidar do café.

Mundo Agro: Quais variedades de café vocês cultivam?
Vilson Palaro Junior: Trabalhamos apenas com arábicas, cinco variedades no total. A principal é a IAC 125, e temos também Paraíso e Obatã, que se adaptam bem ao terreno.
Mundo Agro: Como é o solo e o manejo da plantação?
Vilson Palaro Junior: O terreno é arenoso, com pouco teor de argila, então o manejo é caprichado, com muita nutrição orgânica, usando esterco e plantas para produzir matéria orgânica.
Mundo Agro: Quando é a época de colheita?
Vilson Palaro Junior: Colhemos uma vez por ano. A variedade IAC é a mais precoce, geralmente amadurecendo no fim de abril ou começo de maio. Nos últimos anos, devido à seca, começamos a safra mais cedo, em 10 de abril.
Mundo Agro: Qual foi o impacto do clima no café da safra deste ano?
Vilson Palaro Junior: O mês de março foi muito quente e sem chuvas, o que fez as plantas amadurecerem rápido demais. Além disso, a seca do ano passado prejudicou a florada, resultando numa safra ruim.

Mundo Agro: Como está a expectativa para a safra de café em 2026?
Vilson Palaro Junior: Para ter uma boa florada em 2026 e uma safra boa, é necessário que não haja nenhuma intercorrência climática. O clima tem sido um grande desafio.
Mundo Agro: Qual foi o melhor ano para a produção de café recentemente?
Vilson Palaro Junior: O melhor ano foi 2020, quando as condições climáticas foram favoráveis, com boas chuvas e tudo organizado.
Mundo Agro: Como o senhor vê o papel do turismo na região do café e como fazer parte das rotas do café do estado?
Vilson Palaro Junior: A região de Brotas tem potencial turístico forte atraindo visitantes que conhecem a região e querem complementar a experiência com turismo ligado ao café.
Mundo Agro: Qual é o maior desafio atual no setor cafeeiro?
Vilson Palaro Junior: O maior desafio é a mão de obra, que está muito difícil de encontrar e manter. Além disso, o custo das máquinas de colheita é muito alto e o conhecimento para operá-las é limitado.
Mundo Agro: O senhor prefere colher café manualmente ou mecanizado? Por quê?
Vilson Palaro Junior: Este ano, optou-se por colher manualmente em parte das lavouras porque algumas áreas têm café novo que não pode ser colhido mecanicamente, além da dificuldade de mão de obra qualificada.
Mundo Agro: Eu vi que o senhor chegou, fez um café na prensa francesa... Mas o senhor tirou o café, colocou em um copo e só depois passou para a xícara. Por que isso? E quantos cafés o senhor toma por dia?
Vilson Palaro Junior: Quando trabalhava em um escritório fechado, tomava cerca de um litro de café por dia. Hoje, tomo menos pela manhã, mas ainda consumo café à tarde para manter a energia. Se o café ficar em contato com a água por muito tempo, ele fica amargo devido à super extração. O ideal é retirar antes para preservar o sabor.
Mundo Agro: O café para o senhor é?
Vilson Palaro Junior: Paixão.
Mundo Agro: E para você, Rosa?
Rosa Helena Zeraik Palaro: Um negócio amoroso
Confira no vídeo abaixo um pouco dessa aventura repleta de conhecimento
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