Frustrado, Trump usa aviões que foram de George Bush pai e quer seus Força Aérea Um prontos
Contratada, Boeing está pelo menos três anos atrasada e já registrou US$ 2,4 bilhões em perdas no contrato
Internacional|Eric Lipton, Jonathan Swan, Maggie Haberman e Eric Schmitt, do The New York Times

Furioso com os atrasos na entrega de dois jatos novos da Força Aérea Um – responsável por transportar o presidente dos Estados Unidos —, Donald Trump autorizou Elon Musk a explorar opções drásticas para pressionar a Boeing a acelerar o processo, incluindo a flexibilização das regras de autorização de segurança para alguns dos funcionários que trabalham nos aviões presidenciais.
Segundo cinco pessoas com conhecimento das discussões, que falaram sob condição de anonimato para descrever deliberações confidenciais, o governo Trump até debateu a possibilidade de adquirir um avião de luxo e reformá-lo durante a espera.
Revelaram também que Musk, a quem o presidente encarregou de cortar gastos do governo federal, tem desempenhado um papel central nas discussões – consultando militares, a Casa Branca e a Boeing.
O presidente considera que a Boeing é quase uma causa perdida, de acordo com pessoas próximas a ele. Com frequência, lamenta a decadência da empresa, questionando em voz alta o que ocorreu com a fabricante de jatos e por que esta parece ser incapaz de construir outras coisas.

Os dois Boeing 747 com grandes modificações, que atualmente são usados de maneira alternada para transportar o presidente, têm mais de 30 anos e requerem manutenção extensiva. Trump considera a Força Aérea Um um símbolo de poder e prestígio, e está enfurecido por iniciar seu segundo mandato voando nos mesmos aviões antiquados que um dia transportaram o presidente George H. W. Bush.
Seus comentários públicos adquiriram um tom mais ameaçador em uma entrevista transmitida na noite do dia 18 de fevereiro, no programa Hannity, da Fox News. Sentado ao lado de Musk, o presidente criticou a empresa: “A Boeing está em descumprimento contratual. Está construindo isso há séculos. Não sei o que está ocorrendo”.
Trump, em uma demonstração clara de sua disposição para explorar outras opções, reservou algum tempo no dia 15 de fevereiro para inspecionar um avião de luxo que se encontrava no Aeroporto Internacional de Palm Beach.
Os fotógrafos viram o número de cauda do modelo mais recente do 747-8, que revelou que o avião pertencia, pelo menos até pouco tempo, à família real do Catar, de acordo com dados de registro.
Não está claro se alguma dessas opções vai se concretizar. Mas, dependendo da abrangência da redução dos requisitos de segurança, o custo de acelerar o cronograma de produção dos novos aviões poderia comprometer a segurança do presidente ou do país, se a questão não for gerenciada com extremo cuidado.
Executivos da Boeing argumentaram que há uma maneira segura de fazer isso, reduzindo os padrões de segurança para certas categorias de trabalhadores que não lidam com os sistemas mais sensíveis dos aviões.
A Força Aérea dos Estados Unidos está obrigada, de acordo com o contrato, a pagar à Boeing US$ 3,5 bilhões do total de US$ 4,3 bilhões destinados ao projeto. Mas a Boeing está pelo menos três anos atrasada e já registrou US$ 2,4 bilhões em perdas no contrato.
Oficiais da Força Aérea que saíram recentemente e ajudaram a dirigir o programa declararam que as decisões tomadas durante o primeiro mandato de Trump são, por si mesmas, um fator no atraso. O contrato da Boeing para construir os aviões novos foi assinado pela primeira vez em 2018, e eles deveriam ser entregues originalmente em 2024. Em um comunicado, um porta-voz da corporação se recusou a responder às perguntas e declarou: “Não temos nada a compartilhar.”
Avião deve sobreviver a explosão nuclear
Os diretores da Boeing indicaram ao governo que talvez não consigam entregar as novas aeronaves da Força Aérea Um até o fim do segundo mandato de Trump. Mas Musk, que é conhecido por estabelecer prazos agressivos – inatingíveis, em alguns casos – em suas empresas, insistiu que pelo menos um dos aviões pode ser entregue no prazo de um ano.
Funcionários envolvidos no projeto – façanha complicada de engenharia que exige que o avião seja capaz de evitar certos ataques de mísseis ou sobreviver aos efeitos de uma explosão nuclear – consideram o cronograma do empresário irrealista. O presidente disse a seus colaboradores que, se Musk pode lançar um foguete, provavelmente consegue entender como funciona um avião.
Mas a participação do bilionário nesse empreendimento aumenta a contagem dos muitos conflitos de interesse que ele agora tem com o governo federal. Musk tem mais de US$ 2,4 bilhões em contratos concedidos nos últimos dois anos com a Força Aérea, e a SpaceX, sua empresa de foguetes, compete diretamente com a divisão aeroespacial da Boeing.
Steven Cheung, diretor de comunicações da Casa Branca, declarou em resposta às perguntas do The New York Times: “É ridículo que a entrega de um avião novo da Força Aérea Um tenha sido adiada por um período tão longo. O presidente Trump está trabalhando para encontrar maneiras de acelerar a entrega de um deles, necessário há muito tempo”.
Um centro de comando aéreo
Algumas das alternativas mais radicais que os altos funcionários do governo ofereceram a simplesmente esperar a entrega atrasada dos aviões da Boeing, como a adaptação do avião do Catar no prazo de um ano, foram consideradas impraticáveis por funcionários e ex-funcionários do Pentágono. Eles observaram que a certificação e a conversão de um avião temporário para missões como a Força Aérea Um poderia levar anos.
Embora tecnicamente qualquer avião da Força Aérea que transporte o presidente receba a denominação de Força Aérea Um, no uso comum ela se refere aos jatos projetados sob medida para transportar o comandante-chefe.
A Força Aérea Um não é apenas um meio de transporte do presidente e um conhecido símbolo familiar da liderança norte-americana; também é um centro de comando aéreo a partir do qual o presidente, em momentos de crise, pode dirigir a nação por meio de guerras ou respostas a agressões, incluindo um possível ataque nuclear.
O avião pessoal de Trump – que passou por uma atualização significativa depois de seu primeiro mandato – é totalmente revestido de dourado, incluindo os fechos dos cintos de segurança. Com frequência, pergunta aos passageiros se preferem sua aeronave, que ele chama de Força Um de Trump, e seus convidados invariavelmente respondem que sim. Ele também acha que o exterior branco e azul-claro clássico da era Kennedy deveria ser atualizado com um design mais arrojado em vermelho, branco e azul.
Enquanto o ex-presidente Joe Biden tinha relativamente pouco interesse nos progressos da Boeing e o projeto sofreu atrasos durante seu governo, a fabricante de aeronaves agora enfrenta um presidente impaciente, quase obsessivo. Durante os quatro anos em que esteve fora do poder, Trump manteve um modelo do novo da Força Aérea Um em seu escritório em Mar-a-Lago, sua propriedade na Flórida.
Ele e Musk expressaram sua frustração desde novembro, pouco depois da vitória eleitoral de Trump, em uma série de ligações telefônicas com o CEO da fabricante de aviões, Kelly Ortberg. “O presidente quer o avião antes, e por isso estamos trabalhando com Elon e a equipe para ver o que podemos fazer para adiantar o cronograma dessa aeronave”, afirmou Ortberg em entrevista à rede de TV CNBC, no fim de janeiro.
Autorização de segurança Yankee White
Segundo pessoas familiarizadas com o assunto, Musk disse a Trump que os projetos dos novos jatos da Força Aérea Um foram excessivamente elaborados com recursos desnecessários que atrasaram sua produção.
Musk e a Boeing defenderam, em particular, a eliminação dos requisitos de autorização de segurança de alto nível para pelo menos alguns dos indivíduos envolvidos no projeto.
Atualmente, quase todos os que trabalham na iniciativa precisam de uma autorização de segurança de alto nível chamada Yankee White, que exige um processo de verificação equivalente ao que os militares devem passar caso precisem interagir com o presidente ou com o vice-presidente. Isso inclui os funcionários e os contratados da Boeing, de mecânicos a eletricistas, mesmo os que não trabalham em sistemas sofisticados.
A flexibilização dos padrões de autorização de segurança aceleraria o processo de fabricação e facilitaria para a Boeing a contratação de trabalhadores. Mas também poderia expor o projeto a riscos de segurança nacional, como espionagem por agentes infiltrados como funcionários. Os responsáveis pelas discussões estão considerando essa opção apenas para alguns trabalhadores que não lidam com as partes mais sensíveis do avião.
Musk também questionou o tempo necessário para os testes de voo das aeronaves, de acordo com três pessoas com conhecimento dos comentários particulares dele. Alguns funcionários e ex-funcionários do Pentágono temem que a pressão de Trump e Musk por rapidez comprometa os requisitos de segurança de um ativo vital da segurança nacional.
“Os requisitos podem ser reduzidos e mais riscos podem ser assumidos. Mas isso também pode ir longe demais. O avião precisa ter capacidades básicas de comando, de controle e de comunicação”, afirmou Frank Kendall, secretário da Força Aérea durante o governo Biden, que deixou o cargo recentemente.
O colapso da Boeing
Trump não é o primeiro funcionário federal a expressar frustração com a forma como a Boeing lidou com o contrato da Força Aérea Um, porque houve uma série de problemas e atrasos desde que a empresa foi selecionada para o trabalho, há uma década.
Kendall revelou ter ficado tão frustrado com a Boeing que chegou a cogitar o cancelamento do contrato. Quando questionada se a rescisão era viável do ponto de vista legal, Ann Stefanek, porta-voz da Força Aérea, respondeu: “Todo contrato tem uma cláusula de cancelamento”.
No ano passado, o Pentágono recorreu a outra empresa, a Sierra Nevada Corp., para converter aeronaves 747 nos chamados aviões do dia do juízo final, permitindo que o exército continue operando mesmo durante uma guerra nuclear.
O contrato de US$ 13 bilhões significa que já existe um fornecedor alternativo que poderia assumir a conversão das aeronaves da Força Aérea Um, segundo um ex-funcionário do Pentágono envolvido no projeto. A Sierra Nevada tem ligações com a SpaceX, empresa de foguetes de Musk, que já enviou componentes de satélites da Sierra Nevada para a órbita.
Vermelho, branco e azul
Andrew Hunter, que recentemente deixou o cargo de subsecretário de Aquisições, Tecnologia e Logística da Força Aérea, declarou em entrevista que, no fim do ano passado, antes de voltar ao poder, Trump ordenou que os responsáveis pelo programa da Força Aérea Um trabalhassem com a Administração Federal de Aviação e a Casa Branca para buscar maneiras de acelerar a entrega dos aviões, hoje prevista para 2028 ou até 2029.
Foi o próprio Trump quem negociou o contrato original com a Boeing, acordo que incluía exigências rigorosas de equipamentos especializados de segurança e comunicação, alguns dos quais agora sua equipe cogita reduzir. O contrato de preço fixo assinado por Trump também limitou a capacidade da Força Aérea de fazer mudanças rápidas no projeto à medida que surgiam problemas.
A Boeing está reformando dois aviões que já havia construído para um comprador russo que faliu, em vez de fazer uma construção personalizada para a Força Aérea antes que a linha de produção do 747 fosse encerrada, em 2022. De acordo com um executivo envolvido no projeto, uma construção sob medida poderia ter evitado parte do tempo gasto com a reconfiguração e a nova fiação da aeronave.
Trump também manteve seu esquema de cores preferido – vermelho, branco e azul –, mesmo depois que engenheiros determinaram que a pintura azul-escura criava problemas térmicos e o Pentágono retornou a um padrão de cores mais claras.
Em dezembro, Hunter e Kendall foram informados de que Musk planejava visitar as instalações da Boeing em San Antonio, e participaram do processo de aprovação dessa visita pouco convencional, porque o empresário, na época, não era nem funcionário do governo federal nem empregado da Boeing.
“Isso não teria sido feito em nenhuma outra transição de governo”, afirmou Hunter. Segundo um ex-funcionário do Pentágono envolvido nas discussões, durante a visita, Musk buscava maneiras de acelerar a produção: “A ideia era simplesmente remover grande parte dos elementos militares e dar ao presidente um avião novo e bonito para viajar, com recursos comerciais e talvez algumas atualizações militares mínimas”.
De acordo com Hunter, um obstáculo são os próprios requisitos que Trump e a Casa Branca estabeleceram para os aviões da Boeing em 2018. “Se não gosta das exigências, mude-as”, disse ele na entrevista ao Times.