Risco de ‘apagão docente’ e falta de formação preocupa governo e especialistas
Déficit de professores na educação pode chegar a 235 mil em 2040; cenário impulsiona novo programa de valorização lançado por Lula
Brasília|Lis Cappi e Beatriz Oliveira*, do R7, em Brasília

O risco de um “apagão docente”, que pode levar à falta de professores com formação adequada em diferentes regiões do país, acendeu alerta ao governo e impulsionou o anúncio do programa Mais Professores nesta semana. A iniciativa prevê incentivos aos profissionais da educação e deve ser implementada ao longo dos próximos meses.
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O programa anunciado pelo governo propõe uma bolsa mensal de R$ 1.050 para alunos de licenciatura (programas de ensino superior voltados para formação de professores da educação básica), nos moldes do Pé-de-Meia, e um auxílio extra de R$ 2.100 para profissionais que se disporem a atuar em regiões remotas.
Além do incentivo financeiro, educadores receberão a possibilidade de especialização.

As propostas apresentadas pelo governo foram bem recebidas e podem solucionar preocupações que existem há anos, mas ainda dependem de outras ações, segundo especialistas ouvidos pelo R7. Eles elogiam a promessa de enviar mais professores a regiões remotas, mas alertam para o desafio de ampliar a formação em universidades.
“O caráter simbólico é muito importante para dizer à sociedade que quem quer ser professor terá apoio financeiro”, aponta o gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo.
“É um avanço importante, e a bolsa a professores que topem dar aulas em regiões mais distantes é um incentivo importante do governo federal para a gente conseguir garantir professores em todas as regiões do Brasil com alto grau de adequação docente”, completa.
Por outro lado, Gontijo destaca a necessidade de um foco maior na formação de educadores, sobretudo para combater problemas no ensino.
“É algo muito estrutural e não tem funcionado no país. Se a gente não consegue melhorar como a gente forma os nossos professores no ensino superior, será muito difícil melhorar nos resultados educacionais.”
Falta de professores
Dados compilados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em 2023 mostraram as dificuldades para o Brasil ter um número adequado de professores à disposição.
Entre os pontos citados pelo Inep, faltam professores em matérias que vão da matemática às artes, com maior dificuldade nas regiões Norte e Nordeste.
As estimativas apuradas por outros levantamentos são de um cenário ainda mais grave para os próximos anos. O déficit de professores na educação pode chegar a 235 mil casos em 2040, de acordo com projeção feita pelo Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo) em 2022.
Entre os motivos que podem levar a esse cenário, estão desinteresse na carreira educacional, envelhecimento dos professores e abandono da profissão por más condições de trabalho.
Valorização no Congresso
O programa anunciado pelo governo foi bem recebido dentro da Frente Parlamentar Mista da Educação. O presidente da bancada, deputado Rafael Brito (MDB-AL), aposta que as iniciativas vão atrair novos alunos e contribuir para a formação de futuros professores em carreiras de licenciatura.
“Toda movimentação de valorização é extremamente positiva. E esse anúncio veio para resolver alguns problemas que a gente vive hoje na carência de professores que o país vai ter no futuro”, diz. Brito também cita interesse da frente em avançar com propostas ligadas à valorização de educadores.
Ele cita uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que permite que professores possam acumular salários da carreira e de outras áreas e um projeto voltado para a definição de um piso salarial para todas as funções da educação básica.
Desafios em escolas
Entre professores em atuação no mercado, a opinião é de que, mesmo com o incentivo financeiro previsto pelo Mais Professores, ainda podem existir dificuldades para recuperar o interesse pela profissão docente no Brasil. Os principais fatores indicados são a desvalorização e os obstáculos encontrados pelos profissionais durante o exercício da profissão.
“Eu acredito que o que está desmotivando os jovens a escolherem a carreira da docência seria a desvalorização salarial e também a desvalorização humana. O governo pode estar influenciando os jovens através dessa bolsa, desse pé-de-meia, para entrar em licenciaturas, mas ainda haverá uma preocupação com o futuro. Essa realidade da educação brasileira é uma luta de tempos, e a gente vê, aos poucos, isso mudar”, avalia a pedagoga Silvia da Rocha, que atua no estado de Goiás.
Ela também afirma que a falta de estrutura de trabalho para os professores é um fator desmotivador, mesmo com aumento de incentivos salariais, e que também deve haver uma maior atenção aos cursos universitários.
“Ainda existem falhas. Durante o curso de licenciatura, o estudante vai ter muita teoria. Quando ele chega na prática, ele percebe que muitas daquelas teorias que aprendeu não consegue adotar por causa de falhas no sistema. Então, é preciso de apoio, principalmente de escolas públicas, para esse profissional. Apoio de outros profissionais, como psicólogo, odontólogo, como até mesmo assistência social”, destaca.
Na mesma linha, a professora da rede pública Maria Monalisa sugere que os programas do governo devem priorizar a estrutura das instituições. Segundo ela, deve ser oferecida uma formação “satisfatória” para que o ensino público se torne “um ambiente adequado para potencializar o que foi aprendido durante a graduação”.
*Sob supervisão de Leonardo Meireles