Explosão em Beirute acrescenta mais drama a um Líbano em crise
País vive grave crise econômica desde 2019, com uma das maiores dívidas externas, alto nível de desemprego e 1/3 da população vivendo na pobreza
Internacional|Giovanna Orlando, do R7
Décadas atrás, o Líbano era considerado um “oásis” no meio do Oriente Médio. Com economia próspera, um país pacífico e desenvolvido, o cenário era diferente do visto nos países vizinhos, que tentavam se organizar politicamente em meio aos inúmeros conflitos regionais que afetavam o desenvolvimento do país e da economia.
Porém, o que antes era um país rico, agora está submerso em uma crise política e econômica, com uma população miserável e insatisfeita com o governo, uma pandemia e, desde a terça-feira (4), lidando com as consequências de uma megaexplosão que destruiu a região portuária de Beirute, capital do país.
O cenário no Líbano de hoje é caótico. Hospitais estão lotados com feridos da explosão e infectados pela covid-19. O porto, que era o principal ponto para importação de comida no país, está destruído e a economia, que já estava fragilizada, pode retrair ainda mais, afetando diretamente a população.
A crise econômica
Desde 2019, o Líbano vive uma grave crise econômica, com quase um terço da população vivendo abaixo da linha da pobreza, o desemprego chegando aos 25% e a dívida externa é uma das maiores do mundo, chegando aos 92 bilhões de libras esterlinas, segundo o jornal britânico The Guardian.
Com um cenário crítico, a libra libanesa se tornou uma das moedas mais desvalorizadas do ano, como o real brasileiro, e o PIB podia retrair em até 12%.
“A crise começou depois devido a um déficit fiscal muito alto que levou ao governo ter que cortar gastos, o que gerou mais insatisfação entre a população. Isso fez com que as empresas acabassem com receio de uma crise maior, dispensando mais pessoas, o desemprego cresceu, e isso gerou uma bola de neve”, explica o professor de Relações Internacionais da ESPM, Gunther Rudzit.
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A população diz que o principal culpado pelo declínio econômico é o governo corrupto, que não conseguiu cuidar do povo e providenciar as necessidades básicas da nação. Há meses, libaneses enfrentam cortes na energia, falta de água potável e de comida.
Segundo o The Guardian, a destruição do porto vai complicar ainda mais a já delicada economia do país, que faz fronteira com a Síria, que está em uma guerra civil há quase 10 anos, e com Israel, com quem o país está vivendo um conflito.
Como a maior parte da comida vinha pelo porto e o país tem estoque suficiente para cerca de 1 mês, o Líbano vive agora uma incerteza de como vai alimentar seus 6 milhões de cidadãos.
Protestos contra o governo
No ano passado, quando diversos países do mundo decidiram protestar contra os governos locais, milhares de libaneses se juntaram à causa para protestar contra a corrupção, a falta de empregos e de ajuda do governo. As manifestações seguiram ativas até o começo deste ano.
A gota d’água aconteceu em outubro de 2019, quando o governo decidiu taxar o tabaco, petróleo e até chamadas de áudio no Whatsapp.
“A taxa de cobrança no uso do Whatsapp anunciada pelo governo libanês gerou um protesto muito grande. isso incentivou as pessoas a irem para as ruas, uma vez que o custo de vida altíssimo, principalmente com a desvalorização da moeda, os libaneses passaram a usar cada vez mais o Whatsapp, até também como uma forma de organização para os protestos”, explica o professor.
Os protestos aconteceram em até 70 cidades e a pressão popular fez com que o primeiro-ministro Saad Hariri renunciasse.
Segundo o professor Rudzit, houveram mudanças nos gabinetes e uma “tentativa de resposta do governo às demandas de mudança, mas não foi isso que fez com que os protestos diminuíssem”.
A chegada da pandemia impossibilitou que a população se reunisse apesar da continua insatisfação com o governo, cortes de luz se tornando mais comuns e o preço da comida subindo até 80%.
A chegada da pandemia
A pandemia do novo coronavírus afetou o mundo inteiro, mas foi sentida mais fortemente em um país já fragilizado.
Com falta de investimentos na saúde, os hospitais não tinham como conseguir atender os mais de 5 mil casos de covid-19 no país, que teve 65 mortos. A situação nos hospitais ficou ainda mais crítica depois da explosão de terça-feira (4), quando mais de 4 mil pessoas ficaram feridas e buscaram atendimento médico.
A quarentena no Líbano trouxe alguns questionamentos. De um lado, os protestos contra o governo estavam proibidos, já que aglomerações devem ser evitadas, mas isso não impediu alguns grupos de se reunirem em festas, casamentos e eventos religiosos.
Além disso, com o fechamento obrigatório de parte da economia, a população ficou ainda mais carente e a ineficiência do atendimento e ajuda do governo ficou mais clara. Milhares de empregados ficaram desempregados ou deixaram de receber salário.
Com isso, o preço da comida disparou e alimentos básicos, como carne e frutas, se tornaram um luxo que muita gente não tem como bancar.
Falta de transparência
O Líbano é controlado por uma elite ligada à religião e que tenta manter o poder e a influência através de incentivos fiscais — legais e ilegais — às instituições religiosas a que pertencem.
Com essa dinâmica, a corrupção no Líbano “permeia em todas as camadas da sociedade” e os grupos políticos são considerados “as instituições mais corruptas do país”, segundo as organizações que da corrupção no país.
O Líbano ocupa o 137º lugar entre os 180 países que entraram na lista de Transparência Internacional do Índice de Percepção de Corrupção de 2019.