Coordenador da Defesa Civil de São Paulo diz: Alerta de chuva por celular e radar salvam vidas
Henguel Pereira defende investimentos em tecnologia e estratégias de resiliência e prevenção para enfrentar mudanças climáticas
Entrevista|Ana Vinhas, do R7

O monitoramento 24 horas por dia por meio de radares de última geração, o mapeamento de áreas de risco e o sistema de alerta que manda mensagem para a população a cada previsão de chuvas fortes são medidas que salvam vidas. A afirmação é do secretário-chefe da Casa Militar e coordenador da Defesa Civil do Estado de São Paulo, Henguel Pereira, em entrevista ao R7.
O sistema Defesa Alerta, baseado na tecnologia cell broadcast, começou a funcionar neste ano. Quem está em uma área com risco de desastre recebe um alerta independentemente de cadastro prévio. Até agora já foram emitidos 87 deles, sendo cinco extremos.
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Com mais de 36 anos de serviços prestados (quase 20 nos bombeiros e 10 de Defesa Civil), Pereira defende investimentos em tecnologia avançada e estratégias de resiliência e prevenção para enfrentar eventos extremos, com as mudanças climáticas.
“A gente montou um centro paulista de radares meteorológicos em que unimos todas as informações em uma plataforma única, para poder realmente utilizar o máximo do nosso potencial de análise e observação e entender com precisão os eventos meteorológicos. Estamos mudando também a nossa cultura dentro da Defesa Civil”, afirma.
O novo Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Defesa Civil do Estado e o Centro Paulista de Radares e Alertas Meteorológicos (Cepram) tiveram investimento de R$ 47,1 milhões.
A Operação Verão, que começou em 1º de dezembro de 2024 e vai até 31 de março deste ano, registrou até agora 21 mortes em decorrência das chuvas no estado. No ano anterior, haviam sido 18 mortes.
“A gente vem trabalhando muito para que realmente esse número não suba. Cabe lembrar que não houve deslizamente de terra este ano. Infelizmente, nessas ocorrências, acaba tendo muitas vítimas”, afirma o coordenador da Defesa Civil.
Leia a entrevista:

R7 — A tecnologia usada neste ano pela Defesa Civil está conectando mais a população e salvando mais vidas?
Henguel Pereira — Não tenha dúvida, porque essa tecnologia de comunicação em massa é de ponta e já é praticada em países desenvolvidos. É aquela tecnologia que você faz por georeferenciamento. Todo mundo recebe, não tem que estar cadastrado. Tem um tipo de informação que funciona como um alarme, uma sirene, que você pode comunicar e alertar a população sobre fortes chuvas, indicar como dirigir para algum lugar ou sair de algum lugar. Não tenho dúvida que isso muda a cultura de risco no nosso país.
Muda também a comunicação de risco. A Defesa Civil era muito cobrada quando aconteciam os acidentes. A principal pergunta era: “Olha, vocês avisaram a população?”; “Vocês sabiam que iria acontecer isso?”. E a gente realmente avisava, só que, muitas vezes, não chegava para todo mundo. Chegava só para quem estava cadastrado. E, agora, essa nova tecnologia ajuda muito. Para nós, é realmente um referencial, uma quebra de paradigma de comunicação de risco no mundo.
R7 — Quais outras ferramentas que a Defesa Civil está utilizando neste ano?
Henguel Pereira — A gente aumentou o número de radares no estado de São Paulo. O radar é o primeiro passo para a gente poder ter um entendimento real do que está acontecendo. Com o novo sistema de comunicação, conseguimos informar a população uma hora a duas horas antes do evento climático. Como foi o caso das últimas chuvas em São Paulo.
Em 24 de janeiro, por exemplo, a gente tinha céu claro na capital paulista, mas, em questão de minutos, começou a formar uma massa meteorológica complicada, que não estava se descolocando, estava parada em cima da região metropolitana e capital. Então, emitimos um alerta, porque a gente conseguiu visualizar que teríamos problemas, e conseguimos soltar esse alerta para a população. A gente também utiliza a Inteligência Artificial.

R7 — E como a Inteligência Artificial auxilia o trabalho de prevenção?
Henguel Pereira — Temos algumas ferramentas para fazer a leitura do que vai acontecer. A primeira delas são os radares. Por meio deles, vemos a formação meteorológica. A segunda são os satélites. Temos cinco satélites que emitem informações de 12 em 12 horas, com uma previsão mais longa, que a gente consegue ter uma ideia com esse sistema.
Além disso, a gente tem também uma rede pluviométrica, que, quando começa a precipitar, é possível ver a intensidade das chuvas. Com essa rede, conseguimos saber onde está chovendo mais em cada local.
Com radares e satélites, você consegue enxergar o antes; com os pluviômetros, a gente enxerga o durante, e aí também a temos as previsões a longa distância. Então, com esse cenário, a gente consegue juntar todo esse cruzamento, além da memória histórica do que acontece em cada local, como, por exemplo, o mapeamento de todos os lugares de risco no estado.
Com todas essas informações, do antes do radar e do durante, com a nossa rede pluviométrica, e aí entram também alguns sensores, como umidade do solo, a gente consegue fazer uma previsão do depois. Com a IA, a gente consegue, além de saber os lugares prioritários para as ocorrências, usar essas informações por meio da comunicação de risco para comunicar toda a população.

R7 — Com relação à prevenção, como a Defesa Civil trabalha nessa questão?
Henguel Pereira — Temos um setor de obras e um setor que a gente trabalha com nossas oficinas. Então é mais ou menos assim: no estado de São Paulo a gente tem o período de chuva, de dezembro a abril, e, depois, de junho a outubro, a gente tem o período de seca. A gente passa com as nossas equipes treinando as prefeituras, equipando as nossas oficinas, chamadas de oficinas preparatórias de verão. Então a gente roda o estado preparando as equipes para o período de chuva.
Quando acaba o período de chuva, a gente começa as nossas oficinas preparatórias de estiagem. Roda o estado treinando as equipes de Defesa Civil, equipando para preparar o estado para este período de estiagem. Esse é o primeiro trabalho que a gente faz de prevenção.
“Temos também um trabalho muito importante chamado Defesa Civil na Escola, em que a gente entra com comunicação de risco, ensina as pessoas que muitas vezes moram em áreas de risco a aprender a conviver com risco. A gente costuma dizer que todo grande acidente dá sinais antes de acontecer. Aí a gente ensina as pessoas a leitura disso. Um programa muito legal a partir da sexta série.”
Além disso, entra o mapeamento de risco, como eu disse, em um trabalho de obras junto ao estado. Fazemos obras de prevenção e recuperação, como contenção, que evitam deslizamento de terra.
R7 — Com relação ao pós-enchente, como em Peruíbe, em janeiro. O que é feito depois que ocorre algum problema?
Henguel Pereira — Além das obras recuperativas, porque, muitas vezes, nesses lugares a chuva leva pontes, há desmoronamentos, acabam levando encostas, e a gente consegue fazer obras de recuperação. Não só isso. Num primeiro momento, quando há chuvas intensas, tem um setor de logística humanitária, e a gente atende os municípios. Só no começo do ano a gente atendeu mais de 20 municípios com ajuda humanitária, como entrega de material de limpeza, para que as pessoas tenham oportunidade de voltar para suas casas. A gente manda kit limpeza, kit de higiene e kit dormitório, com camas, cobertores e roupas.

R7 — O que está mudando na Defesa Civil com a questão climática?
Henguel Pereira — A gente passou a enxergar realmente, em primeiro lugar, a necessidade de aumentar um órgão de proteção das pessoas. A Defesa Civil é um órgão público do estado, que foi criado para a proteger a população. Só que, para isso, a gente precisava investir em tecnologia. A gente montou um centro paulista de radares meteorológicos em que unimos todas as informações em uma plataforma única, para a gente poder realmente utilizar o máximo do nosso potencial de análise e observação, para entender com precisão os eventos meteorológicos. A gente está mudando também a nossa cultura dentro da Defesa Civil.
R7 — Neste ano, foram registradas 21 mortes em decorrência das chuvas no estado.
Henguel Pereira — A gente vem trabalhando muito para que realmente esse número não suba. Cabe lembrar que não houve deslizamente de terra este ano. Infelizmente, nessas ocorrências, acabam tendo muitas vítimas.
A gente precisa que as pessoas entendam essa nova mudança de cultura. Somos criados em país tropical que nunca sofreu muito. Mas, agora, com o mundo 1,5 grau mais aquecido e com todos os efeitos que temos visto ultimamente, isso realmente nos preocupa bastante, e cabe a nós, um órgão de proteção, mudar a nossa estrutura, mudar a nossa visão, para que a gente possa atender da melhor forma possível a população.

R7 — Para terminar, qual mensagem o senhor dá para os moradores neste época de chuvas?
Henguel Pereira — Para que não se coloquem em risco. Eventos climáticos a gente não controla. Não controla a intensidade nem a quantidade de chuvas. A gente faz a previsão, tecnicamente. Mas a chuva passa em determiando local e descarrega muita água. Então é importante que as pessoas aprendam a conviver com isso.
Em primeiro lugar, acho que tem que respeitar as nossas notificações e informações da Defesa Civil. Tem que acreditar e seguir quando a gente fala para as pessoas procurarem um abrigo seguro, não passarem em enxurrada, não tentaren atravessar alagamentos com carro e moto. As pessoas não podem se colocar em risco. E devem acreditar e confiar no nosso sistema de proteção de Defesa Civil, que é feito para realmente levar informação na ponta da linha, para que as pessoas entendam o que vai acontecer, principalmente nessas chuvas rápidas, de grande intensidade, que vêm atingindo nossso estado.
“A Defesa Civil faz parte de um sistema, que precisa que a população esteja com a gente. Costumo dizer que ninguém mora em área de risco porque quer. Muitas vezes, a cidade cresceu e a população também cresceu. As pessoas foram empurradas a morar em uma área de risco. E a gente precisa também entender o risco de determinada região, para não se colocar em risco.”
Um exemplo muito importante para mim, que estive lá, é o Japão, onde o país inteiro está em cima de uma área de risco, com placas tectônicas, e tem terremoto, furacão, deslizamento, chuva e alagamento, mas a população aprendeu a conviver com isso. Então, ali foi criada uma cultura resiliente ao risco.
É isso que a gente precisa fazer aqui também na nossa população. Criar uma cultura de resiliência, tornar as cidades mais resilientes. Aí também tem muita coisa que os gestores municipais precisam fazer em parceria, e a gente vem trabalhado isso aqui no estado. Mas precisamos que a população esteja com a gente, porque não adianta ter boas política púlbicas, se a gente não tiver a população na ponta da linha, acreditando nessa política pública, de mãos dadas com a Defesa Civil.